Saturday, July 11, 2009

Jornais e crise económica...


A crise económica agravou ainda mais uma tendência que vinha de trás, a queda generalizada na venda de jornais. A única excepção foram os jornais económicos, que cresceram a contraciclo, e algumas revistas semanais. Estas são algumas das conclusões que se podem retirar dos dados divulgados pela Associação Portuguesa de Tiragens e Circulação (APCT) relativos ao primeiro quadrimestre deste ano. A circulação diária paga (vendas em banca e assinaturas) teve os seguintes resultados, comparados com o período homólogo de 2008:

DN (2008) = 45063
DN (2009) = 40375

JN (2008) = 99313
JN (2009) = 99044

Correio da Manhã (2008) = 117722
Correio da Manhã (2009) = 114525

Público (2008) = 41588
Público (2009) = 38773

24 Horas (2008) = 35831
24 Horas (200) = 32914

Os cincos principais diários generalistas nacionais venderam, portanto, menos 13.886 exemplares por dia de Janeiro a Abril em comparação com o mesmo período de 2008. O menos afectado pela quebra generalizada foi o JN, diminuindo apenas 0,27% (menos 269 exemplares diários) a sua circulação paga, em comparação com o ano passado. O mais afectado foi o DN, que vendeu, por dia, menos 4688 jornais, isto é, menos 10,4%. Deste grupo, a liderança nas vendas pagas continua a pertencer ao Correio da Manhã, que mesmo assim vendeu menos 3197 exemplares, uma descida de 2,72%. Em último lugar, temos o 24 Horas, que registou uma variação negativa homóloga de 8,14%, com menos 2917 jornais vendidos, em média, diariamente.

Os semanários, as revistas de informação geral, os desportivos e os gratuitos não fugiram à regra (a única excepção foi a revista Sábado, como iremos ver). O Sol caiu 18,4%, passando de uma circulação média paga semanal de 48966 exemplares para 39960. O Expresso, apesar da quebra de 13,3% face ao mesmo período de 2008, mantém o primeiro lugar, destacado, com vendas médias de 112168 jornais por semana. No segmento das revistas, o destaque vai para a Sábado, que conheceu uma subida de 13,6%, passando de uma média semanal de 70005 exemplares em 2008 para 79551 vendidos em média, entre Janeiro e Abril de 2009. A Visão continua a liderar este segmento de publicações, com uma média de 103000 revistas vendidas por semana, alavancadas sobretudo nas assinaturas. Mas acusou uma descida de 5,7% em comparação com 2008. A Focus continua a sua descida, passando de uma média de 11008 revistas vendidas nos primeiros quatro meses de 2008 para apenas 9406 entre Janeiro e Abril deste ano. Fim à vista? Os 2 desportivos auditados pela APCT não ficaram imunes à diminuição de vendas: o Record, com vendas de 60018 exemplares diários, teve uma quebra de 2,3%, e O Jogo acusou uma queda de 15%. Quantos aos gratuitos, apesar de não terem circulação paga, são curiosamente o segmento de publicações impressas que mais acusa a crise no sector da imprensa escrita. A maior quebra foi a do Metro Portugal (33,43%), passando assim a liderar esta área, com 115565 jornais distribuídos contra os 113395 do Global Notícias.

Contrariando esta tendência geral de queda na circulação paga temos a maior parte dos jornais económicos. Com efeito, ao lado da Sábado, foram os únicos a registar crescimento de vendas neste 1.º quadrimestre de 2009. A maior subida homóloga vai para o Diário Económico, de 20,8%. O Jornal de Negócios também viu as suas vendas aumentarem 14,9%. O Semanário Económico teve um reforço de vendas de 10,8%. A Vida Económica foi o único título deste segmento a registar uma quebra, de 6%.

Algumas conlusões:
> A subida das vendas dos jornais económicos poderá explicar-se pelo aumento do interesse dos leitores pelos assuntos ligados à economia e à procura de uma explicação para a crise;
> A tendência geral, apesar de algumas excepções, continua a ser de uma diminuição progressiva das publicações impressas, nalguns casos pondo mesmo em risco a sua sobrevivência. Significará isto a fim dos jornais impressos? Voltaremos a este assunto, com outro detalhe e análise;
> A queda dos gratuitos, passada a novidade, não surpreende, com a degradação progressiva da qualidade das notícias, da opinião publicada, esmagadas não raras vezes pela publicidade;
> A subida da Sábado está a fazer-se, em parte, à custa da Focus, mas também de um projecto editorial que tem sabido fidelizar e surpreender os seus leitores e captar novos públicos, provando ainda que dificilmente o mercado das revistas de informação geral suporta 3 revistas semanais;
> Com o aparecimento de um novo diário generalista (que não consta, por enquanto, deste relatório da APCT), o i, lançado no início de Maio, com uma tiragem média de 36207 exemplares, será interessante ver como coabitará com a concorrência e que implicações terá nas vendas em banca e assinaturas dos outros jornais. Aguardamos com curiosidade...


Monday, July 6, 2009

Fazer a diferença (também) na Cultura...


Contrariamente ao que pensa o Dr. Mário Soares, não creio que a "guerra dos Manifestos" (a expressão é dele) deixe "seguramente confusa a opinião pública portuguesa, não contribuindo para prestigiar os partidos nem os protagonistas que nelas intervieram" ("Uma fase complexa", DN, 30 de Junho de 2009, p. 51). Pelo contrário, a "guerra dos Manifestos" é muito bem-vinda, desde logo porque permite à opinião pública conhecer (e depois decidir a partir delas) perspectivas diversas sobre o mesmo assunto, neste caso sobre a utilidade, ou não, do investimento público em grandes obras, como instrumento no combate à crise e, consequentemente, como estratégia para o relançamento da economia portuguesa. Portanto, nos antípodas do que escreveu o Dr. Mário Soares, julgo que a dita "guerra" clarifica a opinião pública, e prestigia os protagonistas, sendo um sinal importante da vitalidade (por muitos julgada adormecida) da sociedade civil.
Vem isto a propósito de outro manifesto, Uma Cultura para o Século XXI, lançado sexta-feira, 3 de Julho, em http://umaculturaparaoseculoxxi.blogspot.com/. O manifesto, assinado por mais de cem personalidades ligadas aos meios culturais, contesta a progressiva desorçamentação do Ministério da Cultura e a ausência de uma política consistente para o sector, desafiando os partidos a apresentar, na campanha eleitoral que se avizinha, "propostas claras" nesta matéria. Além das prioridades que são apontadas, do cinema e audiovisual ao livro, e do património às artes perfomativas, destaco aqui a defesa do papel do Estado na Cultura, considerado pelos subscritores como insubstituível, e do investimento público nesta área.
Sobre isto, contrapunha o seguinte, para reflexão: parece-me, à luz da globalização, que o desenvolvimento económico tem de assentar também, tal como no passado, na arte, na ciência e na cultura. Até porque a cultura contribui mais para a economia do que outros sectores considerados muito relevantes (KEA, 2006). Em Portugal, por exemplo, o sector da cultura (público e privado) é o terceiro principal contribuinte para o PIB. Mas este contributo pode ser potenciado, tornando-se inclusivamente motor de um desenvolvimento económico e social sustentável. Cidades como Glascow, Bilbao, Cleveland, Kitakyushu, entre outras, vivem um notável renascimento urbano porque mudaram de paradigma, assentando o seu florescimento no desenvolvimento de bens culturais, nomeadamente nas áreas enfraquecidas dessas mesmas cidades, captando populações criativas e inovadoras, recebendo investimento, nacional e estrangeiro, promovendo o turismo e a sua marca territorial.
O Estado tem uma função social que é indeclinável, designadamente nas áreas da educação, saúde e cultura, mas tal não invalida que não se aproveite o actual debate para repensar o papel do Estado na Cultura, por outras palavras, as políticas públicas direccionadas para as estruturas e actividades culturais, a partir de uma concepção mais alargada do fenómeno cultural. Julgo ser mais ou menos consensual que o Estado deve: i) cuidar das suas “pedras”, isto é, do “seu” património; ii) garantir aos seus cidadãos a usufruição plena dos serviços que tutela e gere, como as bibliotecas, arquivos e museus, entre outros equipamentos públicos; iii) apoiar a criação artística, no cinema, no teatro, na dança, na música, no livro, como entidade facilitadora de apoios financeiros e de subsídios aos particulares ou outras instituições/associações culturais da sociedade civil - mas aqui com uma diferença relativamente ao modus operandi dos últimos anos, que é a deste apoio traduzir-se num estímulo, num incentivo, e não numa dependência “eterna” dos subsídios do Estado.
As funções clássicas do Estado na área da Cultura deverão ser asseguradas com eficiência, duma forma desconcentrada e descentralizada, sem desperdício e burocracia. De acordo com os estudos de opinião, a generalidade dos cidadãos portugueses concorda com elas e está disposto a viabilizá-las com os seus impostos. Como tal, parte do Orçamento do Estado (1%?) deveria ser canalizado para a conservação e valorização do património cultural do Estado e para o apoio à criação e à difusão cultural, políticas que deveriam ser desenvolvidas de forma integrada com a educação, com a ciência e com o turismo e em estreita articulação com os municípios, reduzindo custos mas ao mesmo tempo assumindo-se como parte duma estratégia para enfrentar a crise. Como traves-mestras da acção do Estado na Cultura propunha:
> A valorização e promoção da Língua e Cultura Portuguesas;
> A conservação, estudo e reabilitação do património cultural;
> O estímulo à criação artística e à difusão cultural;
> A qualificação e modernização dos serviços e equipamentos públicos culturais;
> A integração das políticas públicas culturais com a educação, a ciência e o turismo.
Definido o papel do Estado, importaria depois adequar a estrutura/organização existente à melhor execução das políticas públicas direccionadas para a Cultura, desde logo avaliando a eficácia e os resultados do PRACE, e, se necessário, introduzindo correcções com vista à racionalização dos recursos e à eliminação de redundâncias entre os serviços e equipamentos.

Monday, June 22, 2009

Ralf Dahrendorf, o "sociólogo do conflito"


Morreu na semana passada (18 Jun) um dos mais influentes pensadores do século XX, Ralf Dahrendorf (1929-2009). Cheguei à obra da RD, como a tantas outras, através de Jorge Borges de Macedo, logo em 1995, no meu primeiro ano como assistente dele na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Católica Portuguesa, na cadeira de História Económica I. E cheguei através do clássico "Class and Class Conflict in Industrial Societies", publicado em 1959, de leitura "obrigatória" para a bibliografia que então redigimos para os alunos dos cursos de Gestão e de Economia.
Algumas notas biográficas: RD nasceu em Hamburgo, em 1929, filho de Gustav Dahrendorf, líder do Partido Social Democrata durante a República de Weimar e resistente ao Nazismo. Em Novembro de 1944, com apenas 15 anos, foi preso pela Gestapo e enviado para um campo de concentração. Foi libertado no ano seguinte, com a chegada das tropas soviéticas a Berlim. O pai, que já tinha sido detido em 1933, 1938 e 1944, voltou à prisão, desta vez na Alemanha do Leste, em 1946, por ter recusado participar nas negociações com vista à unificação forçada do Partido Social Democrata com o Partido Comunista. RD licenciou-se e doutorou-se em Filosofia pela Universidade de Hamburgo. Em 1952 foi para Inglaterra, para a London School of Economics, doutorando-se aqui pela segunda vez, em Sociologia, sob a égide de Karl Popper. Regressou à Alemanha e ingressou no Instituto de Investigações Sociais de Frankfurt, no qual se manteria por muito pouco tempo, dada a opressão intelectual imposta pelos neomarxistas seguidores de Adorno e Horkheimer. Virou-se para a política, liderando a renovação do Partido Liberal alemão, que culminou na coligação entre liberais e sociais-democratas, no governo de Willy Brandt - Walter Scheel, de que RD fez parte como ministro dos assuntos parlamentares. De 1970 a 1974, foi comissário alemão na Comissão Europeia, em Bruxelas, participando activamente nas negociações da adesão da Inglaterra. De 1974 a 1984, dirigiu a LSE, restituindo-lhe o prestígio que entretanto perdera. Regressou novamente à Alemanha, em 1985 e 1986, para dar aulas na Universidade de Konstanz. Em 1986, vamos encontrá-lo novamente em Inglaterra, como reitor do S. Anthony´s College da Universidade de Oxford, onde esteve até 1997. No ano seguinte, adquiriu a cidadania britânica, sem abdicar da alemã. Ingressou na Câmara dos Lordes em 1994, dirigindo o célebre comité sobre "Criação de riqueza e coesão social numa sociedade livre", uma das fontes de inspiração do New Labour , de Tony Blair.
Algumas notas sobre o seu pensamento político: desde logo o comprometimento de RD com a causa da liberdade, fruto da experiência precoce com dois totalitarismos, o Nazismo e o Comunismo, que lhe permitiu ainda observar que não existe liberdade sem lei, regras e sem instituições capazes de aplicar essas regras; daqui decorrerá, em "Law and Order", e, muito posteriormente, em "After 1989: Morals, Revolution and Civil Society" (1997), quer a crítica do sonho de Rousseau de um mundo sem constrangimentos quer a crítica do igualitarismo e do relativismo - na mesma linha, deve ser entendida a sua concepção de "singularidade da verdade": “Falar da singularidade da verdade é uma outra forma de afirmar que existem princípios universais, não apenas no que respeita ao conhecimento mas também em relação à moral. Não poderemos nunca, contudo, ter a certeza de os haver encontrado. Por conseguinte, devemos ser tão cautelosos relativamente ao dogmatismo fundamentalista como em relação à libertinagem dos relativistas”; depois, em 1959, com "Class and Class Conflict in Industrial Societies", talvez a sua mais importante obra, expõe a sua chamada "sociologia do conflito", por oposição às principais teorias de estratificação social então defendidas: "O monismo totalitário baseia-se na ideia de que o conflito pode e deve ser eliminado, de que uma ordem social e política homogénea e uniforme é a situação desejável. Essa ideia é tão perigosa quanto errónea nas suas premissas sociológicas. Pelo contrário, o pluralismo das sociedades livres baseia-se no reconhecimento e na aceitação do conflito social"; depois ainda, resultado da sua passagem pela Comissão Europeia, tornou-se "um europeísta convicto, mas um europeísta de tipo especial, céptico relativamente aos grandes projectos federadores e à subestimação das realidades profundas do Estado-nação", defendendo ainda o alargamento da União Europeia aos países recém-libertados das ditaduras comunistas; finalmente, além de cultivar a liberdade e o pluralismo, RD deu mais importância à limitação dos poderes do governo do que à necessidade de lhes garantir "força" para realizarem reformas, fossem elas quais fosse. Para RD, qualquer democracia tinha de cumprir 3 condições: "Que é possível mudar de governo sem violência; que existe um sistema de pesos e contrapesos capaz de limitar o poder a quem o detém e, por fim, tal regime deve assegurar que o povo tem sempre direito a exprimir-se."Em suma, RD é portador de um "liberalismo especial", como escreveu João Carlos Espada num ensaio que lhe dedicou no jornal "i": um liberalismo "aberto à mudança, mas respeitador da tradição; a favor da escolha individual mas contra o individualismo desbragado; firmemente do lado dos mercados livres e da propriedade privada, mas oposto à destruição do "terceiro sector", que o autor encara como indispensável a uma sociedade civil forte".

Monday, June 15, 2009

Voto obrigatório?


Tinha pensado escrever sobre a abstenção, a grande vencedora das eleições europeias de 7 de Junho. Mas como praticamente já tudo foi dito abalanço-me, não sobre o manifesto desinteresse dos europeus em geral pela Europa, mas sobre a proposta que foi apresentada pelo presidente do Governo Regional dos Açores, Carlos César, para combater a abstenção nas eleições. E que proposta foi essa? Nada menos do que a instauração do voto obrigatório! Logo no rescaldo do acto eleitoral, César atirou: "O voto deve ser uma obrigação de todos os cidadãos e como tal deve ser consagrada na lei. Isto deve ser acautelado para acautelar também a qualidade da nossa democracia". Mais recentemente, apelidou de "estúpido" o que se passou com o índice de abstenção nas eleições europeias, que, em Portugal, como sabemos, atingiu os 63%. Se somarmos a este valor o valor dos votos brancos e nulos, 4,6% e 2% respectivamente, ficamos com uma ideia mais nítida do "interesse" que, por cá, o projecto europeu suscita. Entretanto, a César juntaram-se outras vozes da cena política portuguesa que, pelos vistos, pretendem alterar a realidade por decreto.
Mas voltemos ao voto obrigatório. Se não foi lançada para desviar as atenções do colapso socialista, então a proposta do voto obrigatório enferma, em nosso entender, de vários problemas. Desde logo, para justificá-lo, não nos parece eticamente correcto responsabilizar os eleitores pela elevada abstenção nas eleições europeias. Que tem feito a Europa para os mobilizar? Que tem feito a Europa para diminuir o fosso que separa a inexplicável burocracia das suas instituições das reais necessidades e problemas dos seus cidadãos? Que tem feito a Europa nas etapas e processos decisivos da sua construção, política e económica? Não os tem ignorado sistematicamente? Não seria de começar precisamente por aqui? Não estará naquela "atitude" a principal explicação para a falta de comparência política dos eleitores europeus? Não será preferível identificar e combater os factores que não estão a mobilizar os eleitores para o voto? A resolver o problema, o voto obrigatório resolverá a causa do problema? Não estarão os eleitores sinceramente revoltados com a política e os políticos? Não terá a abstenção um significado político?
Por outro lado, quando introduzido nas democracias ocidentais, como foi o caso do Luxemburgo, Bélgica ou Grécia, o voto obrigatório não trouxe consigo aumentos significativos da participação eleitoral. Nem mesmo onde é grande o grau de severidade das penas associadas ao não cumprimento (multas, perda de benefícios fiscais, não emissão de documentos importantes, como o BI ou o passaporte, e mesmo prisão, nas piores situações). Nalguns países, até, o voto obrigatório teve um efeito pernicioso nos partidos, que passaram a fazer ainda menos para mobilizar o eleitorado.
Uma melhor solução será sem dúvida a formação do interesse pela política na escola, de modo a que esse interesse se traduza depois numa maior participação eleitoral. Ou a arranjos nos sistemas eleitorais, introduzindo uma maior capacidade de escolha dos representantes, actualmente confinada aos partidos. Enfim, a par da resposta às perguntas acima enunciadas, as soluções são mais que muitas.
Finalmente, há uma questão de principio, que tem a ver com a liberdade individual de cada um, e na qual o Estado não deve interferir. Neste caso, a liberdade de não votar...

Friday, June 5, 2009

Do Retrato Político


Inaugurou ontem em Lisboa a exposição temporária "Ombro a Ombro: Retratos Políticos", que, em boa e pertinente hora, o MUDE - Museu do Design e da Moda, trouxe a Portugal. Acrescento pertinente dado o contexto de eleições europeias, pois, se por um lado, a exposição mostra-nos a importância da imagem e do design gráfico na construção do discurso político contemporâneo, por outro, também nos confronta com a pobreza franciscana da imagem e do marketing político dos actuais partidos políticos portugueses. Paradigmático do que acabo de referir são os cartazes políticos que são/foram utilizados nestas eleições europeias, onde é notório o mau gosto, a falta de qualquer sentido estético da política, certo provincianismo, enfim, um amadorismo geral que não se compadece de todo com a importância do acto político, e da oportunidade criada para aproximar os cidadãos da política. Será assim também lá fora? Mas voltemos à exposição, que reúne 250 cartazes provenientes, na sua maioria, do Museu de Design de Zurique, que detém a maior colecção mundial de posters (c. de 350.000 exemplares). E lá temos os "clássicos, de Che Guevara, Mussolini, Estaline, Mao, De Gaulle, Kennedy, até aos mais recentes, da chanceler Merkel ou de Obama. A par de algumas raridades, como "Adolfo, o Super-Homem que engole ouro e cospe latão", de John Heartfield, que é um ataque feroz a Adolf Hitler, de 1932, ou a valiosa fotomontagem de Gustav Klucis "Sob a bandeira de Lenine para construir o Socialismo", datada de 1930. A exposição é complementada com cartazes portugueses de Salazar, Cunhal, Soares, Eanes, Sá Carneiro, entre outros, emprestados pela Biblioteca Nacional, Torre do Tombo, Comissão Nacional de Eleições, Arquivo Municipal de Lisboa e Universidades de Aveiro e Coimbra - núcleo que poderia ser substancialmente melhorado com o recurso a colecções particulares (assim de repente, lembro-me da preciosa colecção de cartazes políticos de José Pacheco Pereira, na sua casa-museu-biblioteca-arquivo da Marmeleira). Há outras surpresas, que não revelo aqui, mas nada como revisitarmos os truques do marketing político usados pelas democracias e ditaduras do século XX para nos convencerem da bondade e das virtudes dos respectivos regimes políticos. Ainda por cima, num espaço fantástico, o antigo Banco Nacional Ultramarino, onde o contraste entre as paredes descarnadas e as estruturas expositivas funciona na perfeição, num registo contemporâneo e "transformador" que surpreende pela positiva. Para mais tarde recordar, ou estudar, não pode deixar de trazer o catálogo, cujo único senão são os 30€. Razões de sobra para não perder esta exposição...

Saturday, May 23, 2009

"Recessão democrática" em Portugal


Este "post" é dedicada à minha "velha" amiga Ana Quelhas.
Como se não bastasse estarmos no fim dos principais indicadores que medem o desenvolvimento dos países, caímos agora também no Índice da Democracia da prestigiada revista britânica The Economist, que avalia, entre outros aspectos, a democracia eleitoral, o funcionamento do governo, a participação política, as liberdades cívicas e a cultura política. E a queda foi significativa, de um 19.º lugar em 2006 para um 25.º lugar em 2008, perdendo seis pontos num total de 167 países. Saindo, a passos largos, das "democracias perfeitas", aquelas que no Democracy Index ocupam os primeiros 30 lugares, para as "democracias imperfeitas", do 31.º lugar ao 80.º, encontrando-se aqui 9 países da UE. Depois, temos os "regimes híbridos", do 81.º ao 116.º, e, por último, os "regimes autoritários", entre 0 117.º e o 167.º. No conjunto dos 27 países da UE Portugal ocupa, no relatório de 2008, a 16.ª posição, estando colocado na segunda metade do pelotão europeu. No que toca à qualidade da sua democracia pode, assim, orgulhar-se de ter atrás de si a Itália, a Estónia, a Letónia, a Lituânia, a Hungria e a Polónia, além da Roménia e da Bulgária. Daqui concluindo-se que, numa Europa sem os países do Leste que aderiram recentemente à UE, Portugal seria classificado como um dos piores em termos de vivência democrática.
Como causas para esta "recessão democrática" portuguesa temos sobretudo a falta de participação política, concretamente no referendo à despenalização do aborto, realizado em Fevereiro de 2007, com uma abstenção superior a 50%. Dado que não houve alterações no critério das Liberdades Cívicas, parece-me que a avaliação não contemplou a fúria legislativa do governo contra a liberdade de imprensa, de expressão e reunião, o que, a acontecer, em muito contribuiria para piorar ainda mais a qualidade da democracia portuguesa. Por outro lado, a realidade actual acentua a tendência para o precipício, paradoxalmente com o "inestimável" contributo dos principais actores políticos, de que é exemplo, a recente e vergonhosa proposta de lei de financiamento dos partidos políticos, que, para surpresa geral, ou talvez não, mereceu o acolhimento consensual de todos os grupos parlamentares.
Esta "recessão democrática" em Portugal, que deveria sobressaltar ou preocupar o país e as suas elites, mereceu uma página no Diário de Notícias, e rapidamente caiu no esquecimento, sugada pela voracidade de inutilidades noticiosas, tão ao gosto dos média nacionais.
Logo, cara amiga Ana Quelhas, para melhorar a qualidade da nossa democracia, precisamos de tudo, menos de "mata-monárquicos". Numa democracia que se preze, há lugar para todos, sejam eles republicanos ou monárquicos, liberais ou colectivistas, conservadores ou progressistas. Era assim, por exemplo, na tão odiada Monarquia Constitucional portuguesa. É isto que diferencia a Democracia dos outros regimes políticos, com as suas qualidades e defeitos, que também os tem.

Monday, May 18, 2009

Plano Revolucionário de Leitura




Não, não é o nosso, que vai de vento em pompa, e não é "revolucionário", mas nacional. E tem lá a Teresa Calçada, que impediria qualquer deriva totalitária. O dito foi apresentada a semana passada pelo inefável Chávez, em Caracas. "Leitura para a consciência" é o lema do Plano Revolucionário de Leitura, e está-se mesmo a ver onde é que isto vai dar. O projecto tem por objectivo "reafirmar os valores de consolidação do homem novo, através da leitura, como base para a construção de uma pátria socialista", repetindo-se uma receita já experimentada por outros ditadores, à esquerda e à direita, com os resultados que todos conhecemos. Mas estas coisas reaparecem, e ninguém se indigna. O que pensa disto o Dr. Mário Soares? E o amigalhaço José Sócrates? E o justiceiro da moral lusitana Francisco Louçã? O mais profundo silêncio...

A consolidação do "homem novo" chavista passa pela criação de grupos de leitura, "nos quais a selecção do material bibliográfico será definida ideologicamente, mediante o contexto político do país", naturalmente!!! Para sossego dos venezuelanos as bibliotecas já foram equipadas com os exemplares adequados. Algumas pérolas da literatura oficial: O Socialismo Venezuelano e o Partido Que o Impulsiona, de Ali Rodríguez (ministro das finanças), Porque sou Chavista? e Ideias Cristãs e Outras Abordagens ao Debate Socialista. Para animar os debates entre os leitores não faltarão também os discursos sem fim de Chávez e o Manifesto Comunista, considerado por Edgar Páez como "obra de excelência, fundamental para a formação ideológica dos cidadãos". Mais claro, seria impossível. A renovação das bibliotecas não será feita apenas com a prata da casa, pois está garantida a aquisição de obras estrangeiras de esquerda, ainda que sujeitas ao crivo da censura do Estado, não vá aparecer por lá algo mais heterodoxo. Para já ficam-se pelas sul-americanas, depois "logo se vê", como explica o representante da prometedora instituição. A literatura ao serviço dos interesses do Estado, no caso, do fomento "do socialismo no século XXI", é aqui feita desta forma descarada, sem um pingo de vergonha. Por quantos mais anos vão os venezuelanos aturar este estado de coisas?

Saturday, May 16, 2009

Municipalismo republicano: uma bandeira efémera...

Eu sou suspeito, mas convido-os um dia destes a passarem pela Galeria de Exposições dos Paços do Concelho da CML, para verem a exposição "VIVA A AUTONOMIA MUNICIPAL!" O Congresso Municipalista de Lisboa (1909). Estará por lá até 31 de Julho, de segunda a sexta-feira, das 08h às 20h, e aos domingos, entre as 10h e as 20h.
O Congresso Municipalista, que se realizou no salão nobre dos Paços do Concelho, entre os dias 16 e 21 de Abril de 1909, foi a primeira grande realização política nacional da nova vereação republicana, eleita nas eleições municipais de Lisboa de 1 de Novembro de 1908. A primeira reunião magna dos municípios portugueses teve por objectivo a defesa da autonomia municipal, face à “repressão centralizadora” de então – uma reivindicação comum a todas os municípios, monárquicos ou republicanos, o que explicou a elevada adesão ao congresso, com 158 câmaras municipais, que enviaram 236 representantes, bem como a participação de várias juntas de paróquia, escolas, associações e colectividades da capital. Durante o congresso foram apresentadas e discutidas várias teses, com destaque para a Autonomia Municipal e consequentes descentralizações administrativas, de Cunha e Costa, a Federação dos Municípios, de Agostinho José Fortes e a Municipalização dos serviços públicos, de José Miranda do Vale. Além da exposição, a CML organiza e promove um conjunto diversificado de actividades culturais, pensadas para vários públicos, presencialmente e à distância, enriquecendo assim a oferta cultural da cidade de Lisboa e revisitando um acontecimento que, como escrevia a imprensa da época, ficou para a “história do municipalismo português”.
Esta exposição revisita o municipalismo republicano e confirma como este foi sobretudo uma bandeira política habilmente utilizada pelos principais líderes do PRP durante o período da propaganda. Depois do 5 de Outubro de 1910, a Constituição de 1911 consagrou uma República Unitária. O municipalismo foi abandonado e substituído pela distritalização administrativa, mais adequada ao unitarismo constitucional da I República. Ao centralismo do final da monarquia sucedeu o centralismo republicano, ambos inscritos na tendência centrípeta do sistema político português.

Friday, May 8, 2009

"i" agora?


O aparecimento de um novo jornal é sempre um bom pretexto para retomar um blogue, depois duma ausência forçada. Para os mais distraídos, saiu ontem e chama-se simplesmente "i". Não sei se pega, mas gostei da forma e do conteúdo. A opção por um formato próximo da revista, numa tendência iniciada pelo "24 horas", parece-me uma boa opção. É prático, transporta-se bem, facilita a leitura (nos apertões do Metro resulta). Os conteúdos estão organizados de maneira diferente, para responder a um jornalismo que se pretende também diferente, privilegiando o essencial em detrimento do acessório. Por isso, como escreve Martim Avillez Figueiredo, no primeiro editorial do "i", o novo jornal "implode as secções tradicionais dos jornais, tal como o online desaruma a organização dos sítios web" [fui lá ver e confirmo e recomendo, aqui http://www.ionline.pt/]. Contrariamente aos actuais jornais diários generalistas, começa com a Opinão, com um conjunto de colaboradores que promete (uns mais consagrados do que outros); depois passa pelo Radar, para tudo "o que de importante se passa", e pelo Zoom, onde predomina a explicação, as análises políticas, as investigações económicas, ou outras, há muito arredadas da generalidade da imprensa periódica portuguesa; termina com Mais, uma zona para a cultura e o desporto. Confesso que gostei desta nova arrumação, pelo menos não tive que começar a ler o jornal de trás para a frente, como até aqui acontecia. E dos conteúdos... pertinente a reflexão de João Cardoso Rosas, sobre "A Crise Ideológica", que promete às quintas-feiras, as incursões com rigor pelo tema dos emigrantes, das intenções do Governo em limitar a sua entrada (por Bruno Lopes, Luís Ribeiro e Inês Cardoso), e pela incontornável gripe suína (textos de Rute Araújo e Enrique Pinto-Coelho), ou a análise sobre o fantasma do Bloco Central, de Adriano Nobre. Ah, a cor, que atravessa todo o jornal e nos surpreende com páginas deliciosas, como a 32. Uma referência para os exclusivos do The New York Times, que pelos vistos vão continuar. Parece-me uma aposta ganha, apesar do enorme risco que é lançar um novo jornal em Portugal. Alea jacta est... e boa sorte.