Thursday, July 28, 2011

NOVAS PÁGINAS DA REPÚBLICA (11) - As eleições municipais de 1908 em Lisboa...

Tratarei hoje aqui das eleições municipais de 1908, na cidade de Lisboa. E vou falar destas eleições porque elas foram de enorme importância política para os republicanos, como iremos ver.

O ano de 1908 foi marcado por uma grande agitação política. No centro dessa tempestade encontrava-se João Franco, o “ditador”, como era apelidado pelos republicanos. Uma das suas decisões mais contestadas foi o adiamento, sem prazo definido, das eleições dos corpos administrativos (câmaras municipais e juntas paroquiais). No entanto, esta medida revelou-se infrutífera: no Conselho de Estado que se reuniu, logo após o Regicídio, sob a liderança do jovem rei D. Manuel, o vigor de João Franco foi substituído por um “ministério de acalmação”, chefiado pelo almirante Ferreira do Amaral – uma solução de compromisso, envolvendo ministros independentes e afectos aos partidos tradicionais, regenerador e progressista.

Além de anular as medidas mais repressivas do governo franquista, Ferreira do Amaral preocupou-se em restabelecer a normalidade constitucional, tomando 3 importantes decisões:

1.ª Chamou ao poder local os eleitos que João Franco afastara;

2.ª Dissolveu as cortes que o “ditador” encerrara no início do seu ministério, convocando eleições legislativas para o dia 5 de Abril (onde os republicanos obtiveram a sua melhor representação de sempre, com 7 deputados, mais 3 do que nas últimas eleições legislativas, realizadas em Agosto de 1906);

3.ª Comprometeu-se a realizar eleições locais em Novembro de 1908, efectivamente marcadas a 3 de Outubro: as eleições das câmaras municipais para o primeiro domingo de Novembro e as das juntas paroquiais para o último domingo do mesmo mês.

Os partidos monárquicos decidiram não apresentar listas de candidatos às eleições municipais em Lisboa, procurando, com isso, desvalorizar a provável vitória republicana, e também convictos da ilegalidade do acto eleitoral. Naturalmente, esta decisão marcou as eleições e toda a campanha que as antecedeu. Para o PRP a “greve” dos monárquicos constituía “uma flagrante violação do escrutínio” já que, grosso modo, inviabilizava o sentido secreto do voto.

Apesar do ambiente adverso e dos riscos, quer o PRP quer os socialistas (estes, por necessidade de afirmação política, embora sem expectativas de vitória), apresentaram as suas listas de candidatos a 16 de Outubro, e, a partir daqui, a campanha lá foi animando as páginas dos jornais e os bairros de Lisboa.

Os republicanos propunham aos lisboetas “um balanço exacto da situação financeira do município”, a organização dum “plano completo de administração municipal” e, por último, a “simplificação dos serviços, a brevidade do expediente, a eliminação de todas as formalidades inúteis, o asseio, o conforto, a beleza e sobretudo (…) a preparação da infância e da adolescência para as responsabilidades e os benefícios do futuro município democrático e republicano dentro do Estado republicano e democrático” (sublinhado nosso).

A 1 de Novembro de 1908 realizou-se o acto eleitoral, e, como era previsível, os republicanos obtiveram uma vitória esmagadora em Lisboa. Com uma participação de 9321 eleitores (cerca de 24% dos recenseados) o candidato republicano mais votado recebeu 9136 votos. Da votação resultou a eleição da primeira vereação inteiramente republicana na Câmara Municipal de Lisboa.

Simbolicamente, a vitória dos republicanos representava um valor acrescentado, pois tratava-se da conquista da capital. Politicamente, constituía uma oportunidade única para os republicanos mostrarem o que valiam no microcosmo autárquico, na administração da respublica, ensaiando, na capital, um projecto político de governo de âmbito claramente nacional – objectivo último da aposta política republicana na câmara de Lisboa.

PS. 1) Para saber mais sobre estas eleições, os seus resultados e significado político, Ver À Urna pela Lista Republicana de Lisboa! Centenário da Vereação Republicana em Lisboa. Catálogo da exposição. Lisboa: CML/DMC/GT - CMCR, 2009, 304 p.

PS. 2) A imagem que acompanha este texto é uma reprodução do óleo sobre tela "O Sufrágio" (1913), do pintor José Veloso Salgado, Col. Museu da Cidade - alegoria destas eleições municipais.

Wednesday, July 6, 2011

NOVAS PÁGINAS DA REPÚBLICA (10) - O Modernismo Literário...

No último post desta série de “páginas” sobre a I República vimos como o modernismo rompeu com os padrões naturalistas que ainda predominavam nas artes plásticas após o 5 de Outubro de 1910. Mas a ruptura não foi apenas nas artes; ela dá-se igualmente nas letras, sobretudo com o futurismo. O seu mais consistente defensor foi Fernando Pessoa, então um obscuro poeta e escritor, agente comercial num escritório da baixa lisboeta, inventor nas horas livres de personalidades imaginárias, heterónimos a que dá a autoria de muitos dos seus trabalhos. Será ele a fazer durante a I República a apologia do futurismo na forma teórico-literária, nomeadamente com Álvaro de Campos.

Outro poeta que vai alinhar na defesa do futurismo é Mário de Sá Carneiro, que, ao contrário dos pintores, resolve suportar a guerra na mais cosmopolita das cidades, Paris. Com o dinheiro da família, financia em 1915 os dois únicos números da revista Opheu, a mais forte afirmação modernista nacional. Pessoa e Sá-Carneiro são os directores do número 2, onde se torna clara a opção futurista na glorificação de uma literatura inspirada no progresso tecnológico, na maquinaria, na velocidade ou mesmo nas perturbações psíquicas.

Não contam, porém, com a reacção conservadora nem com a indiferença nacional, contra as quais acabam por esbarrar. O principal protagonista dessa reacção será o escritor Júlio Dantas, que, na Ilustração Portuguesa, menosprezará a saída de Oprheu. A resposta aparece em 1916 na extrema violência verbal do Manifesto Anti-Dantas e por Extenso, de Almada Negreiros, a mais radical condenação do academismo estético-literário em Portugal.

Pouco depois, o mesmo Almada Negreiros e Santa-Rita anunciam a criação do Comité Futurista de Lisboa, e em 1917, Almada apresenta no Teatro República, na capital, com grande espalhafato, o seu Ultimatum Futurista às gerações portuguesas do século XX. Segue-se o número único de Portugal Futurista, glorificando Santa-Rita mas reproduzindo também obras de Amadeo de Souza Cardoso e um texto de Álvaro de Campos – Mandado de Despejo aos Mandarins da Europa – que constitui o sustentáculo literário do futurismo nacional.

Talvez mais por provocação que por convicção, as ideias políticas dos futuristas, que vão desde o ultramonaquismo e reaccionarismo ao integralismo lusitano, chocam com tudo o que a República defende. Talvez por isso, no fim do decénio, a vanguarda portuguesa encontra-se pulverizada, como se nunca existisse ou não passasse de um mero equívoco. Resta a voz solitária de Pessoa, ele que em 1918 dissera que toda esta geração modernista “nenhuma influência” teve na vida portuguesa – “porque não há vida portuguesa”.

PS. No cimo, capa da revista Orpheu, 1 (1915).