Saturday, September 29, 2007

Empresas (?!) Municipais

A maioria das empresas municipais (EM) deste país está falida. Esta é a conclusão de uma tese de doutoramento apresentada na Universidade de Sevilha por Casimiro Ramos, dirigente e antigo deputado do PS. Conhecida a situação das EM em Lisboa consta-se agora que o vírus alastrou a todo o território nacional. O estudo analisa a actividade de 63% das EM em Portugal em 2004, e brinda-nos com os seguintes dados:
- 40% destas sociedades camarárias registaram prejuízos em 2004;
- perto de um sexto somaram prejuízos consecutivos entre 2002 e 2004;
- resulta daqui que “os níveis de rentabilidade do capital próprio e das vendas são significativamente reduzidos”;
- logo, muitas delas estão em “clara falência técnica”.
Como se não bastasse o estudo revela ainda, sem grande novidade, que as EM são normalmente “instrumentalizadas pelos executivos camarários e pelos partidos políticos para o alcance de fins relacionados com programas eleitorais e planos de actividades das câmaras”. Além de serem geridas sobretudo por autarcas ou pessoas indicadas pelos partidos: 62% dos presidentes do concelho de administração são autarcas e, desses, mais de metade são presidentes de câmara (31% do PSD; 26% do PS; 3% da CDU e 39% dos restantes). Ramos acrescenta ainda que “os níveis de eficácia e de eficiência destas empresas está aquém do expectável e desejável em entidades que devem prestar um serviço público aos munícipes”. Para alterar este estado de coisas, nada animador, defende mudanças profundas nos modelos de gestão e nos processos organizacionais, como uma clarificação legal que evite a “promiscuidade” da actuação destas empresas com as actividades próprias das autarquias, a produção de indicadores de gestão que permitam avaliar a importância social das EM, a sua real necessidade, ou a aplicação de medidas que eliminem a subvenção directa das empresas por parte das câmaras “sob a forma de contratos de exploração ou subsídios, de modo a evitar que as EM sejam um sorvedouro de dinheiros públicos sem um mínimo de controlo e de transparência”, como, na prática, acontece. A reacção a estas conclusões não se fez esperar, desta vez pela voz do secretário-geral da Associação Nacional de Municípios Portugueses, Artur Trindade. E o que disse a criatura? Que Ramos é um “ignorante qualificado”, por “associar o que não pode ser associado”. Perante a evidência, o ataque pessoal. Mas o inenarrável Trindade não ficou por aqui, ao afirmar, pasme-se, que estas empresas não foram criadas para dar lucro!!! O contribuinte, o que paga as EM do Sr. Trindade, agradece tamanha preocupação e fica mais aliviado. Trindade elucida-nos ainda que as EM podem ser empresas “da máxima eficiência e dar prejuízo”, ressalvando que “uma coisa é a má gestão e outra os lucros”!!! Pois claro, como se aquela não tivesse nada a ver com estes. A gestão empresarial que se cuide, perante tão arrojados contributos teóricos. Sobre a instrumentalização das EM pelas autarquias e partidos políticos Trindade repudia tal conclusão e sossega-nos, pois “uma coisa é nomear boys”, outra, bem diferente, “é nomear pessoas”, todas elas, depreende-se, com provas dadas na gestão daquilo que não é delas. O que é grave é que tudo isto é dito perante a indiferença geral, como se fosse a coisa mais natural do mundo, e não traduzisse antes a subversão do próprio municipalismo. As mudanças acima preconizadas não vão alterar nada. A administração local para ser mais eficaz e proveitosa não precisa de criar EM a torto e a direito, com o dinheiro dos contribuintes, para fazer coisas que já eram feitas pelos serviços municipais. A administração local para ser mais eficaz e proveitosa tem é que emagrecer, combater o desperdício e o laxismo, dotar-se de quadros qualificados, prestar serviços públicos eficientes, avaliados, direccionados para as reais necessidades dos munícipes. Propomos assim ao Governo novo plano, entre tantos que já lançou, o Plano de Extinção Imediata de Todas as Empresas Municipais que mais não fazem do que envergonhar o nosso municipalismo e, por arrasto, o país.

Thursday, September 27, 2007

Recortes de Imprensa: "Um Nunes em cada esquina", de Alberto Gonçalves

"O ministro da Economia visitou as instalações da ASAE, para alegria do dr. António Nunes, presidente da estimada associação. Entre louvoures e vénias, o dr. Nunes aproveitou para confessar ao ministro um única carência: nem todos os seus agentes possuem computador portátil (para que serve o Governo, afinal?). Fora a lacuna informática, tudo bem com a ASAE, obrigado. Radiante, o dr. Nunes declarou que, neste ano e tanto de existência, a entidade ultrapassou os seus objectivos. Um observador distraído imaginará que também ultrapassou as competências. Desgraçadamente, nem por isso. É um facto que a ASAE, mais do que computadores portáteis, carece de arbítrio moral, a capacidade de distinguir o admissível do atroz. Se é dificil contestar o encerramento de um restaurante a dar para o imundo, é dificílimo entender que as favas, a cabidela, os enchidos caseiros e a fruta sem marca registada sejam incluídas no conceito tradicional de imundíce, excepto para as transtornadas criaturas que, em Bruxelas ou Lisboa, viabilizaram semelhantes leis e para a ASAE, que as aplica com notável zelo. Passe o exagero da comparação, os senhores da ASAE evocam os mais disciplinados funcionários dos totalitarismos: quando interrogados, respondem de imediato que se limitam a cumprir ordens. É triste que o façam, ainda por cima com indisfarçável gozo. Mas bastante mais triste é a época que paga para que eles gozem. Abominar a ASAE por si só implica ignorar aquilo que, para lá da legislação, realmente fundamenta e legitima os seus excessos. No vocação para a vigilância, na supressão do bom senso em favor da rigidez da norma, no prazer de contrariar o prazer alheio, a ASAE explica muito do que somos. O dr. Nunes pode ser encontrado em qualquer esquina, metafórica e, a julgar pela quantidade de "acções" que promove, literalmente." (DN, 23/09/2007)

Saturday, September 22, 2007

Penalmente, contra a liberdade de expressão...


Dos aflitos com a saída dos criminosos e afins, nada a dizer, como se não fosse mais preocupante a situação de homens e mulheres detidos meses e meses sem acusação formada. E aqui o novo Código de Processo Penal procura resolver o problema. Mas o governo não perdeu a oportunidade para, no meio da ofensiva socialista contra a comunicação social, dar mais umas quantas machadadas na liberdade de expressão em Portugal. A partir de agora, passa a não ser permitido, “sob pena de desobediência simples, a publicação, por qualquer meio, de conversações ou comunicações interceptadas no âmbito de um processo, salvo se não estiverem sujeitas a segredo de justiça e os intervenientes expressamente consentirem na publicação”. Ora, tal disposição o que pretende é impedir a divulgação de gravações obtidas em processos-crime, mesmo quando houver interesse público na sua divulgação. Esta disposição é tanto mais estranha quando já dispomos de uma lei penal que prevê e pune todos os atentados à privacidade e ao bom-nome através de diversos crimes, tais como o de "devassa da vida privada", o de "gravações e fotografias ilícitas" e a "difamação" ou a "injúria". Daqui resultará inevitavelmente uma limitação à liberdade de questionar as decisões dos órgãos de soberania, neste caso, dos tribunais, pois a opinião pública deixa de ser informada dos fundamentos de uma condenação em tribunal. O que temos aqui é sem dúvida um atentado à liberdade de expressão e ao direito de todos conhecerem os fundamentos de uma decisão judicial. Aliás, nada que nos surpreenda, conhecidas que são as frequentes intromissões da ERC na comunicação social, ou o novo Estatuto do Jornalista, a que voltaremos. O poder político actual ignora por completo o papel da imprensa numa democracia liberal e que passa por ser, não um contrapoder ou um quarto poder, como muitos defendem, mas um contra-peso aos governos e, ao mesmo tempo, um dos espaços onde o povo tem voz. Ora, isto só se consegue com o máximo de liberdade de expressão, responsabilidade e um mercado livre sujeito ao escrutínio público. Como nos lembrou LAS, a única "regulação" aceitável é a da opinião pública (mercado) e a dos tribunais, quando for caso disso. Repetimos o que John Stuart Mill escrevia em 1858: "falando de um modo geral, não é compreensível que, em países constitucionais, o governo, quer seja, ou não, totalmente responsável perante o povo, tente muitas vezes controlar a expressão de opinião, pois, ao fazê-lo, ele torna-se o órgão de intolerância geral do público".

Monday, September 17, 2007

Ordem e Caos no Século XX, de Robert Cooper


Este é o terceiro livro da colecção "Sociedade Global" lançada pela Editorial Presença, com data de 2006 (1.ª edição). Robert Cooper é um dos diplomatas europeus mais prestigiados e possuidor de uma sólida formação académica. Foi consultor especial de Tony Blair e desempenha actualmente o cargo de Director-Geral do Conselho da União Europeia para a PESC, cooperando estreitamente com Javier Solana. O livro tornou-se rapidamente numa das obras fundamentais para melhor compreender o mundo de hoje. O autor possui o raro talento de conseguir focar com grande clareza o que é essencial, e hierarquizá-lo, numa síntese plena de conteúdo, sem perder de vista o contexto. Com a ruptura que o 11 de Setembro constituiu, e o debate que esta tragédia relançou em termos de geopolítica internacional, Cooper considera três tipos de estados, perpectivando-os dentro do seu percurso histórico e na dinâmica que criam: os que se encontram ainda numa fase «pré-moderna», internamente instáveis e potencialmente perigosos para a comunidade; os estados «modernos», que protegem ferozmente a sua soberania; e os estados «pós-modernos», que operam na base da segurança mútua, da democracia e da defesa das liberdades individuais. Nos primeiros, o Estado deixou de preencher o critério weberiano de deter o monopólio legítimo sobre o uso da força. São disso exemplo, a Somália, o Afeganistão e a Libéria. Nos segundos, os estados detêm o monopólio da força e podem estar preparados para a usar contra qualquer outro. A ordem é indissociável da existência de um equilíbrio de forças ou da presença de estados hegemónicos que vêem interesse em manter o statu quo. O que importa, na realidade, é o poder e a «razão de Estado». Era o caso do Irão e do Iraque antes da guerra entre estes dois estados ou, actualmente, da Indía e do Paquistão, onde são evidentes os problemas característicos dos sistemas de equilíbrio de poderes. Nos terceiros, o sistema de estados do mundo moderno está, também, a desmoronar-se, a colapsar; mas, ao contrário do que acontece com o mundo pré-moderno, ele está a colapsar no sentido de uma maior ordem em vez de resvalar no sentido da desordem. O exemplo mais interessante é sem dúvida o da União Europeia. Cooper analisa depois com grande profundidade o caso de um pais como os Estados Unidos, as suas relações com a Europa e o seu papel hegemónico no mundo. Sobre esta Pax Americana, Cooper retira ilações que o levam a questionar provocadoramente a União Europeia e os seus valores pacifistas. Temas como a Guerra Fria, o período que se lhe seguiu, o terrorismo e a proliferação das armas de destruição maciça ou o contributo da diplomacia, entre muitos outros, são aqui abordados com grande perspicácia e actualidade. Uma obra estimulante, polémica, que não fornece necessariamente respostas, mas faz um levantamento exaustivo das questões mais importantes para uma possível nova ordem mundial no século XXI.

Tuesday, September 4, 2007

Pessoa, et al, à distância de um clique


Maio de 1922. O meio cultural lisboeta é surpreendido com uma nova revista de arte e literatura, a Contemporânea. A surpresa, ou mesmo escândalo, era provocada pelo arrojado modernismo gráfico e literário ensaiado por Almada Negreiros, Jorge Barradas, Eduardo Viana, Fernando Pessoa e José Pacheco. Agitar e convergir todos os que se interessavam pela arte em Portugal era o seu propósito, a par do interesse pelos movimentos vanguardistas da Europa. O que se traduzia numa "revista para gente civilizada, uma revista expressamente para civilizar gente". Fundamental para conhecer a renovação cultural que Lisboa vai conhecer na década de 20 do século XX, a Contemporânea está, a partir de agora, disponível na Internet, em novo brinde da Hemeroteca Digital, aqui. Entre as novidades desta edição em linha destaque para a criação de sumários electrónicos, com acesso directo aos textos ou ilustrações dos autores, uma secção própria para os índices da revista, a disponibilização do programa e número espécimen da revista, de 1915, a divisão dos PDF de cada número, aumentando assim as facilidades de impressão ou de importação das imagens, e, por último, uma introdução histórica à Contemporânea. Tudo boas notícias. Delicie-se com as provocações dos modernistas portugueses. Velhos tempos!!!