Sunday, December 23, 2007

West Cost of Europe?!

A ilusão continua. Depois de dois anos e meio de contínua propaganda, e de condicionamento dos media, nada como mostrar ao povo e ao mundo o quanto modernos e inovadores somos. Como? Organizando-se uma campanha, mais uma, à conta do erário público, que faz as delícias das agências de comunicação. A dita já está na rua, e, numa segunda fase, aparecerá em revistas e jornais estrangeiros. A campanha lançada pelo Ministério da Economia e da Inovação parte do presuposto, desde logo discutível, de que pertencermos ao Sul prejudica a imagem do país no mundo. O Sul, para as luminárias que a conceberam, é sinónimo de "porteiras e bimbos". Esta é a imagem, péssima, que os portugueses têm lá fora. Mas nada como citar o cérebro que está por detrás disto: "Portugal é visto como um país do Sul. Um país de Sol e Mar, mas também de subdesenvolvimento, iliteracia, corrupção e dos recorrentes indicadores estatísticos de miséria. O Sul é o filtro que nos condena a sermos vistos como somos". Basta olharmos para o vizinho do lado, a Espanha, para percebermos o absurdo da tese. Mas o delírio não fica por aqui. Como não é possível uma espécie de refundação geográfica, resta-nos, como solução para o estigma do Sul, "reposicionar o país como a Costa Ocidental da Europa", perdão, como a West Cost of Europe, pois esta lembra, segundo a estratégia da campanha, "o sol, a praia, o surf, a qualidade de vida, Hollywood, criatividade, entretenimento, Los Angeles, Napa Valley, San Francisco, Las Vegas, Silicon Valley, e tecnologia, sociedade aberta, multicultural, estilos de vida alternativos". Tudo coisas que abundam por aqui, claro está! Reposicionar Portugal significa mesmo suprimir-lhe o nome, que lhe tira valor, substituíndo-o por West Coast, e, num ápice, transformamo-nos num país moderno, inovador, irresistível. Para a renovação da imagem do país foram buscar oito celebridades nacionais, José Mourinho, Cristiano Ronaldo, Nélson Évora, Vanessa Fernandes, Mariza, Miguel Câncio Martins, Maria do Carmo Fonseca e Joana Vasconcelos, que foram depois fotografados para a posteridade por Nick Knight. E aqui temos o novo Portugal, das fadistas, dos futebolistas, dos cientistas, líder nas energias alternativas, em vez dos padeiros do Brasil, dos pedreiros na Alemanha ou dos porteiros e das mulheres-a-dias em França. Como se o futebolista não fosse a continuação da porteira. Como se não houvesse dezenas de Joanas de Vasconcelos por essa Europa fora. Como se não estivéssemos a reproduzir outros estereótipos, no lugar dos velhos. Pior do que a vergonha pela nossa cultura e identidade só mesmo este o pós-modernismo bacoco patrocinado pelo Estado...

Monday, December 10, 2007

A estatização das ordens profissionais...

Entretidos com cimeiras, históricas, dizem alguns, e outros "fait-divers", escapa-nos o essencial. E o essencial é a crescente intromissão do Estado na vida dos cidadãos. O Estado não faz o que deve, ou faz muito mal, e anda a meter-se onde não é chamado. Com uma fúria que impressiona, como impressiona a indiferença geral perante o fenómeno. Depois do cardápio legislativo contra a liberdade de imprensa, entre outros ataques à sociedade civil, o Estado volta-se agora para as ordens profissionais. Discute-se actualmente na Assembleia da República um projecto de lei, mais um, para regular a constituição de futuras associações públicas profissionais. E o que se pretende? Impedir que as ditas possam realizar provas de admissão para avaliar as competências dos candidatos ao exercício de determinada actividade, e, desta forma, precaverem-se contra as fornadas de licenciados com cursos de qualidade duvidosa. Na prática, serão obrigadas a admitir todos os que terminarem a formação escolar, confundindo-se os títulos académicos, dados pelas escolas, com as exigências definidas pelas Ordens para o exercício de uma profissão. E adivinhem lá para onde vai aquela "competência"? Para o ministro da tutela!!! Se o projecto for aprovado lá temos nova ingerência do Estado, desta vez nas futuras associações profissionais, limitando-se assim fortemente a sua independência e, por consequência, a capacidade de cumprirem a sua missão. A legislação em vigor, que permitia às ordens o reconhecimento de competências aos seus membros, com a intervenção de técnicos qualificados, assumindo assim a responsabilidade dos seus actos perante a sociedade, era "excessivamente" liberal, como era liberal o respeito pelos códigos de ética e deontológicos dessas mesmas ordens. E como era liberal, corta-se. O Estado Socrático odeia tudo isto, e muito mais ordens independentes do poder político. Incapaz de cumprir as suas funções básicas, nada melhor do que invadir a intimidade dos cidadãos em nome da segurança, das estatísticas e do bem-estar. Sem resposta à altura, repita-se...

Friday, November 23, 2007

Lobbying e marketing político


Este é o tema do número 2 (Outono-Inverno 2006) da revista Comunicação & Cultura, já aqui apresentada em post recente. Os media sempre desempenharam um papel importante para os agentes políticos, mas, a partir da segunda metade do século XX, os meios de comunicação começaram a assumir um papel determinante na condução da actividade política. Ora, é precisamente sobre este papel que se reflecte neste número, com textos de Elisabeth Bronsen (Celebrating catastrophe), Rogério Santos (Congressos Partidários), Estrela Serrano (A dimensão política do jornalismo), Paula do Espírito Santo (A mensagem política na campanha das eleições presidenciais: análise de conteúdo dos slogans entre 1976 e 2006), Isabel Ferin (Tendências de cobertura do final de um ciclo: Cavaco Silva (1994-1995), Gonçalo Pereira (O caso ICN - convergência entre jornalistas e fontes), Magda Rodrigues da Cunha (Campanhas políticas e tecnologias digitais), Michael Walrave (Majors users, minor rights: e-privacy rights of minors), e Jorge Fazenda Lourenço (A Sapiência ainda é possível?). Inclui uma entrevista a André Freire, conduzida por Rita Figueiras, e recensões aos seguintes livros: Imagens da Mulher na Imprensa de Oitocentos, de Ana Costa Lopes, por Horácio Araújo; As Vozes da Rádio e A Emissora Nacional nos Primeiros Anos do Estado Novo (1933-1945), respectivamente de Rogérios Santos e Nelson Ribeiro, por Luís Bonixe; José Maria Eugénio de Almeida, de José Miguel Sardica, por Patrícia Dias; Tudo o que é mau faz bem, de Steven Johnson, por Carla Ganito. Ver também a montra de livros, as teses defendidas e a agenda para ficar a par dos eventos e do que vai saindo na área da comunicação e cultura.

Wednesday, November 21, 2007

Era uma vez uma Ginginha...


O novo Portugal, das novas oportunidades, da banda larga e do plano tecnológico não suporta as imagens simbólicas do velho país, e muito menos um país à solta, livre, não controlado pelo Estado. Por isso, criou a ASAE, a nova PIDE do regime. Esta, no seu afã intratável, virou-se agora para o que ainda resta de pitoresco, neste país, e vai daí, fechou a Ginginha do Rossio, qual cão raivoso. Sim, a típica Ginginha do Rossio, numa operação de fiscalização a estabelecimentos de restauração e, pasme-se, de controlo de cidadãos estrangeiros, a que pomposamente chamou de “Amarula”. Motivo: por falta de condições “higiosanitárias e técnicofuncionais”, leia-se porque a Ginginha não tinha casa de banho. Bom senso é coisa que não existe na cabeça desta gente. Expliquemo-nos: o espaço, exíguo, não recebe mais do que 4 pessoas, quanto mais uma casa de banho!!! A construção da dita pode pura e simplesmente inviabilizar a continuidade de uma casa centenária, fundada em 1840, ponto de paragem obrigatório para quem quer experimentar um sabor tipicamente lisboeta. É claro que, para a ASAE, nada disto conta, e muito menos que o famoso licor já fosse servido em copos de plástico, com o fruto lá dentro, que é o que verdadeiramente interessa. O encerramento coercivo causou surpresa geral e deixou os donos de boca aberta. Os turistas, de guia de Lisboa em riste, bateram com o nariz na porta, literalmente. E assim assistimos, impávidos e serenos, à imposição de um Portugal asséptico, que despreza o direito de propriedade e as suas tradições (alfacinhas, neste caso), apenas porque estas lhe lembram um outro Portugal, “atrasado” e periférico, e do qual o novo Portugal tem vergonha, ou não incluiu na sua existência, citando José Gil. Isto sem um protesto sério em parte alguma, o que não anuncia nada de bom…

Tuesday, November 13, 2007

O "Vício" da Liberdade...


Numa altura em que se assinala o Bicentenário das Invasões Francesas (1807-2007), a Hemeroteca Municipal de Lisboa (HML) evoca igualmente a efeméride com um conjunto de iniciativas (ver programa, em baixo) que nos permitem revisitar a história desta época, e muito particularmente o fenómeno da imprensa periódica e da literatura panfletária. No contexto da Guerra Peninsular, e até ao Congresso da Viena, em 1815, a imprensa periódica conhece uma notável expansão, primeiro com a “terrível invenção dos jornais de Londres”, como o Correio Braziliense (1808-1822) ou o Investigador Português em Inglaterra, lançado em 1812; depois com o aparecimento de vários jornais no país, que alimentam a euforia propagandística, de que é exemplo O Leal Português ou a Minerva Lusitana, de cunho essencialmente patriótico, com tiragens inéditas. Estas publicações vão revelar-se fundamentais para o debate de ideias e para a clarificação das correntes políticas, moderadas e radicas, que impulsionaram o processo revolucionário vintista. A par da explosão dos jornais temos uma não menos importante proliferação de folhas volantes, libelos, manifestos, panfletos, na sua maioria anti-napoleónicos, lançados aos milhares no mercado, em diversas edições e formatos, num fenómeno sem precedentes na história editorial portuguesa. A este respeito são exemplares os folhetos que Daniel Rodrigues da Costa publicou, com os títulos Câmara Óptica (1807), Partidistas contra Partidistas e Jacobinos Praguejados (1809) e Protecção à Francesa (1808). De uma forma ou de outra, esta literatura panfletária explora, com abundantes recursos imagéticos, temas como a irreligião, a brutalidade, a rapacidade e a libertinagem dos invasores. E não poupam também aqueles que, internamente, se mostravam simpatizantes das ideias revolucionárias, os chamados “franchipanas”. Nesta arte de maldizer especializaram-se, entre outros, José Agostinho de Macedo, José António da Silva Freire, José Acúrio das Neves e o citado Daniel Rodrigues da Costa. Em certos casos, a caricatura sobrepõe-se ao texto, alargando as modalidades de enunciação do sentimento patriótico. A partir de 1815, entramos num outro processo, com o amordaçar da imprensa, traduzindo as clivagens internas que se esboçam no interior da Regência.

PROGRAMA
MOSTRAS DOCUMENTAIS

O “Vício da Liberdade”: Jornais e Panfletos Anti-Napoleónicos (1807-1815) – Mostra documental que é um testemunho destes tempos, e sobretudo das mudanças verificadas na Imprensa, num contexto muito peculiar, de ocupação estrangeira, divulgando-se assim alguns dos jornais e panfletos mais importantes então publicados. São exibidas espécies provenientes da colecção da HML e de colecções particulares, constituindo algumas delas autênticas raridades bibliográficas.
Local: Hemeroteca Municipal de Lisboa _ Átrio e Escadaria. Data: Inauguração: 12 de Novembro. Em exibição até 31 de Dezembro

CONFERÊNCIAS

O “Vício da Liberdade”: Jornais e Panfletos Anti-Napoleónicos (1807-1815) – Ciclo de Conferências

1.ª Conferência: Os Panfletos Anti-Franceses, subsídios para a sua história, por António Ventura (UL/FL) Data: 28 Novembro (quarta-feira), 18 horas. Local: Hemeroteca Municipal _ Sala do Espelho

2.ª Conferência: Invasões Francesas: o esgrimir das penas e os papéis incendiários, por Rita Correia (CML/HML) Data: 6 Dezembro (quinta-feira), 18 horas. Local: Hemeroteca Municipal _ Sala do Espelho

DIGITAL

Hemeroteca Digital – Conteúdos Digitais: no âmbito do Bicentenário das Invasões Francesas (1807-2007) a Hemeroteca Municipal disponibilizará na Internet alguns documentos históricos relacionados com esta efeméride, como panfletos, manifestos e libelos, editados entre 1807 e 1815, na sua maioria contra a ocupação francesa, uma introdução histórica ao tema, bibliografia que os investigadores e leitores poderão encontrar nas bibliotecas municipais de Lisboa, entre outros conteúdos informativos, como sites e blogs sobre as Invasões Francesas. Um manancial de dados e informações sobre este dramático episódio da História Contemporânea de Portugal, agora à distância de um simples clique, na Hemeroteca Digital, em http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/

Thursday, November 8, 2007

O Estatuto CONTRA os jornalistas


Acabou a novela do novo Estatuto dos Jornalistas com a promulgação de Cavaco Silva. Aliás, o diploma já está publicado em Diário da República. Com a conivência presidencial o jornalismo livre e independente pode ter os dias contados. Depois dos desmandos da ERC (Entidade Reguladora para a Comunicação Social), das alterações ao Código de Processo Penal sobre as escutas telefónicas, chega-nos agora o novo Estatuto dos Jornalistas, como corolário da fúria legislativa socialista contra a comunicação social. É certo que houve alguns recuos relativamente ao primeiro diploma mas, no essencial, o absurdo mantém-se. Ainda que remetendo o assunto para o Código do Processo Penal, os jornalistas continuarão sujeitos à discricionariedade dos juízes no que toca à possibilidade de terem de revelar as suas fontes, passando-se assim por cima da importância que o sigilo tem para a existência da própria actividade jornalística; o novo estatuto continua a ignorar o carácter colectivo do trabalho jornalístico na questão dos direitos de autor, revelando-se insensível às profundas alterações que atravessam os media; continuam as sanções aos jornalistas, da competência da famosa Comissão de Carteira, qual tribunal inquisitorial, que pode aplicar (pasme-se!!!) "penas de repreensão" até um ano de suspensão; continua igualmente a obrigatoriedade dos jornalistas aceitarem que se eliminem ou alterem partes dos seus textos, mesmo que os deixem de assinar, caso não se identifiquem com o resultado final, o que conduzirá, naturalmente, à censura interna. Algumas destas situações foram previamente denunciadas como inconstitucionais, porque colidiam quer com os direitos fundamentais dos jornalistas quer com as garantias de liberdade de imprensa. Falou-se mesmo no mais violento ataque à liberdade de imprensa em 33 anos. Em vão. Para Cavaco é matéria de pouca importância. Mas será que o Sr. Presidente da República não percebe que qualquer intromissão do Estado através de órgãos administrativos configurará sempre uma limitação da liberdade de imprensa ao criar um perigoso clima de coacção ou mesmo autocensura? Que isto põe em causa o Estado de Direito, que ele é suposto defender? Não lhe passa pela cabeça que o Estatuto dos Jornalistas nem sequer devia existir, nomeadamente com forma de lei da República!!! Não existe já uma Constituição, a lei geral e a Lei de Imprensa? Não têm os jornalistas dois códigos éticos (o Deontológico e o de Honra), pelos quais se deviam auto-regular, dispensando assim a ERC? Não temos nós tribunais com regras próprias do Estado de Direito para garantir que os jornalistas não estejam acima da lei? Não estão estes ainda sujeitos ao julgamento da opinião pública? Porquê então a criação de uma Comissão da Carteira para o controlo deontológico da profissão? Definitivamente, este presidente e o Estado socrático convivem mal com a liberdade de imprensa. Criaram assim, perante a indiferença geral (excepto, reconheça-se, da classe), um novo tipo de jornalismo, "um jornalismo de cócoras, atento, obediente e obrigado a quem tiver poder". As palavras são de José Leite Pereira, director do Jornal de Negócios, provavelmente a primeira vítima da Comissão da Carteira...

Wednesday, November 7, 2007

A cor dos media


Título da "nova" revista de comunicação e cultura, lançada na primavera-verão de 2006, pela Faculdade de Ciências Humanas da UCP, com edição da Quimera. Pretende conciliar a "reflexão local com as tendências globais, a investigação nacional com o estado da arte ao nível internacional", centrando a sua intervenção no "campo de confluência entre a comunicação e a cultura". Além disso, que não é pouco, deseja "revitalizar a discussão académica", "encetar um diálogo profundo com a comunidade académica internacional", acompanhando os desenvolvimentos teóricos mais recentes e acolhendo investigação de excelência, e, finalmente, divulgar os trabalhos publicados junto de públicos exteriores às fronteiras da Universidade. A revista é dirigida por Isabel Capeloa Gil e conta, neste primeiro número, com a colaboração de Stuart Hall (Identidade cultural e diáspora), Roberto Carneiro (Hibridação e aventura humana), Catarina Duff Burnay (Identidade e identidades na ficção televisiva nacional: 2000 - 2006), Isabel Ferin (Imagens da diferença: prostituição e realojamento na televisão), Catarina Valdigem (Brasileiros e ciganos no prime-time português: estudo de caso), Margarida Lima de Faria e Renata Almeida (A problemática da "identidade" e o lugar do "património"), Marcos Ferreira (Nation as narration: the (de)construction of "Yugostalgia" throught Kusturica's cinematic eye), Luís Bonixe (As rádios locais em Portugal: uma análise do discurso jornalístico). Temos ainda uma entrevista a François Colbert, conduzida por Rita Curvelo, a clássica secção de recensões, completada com uma útil montra de livros e uma lista das teses defendidas nas áreas das ciências da comunicação e dos estudos de cultura na FCH da UCP. Termina com indicação dos temas dos próximos números. Mais um contributo para compreender o território fluido do nosso mundo global...

Tuesday, November 6, 2007

Recortes de Imprensa: "Guerra", de Eduardo Cintra Torres

“Durante anos, o projecto de Joaquim Furtado sobre a guerra em África levantou reservas a responsáveis da RTP. Hábito é trabalhar-se em cima do joelho e não demorar anos num trabalho de investigação e realização. Ele persistiu e o seu estatuto sénior permitiu-lhe continuar e chegar a bom porto. Valeu a pena. Guerra despertou desde o primeiro episódio merecidos elogios e interesse público (RTP1, terças-feiras). Um lustro de trabalho favoreceu a qualidade da série. São precisos anos para fazer centenas de entrevistas em vários países, ver e ouvir centenas de horas em arquivos, organizar material, estudar, escolher e realizar, em especial se a tarefa é, como neste caso, quase solitária. Para abordar a guerra de África, tema ainda difícil e virgem em televisão, Furtado escolheu a via adequada: a do jornalismo de referência, da reportagem em grande profundidade, raramente vista na TV portuguesa. Obra de autor, Guerra é a obra dum autor jornalista. O próprio título, com suas três variantes – guerra colonial, do ultramar, de libertação –, indica a obsessão pela objectividade jornalística que os primeiros episódios confirmam. Essa é a primeira vitória da série: ela honra o jornalismo português de forma exemplar. Honra o jornalismo, tout court, pois mostra a importância vital do jornalismo na sociedade democrática, o jornalismo verdadeiro, equidistante, independente, aberto, de investigação, corajoso na revelação da verdade. Só a verdade pode sarar as feridas abertas pelos pesadelos duma guerra. Os primeiros quatro episódios deram alternadamente a voz a guerrilheiros e outros angolanos, militares, políticos e civis portugueses envolvidos nos eventos de Angola em 1961. Além do excelente uso de diversos arquivos, da sincronia do áudio da Emissora Nacional aos filmes da RTP, os episódios desenterram como nunca antes em TV uma narrativa sobre os primeiros oito meses da guerra em Angola. Pessoas envolvidas, incluindo em atrocidades, falaram com grande abertura à verdade. Ficou-se a saber que Salazar ignorou um aviso sobre o ataque da UPA, o que mostra a hipocrisia política de abandonar os portugueses em Angola e só agir depois. Fez o mesmo na Índia e quase o fez em Macau em 66, tendo ponderado abandonar portugueses e macaenses aos Guardas Vermelhos. A série revelou também a inicial resposta terrorista dos portugueses aos ataques terroristas da UPA. O trabalho em profundidade permitiu detalhar para compreender. Os recursos estilísticos da série são simples. Entrevistas sem cenário; depoimentos com cortes à vista, como nas notícias de jornal; narração factual, escorreita e correcta, como no jornalismo; mapas de Angola para acompanhar os acontecimentos, como num jornal; ausência de floreados visuais e musicais, só narrativa em pele e osso; uso de imagens de arquivo no sítio certo da narrativa; onde faltam, desenharam-se, como nas reconstituições de cenas de tribunal – outro indício do modelo jornalístico. Furtado optou nos primeiros episódios por só apresentar depoimentos dos que fizeram, sofreram ou estiveram envolvidos na guerra. Ficaram de fora politólogos e historiadores. A série adquire assim maior capacidade narrativa e de envolvimento do espectador, sem perder o fio explicativo. A narração off é demasiado detalhada, pois caber-lhe-ia a ligação dos factos «por cima», deixando os pormenores aos entrevistados. Faltou contextualização, mas foi uma opção editorial. Falhas menores. O resultado não é uma análise histórica, mas um documento de história oral e visual da guerra, insubstituível, ao contrário de outros programas do género, por compêndios ou análises escritas. A televisão no seu melhor como documento, como testemunho.” (Público, 3/XI/2007)

Monday, November 5, 2007

A Imprensa e o Jornal de Domingo










Mais novidades no sítio da Hemeroteca Digital, com a colocação em linha de dois novos títulos, A Imprensa e o Jornal do Domingo. A escolha recaiu, desta vez, sobre o fundo histórico da Hemeroteca Municipal de Lisboa, com a digitalização de dois importantes periódicos publicados em Lisboa no século XIX. A Imprensa, publicada entre 1885 e 1891, num total de 72 números, foi dirigida por Afonso Vargas. O subtítulo revista científica, literária e artística traduzia desde logo todo um programa, confirmado depois em editorial assinado pelo director. Mas, apesar da abertura da revista "a toda a ordem de questões", ela revelará uma abordagem especial à problemática da Imprensa, com a publicação de vários artigos sobre a tipografia em Portugal, a indústria do livro, o jornalismo, a imprensa da universidade, entre outros, temas do maior interesse para o conhecimento da História da Imprensa Periódica. O Jornal do Domingo publicou-se um pouco mais cedo, entre 1881 e 1883, e contou, desde o número 12, com a direcção literária de Pinheiro Chagas. Como colaboradores, destacam-se Brito Aranha, Bulhão Pato, Gervásio Lobato, Guerra Junqueiro, Júlio César Machado, Latino Coelho, Mariano Pina, Rafael Bordalo Pinheiro, e muitos outros. Foi essencialmente um jornal de entretenimento para o grande público, abundantemente ilustrado, ainda que com a entrada de novos colaboradores a actualidade política e literária ganhe relevância. Lisboa é também motivo de notícia, com crónicas sobre os seus costumes, espectáculos, a par dos tradicionais relatos de viagens ou artigos sobre as últimas descobertas científicas. Tudo isto à distância de um clique, na http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/

Wednesday, October 31, 2007

A Ibéria de Saramago

José Saramago voltou à tecla da Ibéria em entrevista recente no Diário de Notícias (28 de Outubro), pessimamente conduzida, diga-se. Desta vez de forma mais cautelosa pois lá reconheceu que em "primeiro lugar sou português. Em segundo lugar sou Ibérico. E em terceiro, se me apetece, serei europeu". Esclareceu também que não falava na Ibéria para "fazer provocações gratuitas só para vender papel ou só para que se fale no meu nome, para o bem ou para o mal". Ficamos mais sossegados. Reconheceu ainda, num acto de lucidez que só lhe fica bem, que a questão da Ibéria "tem que ver com um sentido histórico, e que eu admito até que não seja totalmente correcto". Esta dúvida levanta desde logo uma questão pertinente: se o escritor fala num "sentido histórico" contrário à sua Ibéria porquê a apologia da dita? Será para chatear o Dr. Cavaco, que não lhe pediu desculpas? Ou para provocar Sousa Lara, que lhe atacou o Evangelho Segundo Jesus Cristo? É um facto que Saramago foi alvo de censura literária e que isto, num país que se intitula democrático, é inaceitável. Mas será razão suficiente para defender "a criação de um novo país", através da fusão de Portugal com Espanha? Parece-nos que não. Há aqui um ajuste de contas com a história, precipitado, encapotado com argumentos pró-ibéria pouco sólidos e facilmente desmontáveis. Diz-nos o escritor que "não se pode negar é que aqui estamos. Eles e nós". Bom, mas desde quando a vizinhança geográfica é, no actual contexto europeu, critério para uma fusão entre dois países? Vamos fundir a Espanha e a França só porque estão lado a lado!!! Pede-nos ainda, aos políticos e aos cidadãos em geral, que se pense nos "destinos do seu país, no grau de dependência a que estamos a chegar, e cada vez mais". Mas qual é o destino do país? A união com Espanha, pelo "grau de dependência a que estamos a chegar"? É esta dependência económica motivo suficiente para uma "natural" integração de Portugal na Espanha? Não explica, ignorando por completo outros "graus" de dependência a que o país já esteve sujeito no passado, não perdendo a soberania por causa disso, bem como o fenómeno da globalização, e das suas implicações nos Estados, que são, simultaneamente, de maior abertura económica e social mas de reforço das questões culturais e identitárias. A confusão é ainda maior quando reconhece a perda de autonomia nacional nalgumas matérias, provocada pela integração europeia, mas não admite iguais consequências numa junção com o vizinho do lado. O que Saramago pretende mesmo é um novo país, a Ibéria, através da união luso-espanhola, a sua nova utopia, depois do comunismo. Mas além das fragilidades apontadas há uma outra que surpreende, para quem vive em Espanha, em Lanzarote, e, supostamente, está atento à evolução política recente. Ao mesmo tempo que Saramago desenterra o Iberismo assistimos, em Espanha, a um movimento contrário, de luta política por uma maior autonomia das províncias espanholas, como é o caso da Andaluzia e da Galiza, e mesmo de independência, na Catalunha e no país Basco. Assim sendo, que sentido faz a Ibéria? Para Saramago, todo. Para o escritor aquele movimento "não acredita muito em si mesmo" e, no fundo, não crê que a Catalunha "queira ser independente". Santa ingenuidade!!! Mas não acreditamos que Saramago esteja a falar a sério. O que interessa é levar a água ao seu moinho e, para isso, tudo serve, até os mais mirabolantes argumentos. O escritor faz tábua rasa de evidências e factos, no que à Espanha diz respeito, ignora por completo a história do Iberismo português, bem como nove séculos de história de criação, luta e consolidação de uma identidade nacional que não se apaga com delírios iberistas. Ora, é este passado que dá "legitimidade" ao conceito de identidade nacional. Esta torna-se, consequentemente, a consciência pública e comunicada da nação, na sua história, na sua cultura, no seu território e na missão que o país desempenhou e desempenha.

Monday, October 29, 2007

Recortes de Imprensa: "Fazer Fitas", de Alberto Gonçalves


"Entrevistada na rádio, ouvi uma responsável do DocLisboa jurar que a edição deste ano era uma «bomba». Não sendo uma expressão literal, certo é que o festival partilha os alvos com boa parte do terrorismo em voga: os Estados Unidos em geral e a Adminstração Bush em particular foram o saco de pancada dos talentos em exibição. Houve (ou ainda há) um filme sobre o mal que os americanos fazem ao ambiente e ao planeta em geral. Outro sobre o mal que os americanos fazem ao Afeganistão. Um terceiro sobre o mal que os americanos fazem ao Iraque. Um quarto sobre o mal que os americanos fazem aos terroristas inocentes. Um quinto sobre o mal que os americanos brancos fazem aos americanos pretos de Nova Orleães. Um sexto sobre o mal que os americanos ricos e saudáveis fazem aos pobres e doentes e sem acesso a cuidados médicos. Etc. Ao que me contaram, o único documentário simpático para com os americanos versava uns pândegos que praticam sexo com cavalos. Excepto pelo bestialismo, a América é uma barbárie, que o DocLisboa faz muito bem em expor. Parabéns à organização. Parabéns a nós, contribuintes, que a subsidiamos. E parabéns reforçados aos corajosos autores das peças acima. Hoje, não há nada tão em voga quanto um realizador americano «independente» ou «alternativo», dos que criticam o sistema por fora para se distinguirem daqueles que, em Hollywood, criticam o sistema por dentro mas com os mesmos argumentos, frequentemente a oscilar entre a meia verdade e o delírio inteiro. Por mim, tudo bem. Os que odeiam a América e prosperam na América à custa do seu ódio são a maior confirmação da liberdade do país, uma ironia que, apesar de pesada, é inalcançável pelas toldadas cabecinhas do DocLisboa e pelo público que ambiciona entender o mundo através das fitas. Mas não, suspeito, pelos valentes criadores que enriquecem a fazê-las." (DN, 23/X/2007)

Wednesday, October 24, 2007

A leitura em Portugal


Duma assentada foram ontem apresentados, na Gulbenkian, no âmbito da I Conferência do Plano Nacional de Leitura (PNL), 3 estudos: Hábitos de Leitura da População Portuguesa, do Observatório das Actividades Culturais, Hábitos de Leitura da População Escolar, feito pelo Centro de Estudos dos Povos e Culturas de Expressão Portuguesa, da Universidade Católica, e Avaliação Externa do Plano Nacional de Leitura, contributo do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia, do ISCTE. E o que ficámos a saber?
Do primeiro estudo: parece que as mudanças são positivas, pois os não leitores passam de 12% (dados de 1997) para 5%. Portanto, temos um aumento de 7%. Em 10 anos, sabe-nos a pouco, e é insuficiente, quando comparado com outros países europeus. Para esta alteração muito contribuiu o número de leitores de jornais e revistas, que cresceu 20%, e de pequenos leitores. No que toca ao perfil dominante, temos um leitor mais à vontade com os periódicos, pouco exigente, que gosta sobretudo de livros práticos, com leituras "parcelares". Há boas notícias relativamente aos efeitos da socialização primária, onde predomina a "reprodução", isto é, dá-se leitura quando se recebe incentivos à leitura, o que acontece, segundo os especialistas, quando o capital escolar está consolidado na família. Há más notícias quando a leitura é comparada com outras práticas, com destaque para os "tempos televisivos" em detrimento da leitura.
Do segundo estudo, dos Hábitos de Leitura da População Escolar, que abrangeu todos os ciclos do ensino básico, e o ensino secundário, ficámos a saber que, no 1.º ciclo, há uma atitude muito favorável à leitura (61% gosta muito de ler), com os entrevistados a revelarem ainda que os pais costumam ler com eles (72%); no 2.º ciclo a percentagem dos que gostam muito de ler baixa para 41%, com a família em plano de destaque na construção do gosto e na criação de hábitos de leitura; no 3.º ciclo o gosto pela leitura diminui, duma forma geral (49% gosta de ler de vez em quando); no secundário, os que lêem de vez em quando sobem para 49%, e aparecem pela primeira vez os "viciados em leitura", ainda que poucos (3%, para os rapazes, e 6% para as raparigas). Ou seja, à medida que crescem, os estudantes tornam-se leitores menos entusiasmados, o que não augura nada de bom. O mistério da adolescência torna-se ainda mais misterioso.
Finalmente, da avaliação ao PNL, ainda numa fase experimental, os resultados são globalmente positivos: os destinatários (escolas, bibliotecas escolares, alunos e professores) aderiram em peso; as escolas compraram mais livros; as bibliotecas públicas também deram o seu contributo; a sociedade civil apareceu (Gulbenkian, empresas, universidades, etc.); há progressos notórios no domínio da leitura; as redes pré-existentes (das bibliotecas escolares e das bibliotecas públicas) foram fundamentais na implementação do PNL; o estado deu o dinheiro que era suposto dar (pouco, para alguns); excelentes lideranças. Tudo boas notícias. Mas esta avaliação é ainda precoce e, na prática, pouco significa. Daqui a 40 anos, como disse um dos conferencistas (Scott Murray), lá aparecerão os primeiros resultados, e então, aí sim, se poderá fazer uma análise custo/benefício do PNL e do dinheiro público que foi gasto com ele. Por outras palavras, se trouxe ou não benefícios económicos e sociais tangíveis para o desenvolvimento do país: aquisição de competências, produtividade, criação de riqueza, entre outros. A ver vamos...

Monday, October 22, 2007

O Tratado de Lisboa


Foi um fim-de-semana em cheio: rezam as crónicas, que a farra foi até às três da manhã, no Parque das Nações. Portugal, como bom aluno que é, reconheça-se, lá cumpriu o trabalho de casa alemão. Porreiro, pá! Para glória da pátria, de Sócrates e do Sr. Barroso. Parece, portanto, que vamos ter um novo tratado, que alguns apelidam de reformador, enquanto outros falam do tratado possível. Mas o que espanta é a forma como o dito é "vendido" aos portugueses, com a conivência da generalidade da comunicação social. Como se este tratado não tivesse nada a ver com a defunta constituição, rejeitada, em boa hora, pela França e Holanda. Como se este tratado não fosse prejudicial aos pequenos países e seus interesses, como é caso de Portugal. Referendos, nem vê-los, apesar das promessas eleitorais e programas de governo. Para os iluminados cá do burgo, basta a ratificação do Parlamento, à revelia do povo, que, argumentam, já está representado na câmara. Os críticos, esses "nacionalistas" sem vergonha, que se calem. Mas na prática, importa lembrá-lo, o que este tratado consagra, ou vai consagrar, é o seguinte:
- o reforço do Conselho de Ministros, em detrimento da Comissão Europeia, tradicionalmente vista como a "advogada" dos pequenos, ou seja, o reforço dos Estados mais populosos;
- a criação do novo cargo de presidente fixo do Conselho Europeu que vai substituir, a partir de 2009, as presidências semestrais rotativas entre todos os países, isto é, desaparece da vida comunitária o melhor símbolo da igualdade entre os Estados;
- a "dupla maioria" (55% de Estados representando 65% da população) no sistema de decisões do Conselho de Ministros da UE, que acaba com o velho método de votos ponderados atribuídos a cada país consoante a sua dimensão, "e que garantia a sobre-representação dos mais pequenos em nome do equilíbrio entre os princípios da igualdade entre os Estados e da representação democrática" (Portugal, que no sistema de votos ponderados pesava 3,47%, passa a "valer" apenas 2,14%, enquanto a Alemanha, que tinha 8,4%, passará a pesar o dobro, com 16,75% do total dos Vinte e Sete);

A substituição de uma regra implícita de unanimidade por regras de maioria qualificada significará a criação de uma Nova Europa (leia-se, dos mais fortes/ricos) dentro da Europa, com a formação das famosas "minorias de bloqueio". Com a aplicação do novo tratado, uma união, por exemplo, entre a Alemanha, o Reino Unido, a Holanda e a Suécia, será suficiente para bloquear qualquer decisão dos mais pequenos. Para os países fortemente dependentes das ajudas comunitárias, como Portugal, a maioria qualificada vai doer muito, pois vai. E assim se manda para as urtigas a Europa de Monnet e Schumann, uma Europa onde todos se deviam sentir iguais, como as regras que agora foram alteradas procuravam preservar. Isto, que devia ser dito e discutido, fica para as calendas gregas. Assim sendo, para quê um referendo? Que chatice...

Friday, October 19, 2007

Jornalismo e História


Este é o tema do último número (9; 2006) da Media e Jornalismo, revista do Centro de Investigação Media e Jornalismo. Dedicado à História da Imprensa, tem por objectivo "dar a conhecer, valorizar e estimular a investigação na área da história dos media e do jornalismo". Apresenta, assim, um conjunto de estudos, com assuntos e abordagens diversas, "no sentido de sublinhar que o estudo do passado apoia o conhecimento do presente, que nenhuma interpretação é definitiva, que a história contempla e integra a diversidade das interpretações, recorrendo a diversas fontes e metodologias" (do editorial).

Em "Os jornalistas no Marcelismo - dinâmicas sociais e reinvindicativas", Ana Cabrera analisa as alterações na profissão que se avolumaram nos anos sessenta. Através do uso de bases de dados e de metodologias quantitativas, de entrevistas, cruzadas com interpretação de diversos documentos, a autora apresenta a evolução da classe ao longo de catorze anos (1960-1974) assinando a forma como o aumento da demanda de mão-de-obra conduziu ao rejuvenescimento das redacções, à aplicação de novos métodos de trabalho e a muita inovação nos jornais. Demonstra ainda como uma nova geração mais habilitada, com frequência universitária e experiência nos Movimentos Associativos da década de sessenta, forçou uma viragem no processo reinvindicativo dos jornalistas, bem como na organização sindical.

No artigo "Anos 60: um período de viragem do jornalismo português" Carla Baptista e Fernando Correia apresentam alguns resultados de uma investigação, intitulada "Memórias do Jornalismo", que consistiu na recolha e tratamento de testemunhos orais de profissionais - jornalistas e tipógrafos. Os contributos das entrevistas são analisados em função dos percursos profissionais e do contexto histórico em que ocorreram. Os autores descrevem o processo de trabalho, a hierarquia na redacção, as relações profissionais e as restrições que a censura impunham aos jornais e às actividades dos jornalistas, identificando os anos sessenta como um período de viragem no jornalismo português em virtude do rejuvenescimento dos quadros e consequentes mudanças na liderança das redacções.

Em "Revistas políticas no Estado Novo: uma primeira aproximação histórica ao problema", Álvaro Costa de Matos parte de uma selecção de seis revistas publicadas durante o Estado Novo. Num primeiro grupo as revistas são claramente políticas como é o caso do Integralismo Lusitano, Tempo Presente e o Tempo e o Modo; num segundo conjunto a selecção recaiu em revistas literárias e económicas, que naturalmente não deixam de ser políticas, como é o caso do O Ocidente, a Vértice e a Revista de Economia. Cada revista é apresentada segundo as linhas ideológicas, os conteúdos e os seus colaboradores. O autor conclui que apesar do regime censório, o Estado Novo não era um regime monolítico e permitia mesmo, quer à direita, quer à esquerda a existência de publicações cujos conteúdos eram críticos, salvaguardando, embora, a descrição e a subtileza das críticas, bem como a não inclusão de autores proibidos.

Joaquim Cardoso Gomes no artigo "Álvaro Salvação Barreto: oficial e censor do salazarismo" faz uma biografia do Tenente-Coronel de artilharia que foi responsável pela edificação da máquina da censura em Portugal. A acção deste militar fez-se sentir entre 1928 e 1944. O texto apresenta as diversas etapas do estabelecimento da censura, quer ao nível da máquina organizacional, quer ao nível do seu pessoal político que era, até ao fim da segunda guerra mundial, exclusivamente militar. Apresenta ainda os esforços levados a cabo por Salvação Barreto no sentido de manter a autonomia da censura face ao Secretariado para a Propaganda Nacional (SPN) - situação que não viu consignada uma vez que em 1944 a propaganda e a censura ficam subordinadas a Salazar, o que ditou o afastamento de Salvação Barreto e o seu ingresso na liderança da Câmara Municipal de Lisboa.

Rogério Santos em "O Jornalismo na transição do século XIX para o XX. O caso do diário Novidades (1885-1913)", apresenta a primeira série deste periódico segundo três eixos de análise: linha ideológica; secções e géneros jornalísticos; os jornalistas e a sua actividade profissional. Numa época em que os jornais mantêm uma forte ligação a correntes de opinião o Novidades assumia-se como defensor do regime monárquico e dos valores da igreja católica e como opositor frontal ao ideário republicano. Ainda assim este jornalismo de opinião de feição muito próxima da literatura reunia colaboradores de peso como Emídio Navarro, Ramalho Ortigão, Oliveira Martins e Eça de Queirós.

Esta secção da revistas fecha com uma entrevista a Peter M. Herford conduzida por Eduardo Cintra Torres, investigador e crítico de televisão. Fora do tema apresenta-se um estudo de Hermenegildo Borges sobre a "Publicidade erótica e a sua problemática regulação", onde o autor analisa o enquadramento jurídico do assunto e problematiza se deve ou não existir uma maior regulação sobre estas matérias, disponibilizando argumentos a favor e contra e propondo uma hipótese de resposta. A revista termina com dois obituários sobre a recente morte de dois dos mais eminentes pensadores sobre fenómenos da comunicação: James Carey (EUA) e Roger Silverstone (Reino Unido). A ler...

Thursday, October 18, 2007

Erradicação da Pobreza...

Assinalou-se ontem o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza. Ficámos também a saber, no que toca a Portugal, o seguinte. Alguns dados recolhidos dos jornais:
- 19% dos portugueses, isto é, cerca de 2 milhões de pessoas, vivem em risco de pobreza;
- os rendimentos anuais destas pessoas (por adulto) são inferiores a 4321€, o que dá uma média mensal de 360€;
- os idosos e as famílias com três ou mais crianças dependentes têm a taxa de risco de pobreza mais alta;
- os idosos (65 anos e mais) e os menores de 16 anos registam as taxas de pobreza relativa mais elevadas, 28 e 23%, respectivamente;
- o grupo etário de 25 a 49 anos apresenta a menor proporção de pessoas que vivem abaixo da linha de pobreza, com 15%;
- só em Lisboa, 1275 pessoas "habitam" em permanência nas ruas da capital (a estes juntam-se ainda aqueles que, tendo um tecto, não têm, no entanto, rendimentos suficientes para assegurarar a sua subsistência, estando, portanto, dependentes de ajudas).

Em suma, Portugal é hoje o país da União Europeia onde a desigualdade social entre a população é maior. Por outras palavras, onde as diferenças entre ricos e pobres são mais notórias. Já foi assim, deixou de ser, e volta a acontecer, e hoje temos novamente mais novos pobres, mais desempregados e mais emprego precário. A situação dificilmente se alterará com a continuação das políticas económicas em curso, com o déficit público a ser combatido pelo lado da receita, quando o devia ser pelo lado da despesa. Resultado: além da desigualdade referida, Portugal é hoje um dos países com mais impostos sobre os contribuintes e as empresas, situação que asfixia a criação de riqueza, a captação de investimento (nacional e estrangeiro), logo, de emprego. É tão claro como a água. Mas o que é mais dramático é o consenso político quase generalizado à volta do statu quo fiscal, agravado agora com o sim "menesista", paradigmático da inexistência de diferenças de fundo entre os dois maiores partidos políticos portugueses. É certo que nem tudo se resolve com menos impostos, mas uma redução da carga fiscal é um passo fundamental na erradicação da pobreza. A Irlanda fê-lo e vejam-se os resultados. Refundação constitucional? O que Portugal precisa urgentemente é de uma refundação de ideias e práticas, políticas, económicas, sociais e culturais. Novos rostos e novas cabeças...

Monday, October 15, 2007

PERSÉPOLIS


Animação sublime, esta, de Marjane Satrapi e Vincent Paronnaud, que, em boa hora, a oitava edição da Festa do Cinema Francês trouxe a Lisboa, num São Jorge cheio de gente, mas sem ar-condicionado - a lamentar. Sublime pela "fidelidade" à BD da desenhadora iraniana, mas sobretudo pela amplitude que lhe dá, revisitando, com humor e lágrimas, as consequências trágicas da ditadura islâmica. O filme começa com uma incursão pela queda do regime do Xá, que é acompanhada com exaltação pela própria Marjane, personagem central da animação, então com oito anos e profeta salvadora do mundo. Mas da exaltação rapidamente passa à desilusão. A implementação da República Islâmica traduz-se na institucionalização dum regime totalitário, quase "demente", ao melhor estilo estaliniano, ainda que sob os desígnios de Deus. Os "comissários da revolução" tudo controlam, desde a indumentária a todo e qualquer comportamento. As liberdades mais elementares são suprimidas. As primeiras vítimas, aos milhares, são os antigos contestatários do regime do Xá, muito deles comunistas, detidos e executados sem apelo nem agravo. Seguem-se as mulheres, obrigadas a usar véu. Muitas são violadas, receio que se instala nos pais de Marjane. A guerra com o Iraque, questionada na sua inutilidade, leva o país ao abismo. A rebeldia de Marjane é incompatível com a intolerância do novo regime, levando os pais a "despachá-la" para Viena, onde vive, aos catorze anos, a sua segunda revolução, a da adolescência e da liberdade, mas também do exílio, da solidão e da diferença. Depois temos o regresso de Marjane a Teerão, e à famíla. Termina com nova ida para o estrangeiro, desta vez França. Pelo meio, várias peripécias e histórias de amor que tornam esta experiência cinematográfica inesquecível. A replicar no circuito dito comercial...

Thursday, October 11, 2007

"De Espanha, nem bom vento nem bom casamento"

O assunto passou despercebido, como seria de esperar. Não "vende", logo não interessa. Mas o assunto é sério: numa comparação com as regiões autónomas espanholas, Portugal está em penúltimo lugar na criação de riqueza per capita. Esta é uma das conclusões do estudo realizado pela SAER (v. http://www.saer.pt/) , empresa de avaliação de risco, liderada por Ernâni Lopes, ex-ministro das Finanças, e que abrange Portugal e aquelas 17 regiões. É certo que possuimos o terceiro maior PIB da península Ibérica mas continuamos a ficar mal na fotografia quando, por exemplo, olhamos para o índíce das exportações, onde ocupamos um vergonhoso 7.º lugar, com a Catalunha, região com forte tradição industrial, Valência e Madrid na linha da frente. Apesar de termos mais população somos também ultrapassados, nesta tabela, pela vizinha Galiza, o País Basco e, pasme-se, a própria Andaluzia. Ainda no que diz respeito à criação de riqueza per capita, Madrid, com uma população inferior a Portugal, gera, no entanto, um PIB superior e está em primeiro lugar neste ranking, medido em paridade de poder de compra. Nesta tabela que assinala a qualidade de vida dos cidadãos superamos apenas a Extremadura espanhola, para gáudio de "nuestros hermanos". É claro que para o governo nada disto conta, tal é a fé inabalável no Plano Tecnológico, e nos computadores e telemóveis que daqui resultam para as massas que, na maior parte dos casos, e à boa maneira portuguesa, logo os vendem, para fazerem mais uns trocos, não vá a crise apertar ainda mais. Mas o que é mais aterrador é que este estudo não exclui um cenário de um "período recessivo" em Portugal já em 2008, caso a economia norte-americana entre em recessão. Resultado: lá para 2009, até a Extremadura espanhola nos "papa", e então é que a chacota será geral. Resta-nos a esperança, ou a ilusão, do país, por qualquer milagre, ter "ritmos de crescimento bastante superiores à média europeia". Como é que disse?

Tuesday, October 9, 2007

LISBOA: REVISTA MUNICIPAL, II SÉRIE (1979-1988)


Em 1979, após “alguns anos de constrangido adormecimento”, a Revista Municipal de Lisboa reiniciava a sua publicação, com um novo título, Lisboa: revista municipal, e as “necessárias adaptações”. Como então escrevia Aquilino Ribeiro Machado, presidente da CML, os tempos eram outros, pelo que a revista, “além de continuar a acolher gostosamente os ensaios dos historiógrafos de Lisboa”, deveria “ser, igualmente, uma larga janela, através da qual os citadinos mais interessados possam olhar o que se passa no interior da sua edilidade”. Pretendia-se ainda que a “nova” revista se constituísse, por vocação, como “um espaço dominial próprio”, o de Lisboa, onde ficasse “registado tudo o que de mais significante se for produzindo para o conhecimento de Lisboa, quer remontando ao seu passado, quer apontando para o seu futuro”. E foi efectivamente o que aconteceu, até 1988, ano em que terminou a publicação. Razões de sobra para que a Hemeroteca Municipal, através da sua Hemeroteca Digital, disponibilizasse na Internet a colecção completa desta segunda série, aqui. Um manancial de dados e informações sobre a cidade de Lisboa, agora à distância de um simples clique. Com isto, a biblioteca digital de periódicos da CML dá mais um passo importante na digitalização e difusão em rede do fundo documental local da Hemeroteca. Para breve, prometem-nos a primeira série da revista, publicada entre 1939 e 1973, num projecto que inclui a digitalização e o acesso em linha a milhares de imagens e textos sobre a capital. Fique atento…

Thursday, October 4, 2007

Cooperativismo: desafio ou utopia?

Este é o tema do último número da Jornalismo & Jornalistas, o 30, de Abril/Junho de 2007. A revista propõe assim uma incursão pelo universo das cooperativas de jornalistas. Criadas por profissionais da comunicação nos anos 70 e 80, deram vida a projectos que mostraram a força de uma classe unida. Actualmente - com a maioria dos órgãos nas mãos de grandes grupos - o seu tempo parece passado. Mas há quem acredite que é precisamente agora que urge recomeçar, assumindo riscos em prol da independência pessoal e informativa. Inclui texto de Helena de Sousa Freitas, com depoimentos de Sandra Monteiro, José Carlos Vasconcelos, Alberto Antunes, Edites Esteves, Alfredo Maia, entre outros. Depois segue-se uma interessante entrevista a Bill Kovach, jornalista do New York Times, jornal que chefiou, no final dos anos 70 e na década de 80. Na "Análise" Manuel Neto traz-nos os resultados da reflexão conjunta sobre o "Porquê Estudar Jornalismo", tema proposto para as II Jornadas Internacionais de Jornalismo, realizadas pela Universidade Fernando Pessoa. A "Análise" é completada com estudos de J. M. Nobre Correia, sobre o"Ensino do jornalismo: os equívocos de uma formação", e de Luís Bonixe, que aborda o "Referendo ao aborto na rádio: o olhar da classe política". Nos "Livros" merece destaque a recensão de José Pedro Castanheira à obra Jornais Diários Portugueses do Século XX. Um Dicionário, de Mário Matos e Lemos, completada com entrevista ao autor. Na secção dedicada à "Memória" a revista brinda-nos com um trabalho de Andreia Agostinho sobre "A sociedade feminina do século XX vista através de Modas & Bordados".

Monday, October 1, 2007

Jorge Borges de Macedo: 10 Anos Depois (1996-2006), edição especial da revista "Negócios Estrangeiros"


Foi lançado no passado dia 25 de Setembro, na Casa Fernando Pessoa (Lisboa), numa sessão bastante animada, com casa cheia, a edição especial da revista Negócios Estrangeiros, número 11.3 (Agosto 2007), dedicada a Jorge Borges de Macedo: 10 Anos Depois (1996-2006). A revista inclui as actas das comunicações apresentadas no ciclo de conferências Jorge Borges de Macedo: da História como Problema, realizado durante o ano de 2006, e conta ainda com depoimentos de Luís Santos Graça, José Manuel Tengarrinha, António Borges Coelho, Eduardo Gonçalves Rodrigues e Jorge Braga de Macedo, filho do homenageado, e textos de Álvaro Costa de Matos, Armando Marques Guedes, Ana Leal Faria e Francisco Lopo de Carvalho. Desta edição merece especial atenção as comunicações referidas.

Na primeira, Luís Aguiar Santos mostra-nos o contributo de JBM para a renovação da história económica, com as suas obras A Situação Económica no Tempo de Pombal, O Bloqueio Continental e Problemas da História da Indústria Portuguesa no Século XVIII. Mas mostra-nos sobretudo a necessidade de revisitarmos, duma forma crítica, esta mesma produção historiográfica, pois não só subsistem muitas das ideias-feitas e lugares comuns que julgávamos desmontados com JBM, como, não raras vezes, somos confrontados com o aparecimento de novos trabalhos sobre estas mesmas questões e período, mas que de novo nada trazem, antes constituindo, nalguns casos, um retrocesso comparativamente com o já conhecido e publicado. Inclui comentário de Jorge Braga de Macedo.


Raul Rasga, na segunda comunicação, trata da historiografia cultural de JBM, não menos importante que a económica, ou outra qualquer. E conclui pela existência de uma historiografia atenta ao concreto, baseada no rigor científico, igualmente demolidora para com as ideias-feitas e os lugares comuns ou as visões estritamente ideológicas do passado. E que valoriza uma cultura portuguesa que reelabora o que se faz “lá fora”, por outras palavras, uma cultura que não está isolada da cultura europeia; pelo contrário, está a par do que se discute na Europa, acompanha os debates contemporâneos, utiliza argumentos da cultura europeia, reelabora esses mesmos argumentos, adequando-os à realidade nacional e, desta forma, resiste à normalização.


Paulo Miguel Rodrigues, na terceira comunicação, ocupa-se dos trabalhos de JBM na área das relações internacionais e da história diplomática que, segundo cálculos do próprio, representam entre 18 a 20% do total da sua produção historiográfica. Os trabalhos sobre o Atlântico, realidade a partir da qual Portugal se afirmou no mundo, começa por dominar, mas depois, a partir da década de 80, surge o interesse pela Europa e as relações de Portugal com a Europa. Entre os aspectos coincidentes com as outras análises, destaque para a luta contra o preconceito, a desconstrução dos mitos na historiografia portuguesa.


Carlos Cunha, na quarta comunicação, aborda o social na produção historiográfica de JBM, não sem antes falar nas influências teóricas e metodológicas e nas constantes da sua obra. Das influências, registe-se Hegel, na sua visão dialéctica da história; Marx, numa dialéctica que comporta situações alternativas; o Materialismo Histórico – influências que depois se vão esbater a favor da Escola dos Annales, nomeadamente em Marc Bloch, Lucien Febvre e Fernand Braudel. Das constantes, assumem particular relevância a rejeição de JBM pela aplicação mecânica/automática de modelos abstractos à realidade social; a valorização do concreto baseada na verificação documental rigorosa; o predomínio da história-problema na reconstituição do passado, com recurso à interdisciplinaridade; a formulação de hipóteses adequadas ao concreto. Os seus estudos de história social contribuíram decisivamente para um renovado olhar sobre a sociedade portuguesa, numa história que queria evitar a história tribunal.


Álvaro Costa de Matos, na última comunicação, faz uma análise mais global da actividade de JBM como historiador, fixando os aspectos estruturais e específicos da sua produção historiográfica bem como o seu contributo para a renovação da historiografia portuguesa a partir dos anos 50, não sem antes contextualizar o historiador e a sua obra, tratando dos dados mais significativos da vida pública de JBM e da sua bibliografia essencial. O autor revisita e analisa ainda a produção ensaísta de JBM, menos conhecida do público, mas indissociável da historiográfica, e onde assumem especial relevância quer os textos sobre a Europa e as relações de Portugal com a Europa quer os seus escritos sobre o problema da identidade nacional. JBM foi um dos historiadores portugueses que, a par da investigação histórica propriamente dita, mais reflectiu sobre a Europa e o papel de Portugal na construção europeia, pelo que a leitura destes textos se torna fundamental para perceber o seu pensamento europeu. Álvaro Costa de Matos termina com uma reflexão final sobre o significado histórico e cultural do legado de JBM.


Em suma, estamos perante uma colecção de estudos que, doravante, se torna imprescindível para quem se debruçar sobre a vida e a obra de um dos maiores historiadores portugueses do século XX, que foi o Professor Jorge Borges de Macedo.

Saturday, September 29, 2007

Empresas (?!) Municipais

A maioria das empresas municipais (EM) deste país está falida. Esta é a conclusão de uma tese de doutoramento apresentada na Universidade de Sevilha por Casimiro Ramos, dirigente e antigo deputado do PS. Conhecida a situação das EM em Lisboa consta-se agora que o vírus alastrou a todo o território nacional. O estudo analisa a actividade de 63% das EM em Portugal em 2004, e brinda-nos com os seguintes dados:
- 40% destas sociedades camarárias registaram prejuízos em 2004;
- perto de um sexto somaram prejuízos consecutivos entre 2002 e 2004;
- resulta daqui que “os níveis de rentabilidade do capital próprio e das vendas são significativamente reduzidos”;
- logo, muitas delas estão em “clara falência técnica”.
Como se não bastasse o estudo revela ainda, sem grande novidade, que as EM são normalmente “instrumentalizadas pelos executivos camarários e pelos partidos políticos para o alcance de fins relacionados com programas eleitorais e planos de actividades das câmaras”. Além de serem geridas sobretudo por autarcas ou pessoas indicadas pelos partidos: 62% dos presidentes do concelho de administração são autarcas e, desses, mais de metade são presidentes de câmara (31% do PSD; 26% do PS; 3% da CDU e 39% dos restantes). Ramos acrescenta ainda que “os níveis de eficácia e de eficiência destas empresas está aquém do expectável e desejável em entidades que devem prestar um serviço público aos munícipes”. Para alterar este estado de coisas, nada animador, defende mudanças profundas nos modelos de gestão e nos processos organizacionais, como uma clarificação legal que evite a “promiscuidade” da actuação destas empresas com as actividades próprias das autarquias, a produção de indicadores de gestão que permitam avaliar a importância social das EM, a sua real necessidade, ou a aplicação de medidas que eliminem a subvenção directa das empresas por parte das câmaras “sob a forma de contratos de exploração ou subsídios, de modo a evitar que as EM sejam um sorvedouro de dinheiros públicos sem um mínimo de controlo e de transparência”, como, na prática, acontece. A reacção a estas conclusões não se fez esperar, desta vez pela voz do secretário-geral da Associação Nacional de Municípios Portugueses, Artur Trindade. E o que disse a criatura? Que Ramos é um “ignorante qualificado”, por “associar o que não pode ser associado”. Perante a evidência, o ataque pessoal. Mas o inenarrável Trindade não ficou por aqui, ao afirmar, pasme-se, que estas empresas não foram criadas para dar lucro!!! O contribuinte, o que paga as EM do Sr. Trindade, agradece tamanha preocupação e fica mais aliviado. Trindade elucida-nos ainda que as EM podem ser empresas “da máxima eficiência e dar prejuízo”, ressalvando que “uma coisa é a má gestão e outra os lucros”!!! Pois claro, como se aquela não tivesse nada a ver com estes. A gestão empresarial que se cuide, perante tão arrojados contributos teóricos. Sobre a instrumentalização das EM pelas autarquias e partidos políticos Trindade repudia tal conclusão e sossega-nos, pois “uma coisa é nomear boys”, outra, bem diferente, “é nomear pessoas”, todas elas, depreende-se, com provas dadas na gestão daquilo que não é delas. O que é grave é que tudo isto é dito perante a indiferença geral, como se fosse a coisa mais natural do mundo, e não traduzisse antes a subversão do próprio municipalismo. As mudanças acima preconizadas não vão alterar nada. A administração local para ser mais eficaz e proveitosa não precisa de criar EM a torto e a direito, com o dinheiro dos contribuintes, para fazer coisas que já eram feitas pelos serviços municipais. A administração local para ser mais eficaz e proveitosa tem é que emagrecer, combater o desperdício e o laxismo, dotar-se de quadros qualificados, prestar serviços públicos eficientes, avaliados, direccionados para as reais necessidades dos munícipes. Propomos assim ao Governo novo plano, entre tantos que já lançou, o Plano de Extinção Imediata de Todas as Empresas Municipais que mais não fazem do que envergonhar o nosso municipalismo e, por arrasto, o país.

Thursday, September 27, 2007

Recortes de Imprensa: "Um Nunes em cada esquina", de Alberto Gonçalves

"O ministro da Economia visitou as instalações da ASAE, para alegria do dr. António Nunes, presidente da estimada associação. Entre louvoures e vénias, o dr. Nunes aproveitou para confessar ao ministro um única carência: nem todos os seus agentes possuem computador portátil (para que serve o Governo, afinal?). Fora a lacuna informática, tudo bem com a ASAE, obrigado. Radiante, o dr. Nunes declarou que, neste ano e tanto de existência, a entidade ultrapassou os seus objectivos. Um observador distraído imaginará que também ultrapassou as competências. Desgraçadamente, nem por isso. É um facto que a ASAE, mais do que computadores portáteis, carece de arbítrio moral, a capacidade de distinguir o admissível do atroz. Se é dificil contestar o encerramento de um restaurante a dar para o imundo, é dificílimo entender que as favas, a cabidela, os enchidos caseiros e a fruta sem marca registada sejam incluídas no conceito tradicional de imundíce, excepto para as transtornadas criaturas que, em Bruxelas ou Lisboa, viabilizaram semelhantes leis e para a ASAE, que as aplica com notável zelo. Passe o exagero da comparação, os senhores da ASAE evocam os mais disciplinados funcionários dos totalitarismos: quando interrogados, respondem de imediato que se limitam a cumprir ordens. É triste que o façam, ainda por cima com indisfarçável gozo. Mas bastante mais triste é a época que paga para que eles gozem. Abominar a ASAE por si só implica ignorar aquilo que, para lá da legislação, realmente fundamenta e legitima os seus excessos. No vocação para a vigilância, na supressão do bom senso em favor da rigidez da norma, no prazer de contrariar o prazer alheio, a ASAE explica muito do que somos. O dr. Nunes pode ser encontrado em qualquer esquina, metafórica e, a julgar pela quantidade de "acções" que promove, literalmente." (DN, 23/09/2007)

Saturday, September 22, 2007

Penalmente, contra a liberdade de expressão...


Dos aflitos com a saída dos criminosos e afins, nada a dizer, como se não fosse mais preocupante a situação de homens e mulheres detidos meses e meses sem acusação formada. E aqui o novo Código de Processo Penal procura resolver o problema. Mas o governo não perdeu a oportunidade para, no meio da ofensiva socialista contra a comunicação social, dar mais umas quantas machadadas na liberdade de expressão em Portugal. A partir de agora, passa a não ser permitido, “sob pena de desobediência simples, a publicação, por qualquer meio, de conversações ou comunicações interceptadas no âmbito de um processo, salvo se não estiverem sujeitas a segredo de justiça e os intervenientes expressamente consentirem na publicação”. Ora, tal disposição o que pretende é impedir a divulgação de gravações obtidas em processos-crime, mesmo quando houver interesse público na sua divulgação. Esta disposição é tanto mais estranha quando já dispomos de uma lei penal que prevê e pune todos os atentados à privacidade e ao bom-nome através de diversos crimes, tais como o de "devassa da vida privada", o de "gravações e fotografias ilícitas" e a "difamação" ou a "injúria". Daqui resultará inevitavelmente uma limitação à liberdade de questionar as decisões dos órgãos de soberania, neste caso, dos tribunais, pois a opinião pública deixa de ser informada dos fundamentos de uma condenação em tribunal. O que temos aqui é sem dúvida um atentado à liberdade de expressão e ao direito de todos conhecerem os fundamentos de uma decisão judicial. Aliás, nada que nos surpreenda, conhecidas que são as frequentes intromissões da ERC na comunicação social, ou o novo Estatuto do Jornalista, a que voltaremos. O poder político actual ignora por completo o papel da imprensa numa democracia liberal e que passa por ser, não um contrapoder ou um quarto poder, como muitos defendem, mas um contra-peso aos governos e, ao mesmo tempo, um dos espaços onde o povo tem voz. Ora, isto só se consegue com o máximo de liberdade de expressão, responsabilidade e um mercado livre sujeito ao escrutínio público. Como nos lembrou LAS, a única "regulação" aceitável é a da opinião pública (mercado) e a dos tribunais, quando for caso disso. Repetimos o que John Stuart Mill escrevia em 1858: "falando de um modo geral, não é compreensível que, em países constitucionais, o governo, quer seja, ou não, totalmente responsável perante o povo, tente muitas vezes controlar a expressão de opinião, pois, ao fazê-lo, ele torna-se o órgão de intolerância geral do público".

Monday, September 17, 2007

Ordem e Caos no Século XX, de Robert Cooper


Este é o terceiro livro da colecção "Sociedade Global" lançada pela Editorial Presença, com data de 2006 (1.ª edição). Robert Cooper é um dos diplomatas europeus mais prestigiados e possuidor de uma sólida formação académica. Foi consultor especial de Tony Blair e desempenha actualmente o cargo de Director-Geral do Conselho da União Europeia para a PESC, cooperando estreitamente com Javier Solana. O livro tornou-se rapidamente numa das obras fundamentais para melhor compreender o mundo de hoje. O autor possui o raro talento de conseguir focar com grande clareza o que é essencial, e hierarquizá-lo, numa síntese plena de conteúdo, sem perder de vista o contexto. Com a ruptura que o 11 de Setembro constituiu, e o debate que esta tragédia relançou em termos de geopolítica internacional, Cooper considera três tipos de estados, perpectivando-os dentro do seu percurso histórico e na dinâmica que criam: os que se encontram ainda numa fase «pré-moderna», internamente instáveis e potencialmente perigosos para a comunidade; os estados «modernos», que protegem ferozmente a sua soberania; e os estados «pós-modernos», que operam na base da segurança mútua, da democracia e da defesa das liberdades individuais. Nos primeiros, o Estado deixou de preencher o critério weberiano de deter o monopólio legítimo sobre o uso da força. São disso exemplo, a Somália, o Afeganistão e a Libéria. Nos segundos, os estados detêm o monopólio da força e podem estar preparados para a usar contra qualquer outro. A ordem é indissociável da existência de um equilíbrio de forças ou da presença de estados hegemónicos que vêem interesse em manter o statu quo. O que importa, na realidade, é o poder e a «razão de Estado». Era o caso do Irão e do Iraque antes da guerra entre estes dois estados ou, actualmente, da Indía e do Paquistão, onde são evidentes os problemas característicos dos sistemas de equilíbrio de poderes. Nos terceiros, o sistema de estados do mundo moderno está, também, a desmoronar-se, a colapsar; mas, ao contrário do que acontece com o mundo pré-moderno, ele está a colapsar no sentido de uma maior ordem em vez de resvalar no sentido da desordem. O exemplo mais interessante é sem dúvida o da União Europeia. Cooper analisa depois com grande profundidade o caso de um pais como os Estados Unidos, as suas relações com a Europa e o seu papel hegemónico no mundo. Sobre esta Pax Americana, Cooper retira ilações que o levam a questionar provocadoramente a União Europeia e os seus valores pacifistas. Temas como a Guerra Fria, o período que se lhe seguiu, o terrorismo e a proliferação das armas de destruição maciça ou o contributo da diplomacia, entre muitos outros, são aqui abordados com grande perspicácia e actualidade. Uma obra estimulante, polémica, que não fornece necessariamente respostas, mas faz um levantamento exaustivo das questões mais importantes para uma possível nova ordem mundial no século XXI.

Tuesday, September 4, 2007

Pessoa, et al, à distância de um clique


Maio de 1922. O meio cultural lisboeta é surpreendido com uma nova revista de arte e literatura, a Contemporânea. A surpresa, ou mesmo escândalo, era provocada pelo arrojado modernismo gráfico e literário ensaiado por Almada Negreiros, Jorge Barradas, Eduardo Viana, Fernando Pessoa e José Pacheco. Agitar e convergir todos os que se interessavam pela arte em Portugal era o seu propósito, a par do interesse pelos movimentos vanguardistas da Europa. O que se traduzia numa "revista para gente civilizada, uma revista expressamente para civilizar gente". Fundamental para conhecer a renovação cultural que Lisboa vai conhecer na década de 20 do século XX, a Contemporânea está, a partir de agora, disponível na Internet, em novo brinde da Hemeroteca Digital, aqui. Entre as novidades desta edição em linha destaque para a criação de sumários electrónicos, com acesso directo aos textos ou ilustrações dos autores, uma secção própria para os índices da revista, a disponibilização do programa e número espécimen da revista, de 1915, a divisão dos PDF de cada número, aumentando assim as facilidades de impressão ou de importação das imagens, e, por último, uma introdução histórica à Contemporânea. Tudo boas notícias. Delicie-se com as provocações dos modernistas portugueses. Velhos tempos!!!

Tuesday, August 14, 2007

Obituário: Raul Hilberg (1926-2007)


Morreu Raul Hilberg, um dos historiadores maiores do Holocausto. Hilberg ficou conhecido pelo livro The Destruction of the European Jews, publicado em 1955 depois duma imensa investigação - será reescrito duas vezes, em 1985 e 2003, devido à abertura dos arquivos soviéticos. O livro marca um corte com os estudos até aí realizados, ao ponto de alguns falarem antes de uma "revolução historiográfica". Hilberg narra o Holocausto como um processo, reconstituindo minuciosamente as suas etapas, a máquina burocrática e as operações de extermínio realizadas pelos alemães durante a segunda guerra mundial. As palavras são dele: "Decidi interessar-me pelos executores alemães. A destruição dos judeus era uma realidade alemã. Foi posta em marcha nos gabinetes alemães, numa cultura alemã". O resultado foi a consulta de uma massa incalculável de documentos apreendidos pelos americanos, entre os quais se encontravam 6 caixotes provenientes da biblioteca pessoal de Hitler. Percebe, então, que o extermínio dos judeus atravessava toda a administração e sociedade alemãs. Como acontecimento histórico não tinha precedentes. A destruição sistemática é interpretada não tanto como o resultado do anti-semitismo existente, duma explosão de ódio, mas sobretudo duma "determinação fria, um processo burocrático gerido com método e inventividade". Não há um plano pré-determinado de aniquilação. Trata-se antes duma ofensiva que evolui, de salto em salto, até à "solução final". Hilberg publicou ainda outras obras importantes, como Perpretators Victims Bystanders (1992), em que as vítimas ocupam o lugar central, e The Politics of Memory (1996), uma autobiografia intelectual. Um autor fundamental para compreender o problema do genocídio, até porque a História repete-se.

Monday, August 13, 2007

Nos 150 anos do Arquivo Pitoresco (1857-2007)


No âmbito dos 150 anos da fundação do Arquivo Pitoresco (AP), em 1857, a Hemeroteca Municipal de Lisboa vai assinalar a data com um conjunto de iniciativas (ver programa, em baixo) que nos permitem revisitar a história desta publicação. Para quem não sabe, o AP foi um semanário ilustrado de qualidade gráfica notável, que se publicou em Lisboa entre 1857 e 1868, com boa aceitação em Portugal e no Brasil. Inseriu centenas de gravuras e textos de escritores nacionais populares na sua época. Teve como redactores António Feliciano de Castilho, António Silva Túlio, José de Torres, Vilhena Barbosa, Brito Aranha, entre outros. Tinha como objectivo “(…) fomentar a nossa gravura em madeira, dar relevo à palavra e abrir campo em que as visitas curiosas espaireçam pelas criações de arte, da natureza ou da fantasia”. O AP era concebido como um “jornal português para portugueses (…) útil ou agradável a ambos os hemisférios em que se fala a língua que Camões imortalizou”. Ao contrário de periódicos anteriores, que tenderam a subalternizar a escrita, o semanário destacará frequentemente o papel do livro que na época regressava em força com as edições populares de grandes escritores e com a crescente alfabetização. De cariz literário mas atento às inovações com incidência na vida quotidiana, contou com a colaboração da elite intelectual da época, com destaque para Latino Coelho, Rebelo da Silva, Pinheiro Chagas, Tomás Ribeiro, Júlio de Castilho, Osório de Vasconcelos e Tito de Carvalho. Dos desenhadores há a realçar a colaboração de Nogueira da Silva, Tomás José da Anunciação, Cristino da Silva, Manuel Bordalo (pai de Rafael Bordalo Pinheiro), entre outros.

PROGRAMA:

MOSTRAS DOCUMENTAIS

"Arquivo Pitoresco (1857-1868) - História & Memória". Mostra Documental
Local: Hemeroteca Municipal de Lisboa _ Átrio e Escadaria Data: Inauguração a 13 de Agosto. Em exibição até 14 de Setembro.

CONFERÊNCIAS

"Arquivo Pitoresco, 150 ANOS DEPOIS (1858-2007)". Ciclo de Conferências:

1.ª Conferência: O "Arquivo Pitoresco" (1857-1868). Subsídios para sua história, por Eurico Dias (MNE/ID)
Local: Hemeroteca Municipal de Lisboa _ Sala do Espelho _ 13 Setembro _ 18H

2.ª Conferência: O "Arquivo Pitoresco" e a história da gravura em madeira, por Graça Afonso (CML/DBA)
Local: Hemeroteca Municipal de Lisboa _ Sala do Espelho _ 20 Setembro _ 18H

DIGITAL

"Arquivo Pitoresco, 150 ANOS DEPOIS (1858-2007)". Conteúdos Digitais: Na Hemeroteca Digital, em http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/, na secção dedicada às efemérides, será colocado em linha o número 1 do Arquivo Pitoresco, resumos de sítios com informação deste jornal na Internet, e ainda um verbete histórico para saber mais sobre a vida e a evolução histórica deste jornal.

Para quebrar as rotinas do Verão...

Friday, July 6, 2007

O "Monstro"...


A CML transformou-se, de facto, num “monstro”. Praticamente ingovernável. Quando se esperava uma discussão séria deste problema, e soluções para o resolver, os candidatos à CML optam antes por promessas vãs, um sem número de lugares-comuns, que deixam os lisboetas à beira de um ataque de nervos! Não há um rasgo, um projecto, uma reforma que rompa com este estado de coisas. A situação nunca foi tão dramática, mas a oportunidade política para a mudar também nunca foi tão “oportuna”. E o que temos: nada, nada de verdadeiramente essencial. Os temas que deviam ser debatidos são ignorados, como se houvesse um entendimento geral para os arrumar no limbo. Todos nós sabemos que a CML está falida, sem estratégia, sem rumo, que há excesso de funcionários, ainda por cima desmotivados e sem orientações, que os seus níveis de escolaridade são baixos, que a descentralização de competências e funções é nula, que a responsabilidade decisória é inexistente, que a orgânica existente é irracional (três centenas de departamentos e divisões!!!), minados de pequenos poderes arbitrários, com chefias negociadas entre os partidos, com serviços a fazer as mesmas coisas que, nalguns casos, deviam ser feitas por particulares ou entregues à sociedade civil, que as empresas municipais são tudo menos municipais, que o assessorismo político é uma evidência, que o mérito não conta, que há muito despesismo, que a cidade perde todos os anos habitantes, que está degradada como nunca esteve, enfim todos nós sabemos isto e muitas mais coisas (a lista poderia não ter fim), mas o que todos nós também sabemos é que há um desfasamento enorme, gritante, entre as necessidades das pessoas e as estruturas de governação. Como tal, as coisas têm que mudar. Só não vê quem é cego! E para as coisas mudarem importa, em primeiro lugar, perceber que Lisboa não é apenas mais um município. Além de capital do país, Lisboa é o centro da sua maior metrópole. Não é assim tão difícil, certo? Enquanto não se perceber isto não se vai a lado nenhum. E Lisboa atrasar-se-á, irreversivelmente, até ao “desaparecimento” completo. O problema tem, pois, que se colocar a três níveis de acção: um mais geral, outro intermédio, e um último, local. Como capital do país Lisboa tem que ter, deve lutar por ter, uma relação privilegiada com o governo. Não pode ser ignorada nos grandes investimentos do Estado na cidade, seja na construção de um aeroporto, dum porto internacional ou do TGV. Na relação com os privados, tem que ser mais um motor na criação de riqueza, criando condições para o aparecimento de novas empresas, captando investimento e saber estrangeiro, contribuindo decisivamente para o desenvolvimento sustentável da "urbe", respeitando e preservando o seu património histórico e ecológico. Estas são questões demasiadamente importantes para não serem avaliadas pela administração da cidade. Delas depende, em grande medida, a projecção e competitividade internacional de Lisboa. Como metrópole, Lisboa deverá liderar e estabelecer com os concelhos limítrofes linhas de trabalhos estratégicas, transversais à área metropolitana, na área dos transportes, dos terrenos da cidade, dos grandes empreendimentos urbanos, na relação, tão desperdiçada, com o rio, reclamando do poder central, como contrapartida, responsabilidades e meios que, de forma anacrónica, este ainda concentra. Como sede de concelho, Lisboa exige uma nova organização do seu território municipal, racional, equilibrada, que rompa definitivamente com os interesses partidários instalados. As 53 freguesias existentes, muito diferentes em tamanho e recursos, sem poderes para fazer coisa alguma, fruto duma organização completamente obsoleta, devem dar lugar a distritos urbanos, ou bairros administrativos, como noutras cidades europeias. Esta mudança seria acompanhada duma inevitável transferência de poderes, hoje concentrados nos Paços do Concelho, para as novas mini-câmaras, mais pequenas e mais próximas dos cidadãos. Estas mini-câmaras, com funcionários provenientes dos serviços municipais e orçamento próprio, seriam um instrumento fundamental na administração da cidade, respondendo mais facilmente aos novos problemas e dinâmicas da vida urbana. Estes são, portanto, os três planos em que importa estudar a cidade, que é, ao mesmo tempo, capital, centro de uma grande metrópole, e sede de um concelho com centenas de anos de história. Uma vez resolvidos, tudo o resto será muito mais fácil. Como alguém disse, “Lisboa é uma cidade magnífica apesar de tantos anos de desgoverno”. É verdade, por isso vale a pena continuar a lutar por ela.

Saturday, June 30, 2007

Da primeira globalização, a portuguesa...


Nem só de más notícias vive a paróquia lusitana. Num esforço sem precedentes, com a colaboração da norte-americana Smithsonian Institution (SI), do Ministério da Cultura, da Presidência de Conselho de Ministros, dos Negócios Estrangeiros e da Economia, com o apoio de vários patrocinadores, desde fundações a bancos e grupos económicos, inaugurou, no passado dia 20 de Junho, em Washington, a exposição Encompassing the Globe: Portugal and the World in the 16th and 17th Century, a maior e mais ambiciosa exposição jamais organizada nas Galerias Freer e Sackler, e ainda no Museu Nacional de Arte Africana da SI. Esta exposição é também a mais significativa manifestação da presença cultural de Portugal nos Estados Unidos na última década. A visita à exposição é mais que obrigatória, ainda que não ao alcance de todos, infelizmente (porque não trazê-la para Portugal?). Durante o Verão a zona das galerias e do museu é visitada por mais de um milhão de turistas, pelo que muitos destes seguramente passarão pela exposição. A publicidade na cidade também ajudará, com fotografias da Torre de Belém no metro de Washington, filmes portugueses no cinema, discos nas lojas de música, provas de vinhos portugueses, numa ausência maratona promocional de Portugal e de sedução dos americanos pelas coisas lusitanas. Numa altura em que o tema da globalização e do diálogo de culturas e civilizações está na ordem do dia, esta exposição ganha uma importância acrescida, ao divulgar aquele que foi talvez o maior contributo de Portugal para a História Mundial: os Descobrimentos, e com eles o primeiro exercício de globalização à escala mundial. A mostra servirá também para esclarecer os equívocos americanos relativamente ao papel dos portugueses na criação do chamado Novo Mundo, por comparação com os espanhóis. Nos currículos escolares fala-se um bocado das viagens portuguesas ao longo da costa africana mas apenas porque isso conduziu à chegada de Vasco da Gama à Índia. Depois disso, nada, um imenso deserto. Portugal pura e simplesmente desaparece. Ora, como sabemos, os marinheiros portugueses aventuraram-se pelas águas internacionais para estabelecer uma rede comercial global que se estendia da Europa para o Brasil, África, o Golfo Pérsico, Índia, Sri Lanka, Indonésia, China e Japão. Este império marítimo ligou as civilizações de todos os continentes conhecidos até então, transformou o comércio e iniciou uma troca cultural sem precedentes. É precisamente sobre isto que a exposição se debruça, sobre o império comercial e marítimo estabelecido por Portugal a partir do século XVI, com particular destaque para os novos tipos de objectos artísticos que foram produzidos pela fenomenal rede de entrepostos comerciais que os portugueses criaram nesta altura. Como disse Jay Levenson aos jornais, um dos comissários, juntamente com Julian Raby, "em África, como na Índia ou no Japão e na China, os portugueses encomendaram obras de arte para o mercado europeu. Portugal estava na vanguarda da criação da arte mundial". Velhos tempos, que importa não esquecer. Estas obras de arte estão agora expostas, divididas por vários núcleos, com peças provenientes de mais de 100 museus e colecções privadas de dezenas de países. Entre as peças mais emblemáticas salientam-se raros mapa-múndi do século XVI de cartógrafos portugueses e florentinos, objectos de caça e utensílios de cozinha esculpidos em osso e madeira provenientes da África Ocidental e Central, imagens religiosas e estátuas em terracota do Brasil, instrumentos científicos fabricados por missionários jesuítas para a corte imperial chinesa ou uma série de objectos que outrora estiveram expostos nos chamados "gabinetes de curiosidade", ou “câmaras de maravilhas”, como também eram conhecidos, coleccionados por algumas das mais importantes casas reais ou ducais europeias como os Médicis, os Habsburgos ou a nossa D. Catarina de Bragança, mulher de D. João III. Das peças portuguesas encontramos o Ecce Homo, de finais do século XVI, ou o retrato de Afonso de Albuquerque, vice-rei da Índia, ambas do Museu Nacional de Arte Antiga de Lisboa. Enfim, um excelente retrato da primeira globalização, a "portuguesa", junto do actor máximo da actual globalização, a "americana".

Wednesday, June 27, 2007

Quem tem medo do referendo ao "novo" tratado europeu?


Pelos vistos todos, ou quase todos. Praticamente ninguém quer um referendo ao "novo" tratado da União Europeia. Já se percebeu que Cavaco não o quer. Sócrates também não, fazendo assim o contrário daquilo que consta no programa do governo. Mas a desfaçatez não fica por aqui. Parte da oposição está dividida, com um PS a várias vozes e um PSD partido entre barrosistas, mais papistas que o próprio papa, e a posição de Marques Mendes. Os argumentos contra o referendo são delirantes, como se fossemos todos estúpidos e não percebêssemos o que esta gente quer. Uns alegam que o tratado é "simplificado", logo, não vale a pena. Como não há profundas alterações "não há razões para haver referendo" (José Matos Correia). Mas ignora o ilustre deputado do PSD e antigo chefe de gabinete de Durão Barroso que este tratado "simplificado" não simplificou coisa nenhuma? Que o essencial da Constituição rejeitada há dois anos pela França e pela Holanda permanece? Que o emaranhado de disposições que hoje governam a Europa continuará? Que aquilo que importava resolver foi adiado para as calendas gregas? Como deputado não devia ignorar ou então toma-nos por parvos. Outros, do alto da sua sabedoria, invocam regras do direito internacional do século XVI para justificar o injustificável, neste caso a cambalhota do governo, como se o direito internacional fosse uma coisa estática e não evoluísse de acordo com as necessidades e mutações das sociedades. E acrescentam: "Temos que ser pragmáticos e ajudar o governo a concluir a tarefa para a qual foi investido pelo Conselho Europeu. Isto não é matéria partidária" (Martins da Crus, ex-MNE), como se os partidos não pudessem/devessem discutir estas coisas. A hipocrisia não fica por aqui, nem a vergonha, quando se afirma que "o referendo só é legítimo para as questões menores" (Sérgio Sousa Pinto, eurodeputado do PS). Questões menores? Mas vamos referendar o quê? O tamanho dos carapaus? Os implantes mamários? A inteligência de Sousa Pinto? Está tudo dito, e percebido. Esta gente, com a conivência de Cavaco e Sócrates, não quer discutir a Europa. Esta gente só quer uma Europa, a "sua" Europa, feita de um "pensamento único". Uma Europa fruto duma engenharia política sem pés nem cabeça, desligada da realidade, enredada numa burocracia kafkiana, sem legitimidade democrática. Contribuindo assim para um divórcio que poderá revelar-se fatal à Europa prudente dos pais fundadores. Como ultrapassar o crescente alheamento e até hostilidade das opiniões públicas face à UE? Como resolver a "ilegitimidade" democrática das suas instituições? Como resolver a opacidade do processo comunitário de decisão, que afasta as pessoas e afecta a imagem da UE? Como diminuir a abstenção nas eleições para o Parlamento Europeu? Como superar o patriotismo económico de Sarkozy? A resposta não está no chico-espertismo da generalidade das criaturas que nos governam ou emitem opinião, que preferem fazer as coisas pela calada, fugindo a sete pés do referendo. Como se a solução não estivesse aqui, na consulta popular, aproximando os cidadãos das instituições europeias, na discussão sem receio da Europa, no confronto das diferentes estratégias de pensamento político, na desmontagem da propaganda oficial. A vontade política dos povos e das nações merece mais respeito e outros políticos.

Thursday, June 14, 2007

É a Cultura (Municipal), Estúpido!


O último debate no S. Luis, intitulado "Quem vai mandar na cultura em Lisboa?", contou com a presença de Helena Freitas, independente pelo PS, David Ferreira, do Bloco de Esquerda, Manuela Júdice, da candidatura de Helena Roseta, Filipe Diniz, que não é candidato mas que representou a lista da CDU, Teresa Leal Coelho, pelo PSD, e Teresa Caeiro, do CDS, com moderação de Anabela Mota Ribeiro e Nuno Artur Silva. A lista de Carmona também foi convidada mas optou por não responder a tempo ao convite. Supostamente, uma destas criaturas será o (a) próximo(a) vereador(a) da cultura da edilidade lisboeta. Para mal dos nossos pecados, pelo que ouvimos. O debate tinha por objectivo conhecer as ideias dos candidatos para uma área que é cada vez mais importante na administração das cidades, a cultura. Mas o debate foi de uma pobreza confrangedora. Esperava-se, pelo menos, algum trabalho de casa e um conjunto articulado de ideias para a cultura municipal. Nem uma coisa nem outra. Os convidados lançaram para o ar projectos atrás de projectos, intenções sobre intenções, acompanhadas das banalidades do costume. Revelando, desta forma, um desconhecimento atroz da realidade cultural da CML, e mesmo financeira, o que explica, aliás, muitos dos disparates que ali foram ditos. Então não é que David Ferreira, por exemplo, advogava a reabertura do Museu Rafael Bordalo Pinheiro!!! Pois é, tal e qual!!! O dito museu foi reaberto em 2005, aquando do centenário da morte do caricaturista, mas sempre podemos reabri-lo outra vez, para gáudio do candidato do Bloco para a Cultura. Manuela Júdice, por seu lado, lamentava a ausência de actividade no Cinema S. Jorge!!! Pois é, tal e qual!!! Faça-se justiça: das poucas coisas de relevo realizadas pelo actual executivo na área da cultura a quase reabilitação do S. Jorge foi uma delas, dotando este equipamento de uma programação de qualidade na área do cinema, o que é de todo desconhecido para a candidata de Helena Roseta. Outros lamentavam-se da falta de roteiros culturais, da percepção da actividade cultural do município, do excesso de automóveis, da falta de passeios, demonstrando uma ignorância de bradar aos céus pelo que é a cultura municipal, pelo que foi feito, pelo que não foi feito, pela orgânica da dita, enfim, deixando a plateia literalmente siderada pelo que brotava daquelas cabeças. Sabemos que a coisa ainda agora começou mas tamanho desconhecimento dos dossiês não augura nada de bom. Então quando o debate tentou subir de nível a impreparação revelou-se em todo o seu esplendor. Nenhum dos candidatos ainda percebeu que, ao lado dum diagnóstico rigoroso da situação cultural da CML, que naturalmente pressupõe o conhecimento da sua orgânica, dos seus equipamentos e actividade, das suas necessidades prementes, e já agora das muitas dívidas aos fornecedoras, impõe-se a definição de uma política cultural para a cidade. E que política deve ser esta? Uma política mais intervencionista, com projectos e/ou programas próprios, protagonizados pela CML? Deve esta, numa linha mais liberal, tratar apenas das suas "pedras", isto é, do seu património e serviços? Ou, pelo contrário, optar por uma política meramente facilitadora de apoios e subsídios, atribuídos com critério, e sujeitos a uma rigorosa avaliação dos resultados? Uma combinação das três? Sobre isto pouco ou nada de substantivo disseram, como se estas não fossem as questões centrais que importa esclarecer antes de definir qualquer projecto ou programa político para a cultura municipal. Só depois disto se poderá pensar num programa, com uma adequada oferta cultural à cidade, às pessoas que vivem nela, ajustado à melhor orgânica para o executar, com o dinheiro disponível, que, como sabemos, não abunda. A sensação que ficou foi a de novo paraquedismo político, desta vez na cultura. A ver vamos...