Saturday, May 23, 2009

"Recessão democrática" em Portugal


Este "post" é dedicada à minha "velha" amiga Ana Quelhas.
Como se não bastasse estarmos no fim dos principais indicadores que medem o desenvolvimento dos países, caímos agora também no Índice da Democracia da prestigiada revista britânica The Economist, que avalia, entre outros aspectos, a democracia eleitoral, o funcionamento do governo, a participação política, as liberdades cívicas e a cultura política. E a queda foi significativa, de um 19.º lugar em 2006 para um 25.º lugar em 2008, perdendo seis pontos num total de 167 países. Saindo, a passos largos, das "democracias perfeitas", aquelas que no Democracy Index ocupam os primeiros 30 lugares, para as "democracias imperfeitas", do 31.º lugar ao 80.º, encontrando-se aqui 9 países da UE. Depois, temos os "regimes híbridos", do 81.º ao 116.º, e, por último, os "regimes autoritários", entre 0 117.º e o 167.º. No conjunto dos 27 países da UE Portugal ocupa, no relatório de 2008, a 16.ª posição, estando colocado na segunda metade do pelotão europeu. No que toca à qualidade da sua democracia pode, assim, orgulhar-se de ter atrás de si a Itália, a Estónia, a Letónia, a Lituânia, a Hungria e a Polónia, além da Roménia e da Bulgária. Daqui concluindo-se que, numa Europa sem os países do Leste que aderiram recentemente à UE, Portugal seria classificado como um dos piores em termos de vivência democrática.
Como causas para esta "recessão democrática" portuguesa temos sobretudo a falta de participação política, concretamente no referendo à despenalização do aborto, realizado em Fevereiro de 2007, com uma abstenção superior a 50%. Dado que não houve alterações no critério das Liberdades Cívicas, parece-me que a avaliação não contemplou a fúria legislativa do governo contra a liberdade de imprensa, de expressão e reunião, o que, a acontecer, em muito contribuiria para piorar ainda mais a qualidade da democracia portuguesa. Por outro lado, a realidade actual acentua a tendência para o precipício, paradoxalmente com o "inestimável" contributo dos principais actores políticos, de que é exemplo, a recente e vergonhosa proposta de lei de financiamento dos partidos políticos, que, para surpresa geral, ou talvez não, mereceu o acolhimento consensual de todos os grupos parlamentares.
Esta "recessão democrática" em Portugal, que deveria sobressaltar ou preocupar o país e as suas elites, mereceu uma página no Diário de Notícias, e rapidamente caiu no esquecimento, sugada pela voracidade de inutilidades noticiosas, tão ao gosto dos média nacionais.
Logo, cara amiga Ana Quelhas, para melhorar a qualidade da nossa democracia, precisamos de tudo, menos de "mata-monárquicos". Numa democracia que se preze, há lugar para todos, sejam eles republicanos ou monárquicos, liberais ou colectivistas, conservadores ou progressistas. Era assim, por exemplo, na tão odiada Monarquia Constitucional portuguesa. É isto que diferencia a Democracia dos outros regimes políticos, com as suas qualidades e defeitos, que também os tem.

Monday, May 18, 2009

Plano Revolucionário de Leitura




Não, não é o nosso, que vai de vento em pompa, e não é "revolucionário", mas nacional. E tem lá a Teresa Calçada, que impediria qualquer deriva totalitária. O dito foi apresentada a semana passada pelo inefável Chávez, em Caracas. "Leitura para a consciência" é o lema do Plano Revolucionário de Leitura, e está-se mesmo a ver onde é que isto vai dar. O projecto tem por objectivo "reafirmar os valores de consolidação do homem novo, através da leitura, como base para a construção de uma pátria socialista", repetindo-se uma receita já experimentada por outros ditadores, à esquerda e à direita, com os resultados que todos conhecemos. Mas estas coisas reaparecem, e ninguém se indigna. O que pensa disto o Dr. Mário Soares? E o amigalhaço José Sócrates? E o justiceiro da moral lusitana Francisco Louçã? O mais profundo silêncio...

A consolidação do "homem novo" chavista passa pela criação de grupos de leitura, "nos quais a selecção do material bibliográfico será definida ideologicamente, mediante o contexto político do país", naturalmente!!! Para sossego dos venezuelanos as bibliotecas já foram equipadas com os exemplares adequados. Algumas pérolas da literatura oficial: O Socialismo Venezuelano e o Partido Que o Impulsiona, de Ali Rodríguez (ministro das finanças), Porque sou Chavista? e Ideias Cristãs e Outras Abordagens ao Debate Socialista. Para animar os debates entre os leitores não faltarão também os discursos sem fim de Chávez e o Manifesto Comunista, considerado por Edgar Páez como "obra de excelência, fundamental para a formação ideológica dos cidadãos". Mais claro, seria impossível. A renovação das bibliotecas não será feita apenas com a prata da casa, pois está garantida a aquisição de obras estrangeiras de esquerda, ainda que sujeitas ao crivo da censura do Estado, não vá aparecer por lá algo mais heterodoxo. Para já ficam-se pelas sul-americanas, depois "logo se vê", como explica o representante da prometedora instituição. A literatura ao serviço dos interesses do Estado, no caso, do fomento "do socialismo no século XXI", é aqui feita desta forma descarada, sem um pingo de vergonha. Por quantos mais anos vão os venezuelanos aturar este estado de coisas?

Saturday, May 16, 2009

Municipalismo republicano: uma bandeira efémera...

Eu sou suspeito, mas convido-os um dia destes a passarem pela Galeria de Exposições dos Paços do Concelho da CML, para verem a exposição "VIVA A AUTONOMIA MUNICIPAL!" O Congresso Municipalista de Lisboa (1909). Estará por lá até 31 de Julho, de segunda a sexta-feira, das 08h às 20h, e aos domingos, entre as 10h e as 20h.
O Congresso Municipalista, que se realizou no salão nobre dos Paços do Concelho, entre os dias 16 e 21 de Abril de 1909, foi a primeira grande realização política nacional da nova vereação republicana, eleita nas eleições municipais de Lisboa de 1 de Novembro de 1908. A primeira reunião magna dos municípios portugueses teve por objectivo a defesa da autonomia municipal, face à “repressão centralizadora” de então – uma reivindicação comum a todas os municípios, monárquicos ou republicanos, o que explicou a elevada adesão ao congresso, com 158 câmaras municipais, que enviaram 236 representantes, bem como a participação de várias juntas de paróquia, escolas, associações e colectividades da capital. Durante o congresso foram apresentadas e discutidas várias teses, com destaque para a Autonomia Municipal e consequentes descentralizações administrativas, de Cunha e Costa, a Federação dos Municípios, de Agostinho José Fortes e a Municipalização dos serviços públicos, de José Miranda do Vale. Além da exposição, a CML organiza e promove um conjunto diversificado de actividades culturais, pensadas para vários públicos, presencialmente e à distância, enriquecendo assim a oferta cultural da cidade de Lisboa e revisitando um acontecimento que, como escrevia a imprensa da época, ficou para a “história do municipalismo português”.
Esta exposição revisita o municipalismo republicano e confirma como este foi sobretudo uma bandeira política habilmente utilizada pelos principais líderes do PRP durante o período da propaganda. Depois do 5 de Outubro de 1910, a Constituição de 1911 consagrou uma República Unitária. O municipalismo foi abandonado e substituído pela distritalização administrativa, mais adequada ao unitarismo constitucional da I República. Ao centralismo do final da monarquia sucedeu o centralismo republicano, ambos inscritos na tendência centrípeta do sistema político português.

Friday, May 8, 2009

"i" agora?


O aparecimento de um novo jornal é sempre um bom pretexto para retomar um blogue, depois duma ausência forçada. Para os mais distraídos, saiu ontem e chama-se simplesmente "i". Não sei se pega, mas gostei da forma e do conteúdo. A opção por um formato próximo da revista, numa tendência iniciada pelo "24 horas", parece-me uma boa opção. É prático, transporta-se bem, facilita a leitura (nos apertões do Metro resulta). Os conteúdos estão organizados de maneira diferente, para responder a um jornalismo que se pretende também diferente, privilegiando o essencial em detrimento do acessório. Por isso, como escreve Martim Avillez Figueiredo, no primeiro editorial do "i", o novo jornal "implode as secções tradicionais dos jornais, tal como o online desaruma a organização dos sítios web" [fui lá ver e confirmo e recomendo, aqui http://www.ionline.pt/]. Contrariamente aos actuais jornais diários generalistas, começa com a Opinão, com um conjunto de colaboradores que promete (uns mais consagrados do que outros); depois passa pelo Radar, para tudo "o que de importante se passa", e pelo Zoom, onde predomina a explicação, as análises políticas, as investigações económicas, ou outras, há muito arredadas da generalidade da imprensa periódica portuguesa; termina com Mais, uma zona para a cultura e o desporto. Confesso que gostei desta nova arrumação, pelo menos não tive que começar a ler o jornal de trás para a frente, como até aqui acontecia. E dos conteúdos... pertinente a reflexão de João Cardoso Rosas, sobre "A Crise Ideológica", que promete às quintas-feiras, as incursões com rigor pelo tema dos emigrantes, das intenções do Governo em limitar a sua entrada (por Bruno Lopes, Luís Ribeiro e Inês Cardoso), e pela incontornável gripe suína (textos de Rute Araújo e Enrique Pinto-Coelho), ou a análise sobre o fantasma do Bloco Central, de Adriano Nobre. Ah, a cor, que atravessa todo o jornal e nos surpreende com páginas deliciosas, como a 32. Uma referência para os exclusivos do The New York Times, que pelos vistos vão continuar. Parece-me uma aposta ganha, apesar do enorme risco que é lançar um novo jornal em Portugal. Alea jacta est... e boa sorte.