O ano de 1908 foi marcado por uma grande agitação política. No centro dessa tempestade encontrava-se João Franco, o “ditador”, como era apelidado pelos republicanos. Uma das suas decisões mais contestadas foi o adiamento, sem prazo definido, das eleições dos corpos administrativos (câmaras municipais e juntas paroquiais). No entanto, esta medida revelou-se infrutífera: no Conselho de Estado que se reuniu, logo após o Regicídio, sob a liderança do jovem rei D. Manuel, o vigor de João Franco foi substituído por um “ministério de acalmação”, chefiado pelo almirante Ferreira do Amaral – uma solução de compromisso, envolvendo ministros independentes e afectos aos partidos tradicionais, regenerador e progressista.
Além de anular as medidas mais repressivas do governo franquista, Ferreira do Amaral preocupou-se em restabelecer a normalidade constitucional, tomando 3 importantes decisões:
1.ª Chamou ao poder local os eleitos que João Franco afastara;
2.ª Dissolveu as cortes que o “ditador” encerrara no início do seu ministério, convocando eleições legislativas para o dia 5 de Abril (onde os republicanos obtiveram a sua melhor representação de sempre, com 7 deputados, mais 3 do que nas últimas eleições legislativas, realizadas em Agosto de 1906);
3.ª Comprometeu-se a realizar eleições locais em Novembro de 1908, efectivamente marcadas a 3 de Outubro: as eleições das câmaras municipais para o primeiro domingo de Novembro e as das juntas paroquiais para o último domingo do mesmo mês.
Os partidos monárquicos decidiram não apresentar listas de candidatos às eleições municipais em Lisboa, procurando, com isso, desvalorizar a provável vitória republicana, e também convictos da ilegalidade do acto eleitoral. Naturalmente, esta decisão marcou as eleições e toda a campanha que as antecedeu. Para o PRP a “greve” dos monárquicos constituía “uma flagrante violação do escrutínio” já que, grosso modo, inviabilizava o sentido secreto do voto.
Apesar do ambiente adverso e dos riscos, quer o PRP quer os socialistas (estes, por necessidade de afirmação política, embora sem expectativas de vitória), apresentaram as suas listas de candidatos a 16 de Outubro, e, a partir daqui, a campanha lá foi animando as páginas dos jornais e os bairros de Lisboa.
Os republicanos propunham aos lisboetas “um balanço exacto da situação financeira do município”, a organização dum “plano completo de administração municipal” e, por último, a “simplificação dos serviços, a brevidade do expediente, a eliminação de todas as formalidades inúteis, o asseio, o conforto, a beleza e sobretudo (…) a preparação da infância e da adolescência para as responsabilidades e os benefícios do futuro município democrático e republicano dentro do Estado republicano e democrático” (sublinhado nosso).
A 1 de Novembro de 1908 realizou-se o acto eleitoral, e, como era previsível, os republicanos obtiveram uma vitória esmagadora em Lisboa. Com uma participação de 9321 eleitores (cerca de 24% dos recenseados) o candidato republicano mais votado recebeu 9136 votos. Da votação resultou a eleição da primeira vereação inteiramente republicana na Câmara Municipal de Lisboa.
Simbolicamente, a vitória dos republicanos representava um valor acrescentado, pois tratava-se da conquista da capital. Politicamente, constituía uma oportunidade única para os republicanos mostrarem o que valiam no microcosmo autárquico, na administração da respublica, ensaiando, na capital, um projecto político de governo de âmbito claramente nacional – objectivo último da aposta política republicana na câmara de Lisboa.
PS. 1) Para saber mais sobre estas eleições, os seus resultados e significado político, Ver À Urna pela Lista Republicana de Lisboa! Centenário da Vereação Republicana em Lisboa. Catálogo da exposição. Lisboa: CML/DMC/GT - CMCR, 2009, 304 p.