Wednesday, October 31, 2007
A Ibéria de Saramago
José Saramago voltou à tecla da Ibéria em entrevista recente no Diário de Notícias (28 de Outubro), pessimamente conduzida, diga-se. Desta vez de forma mais cautelosa pois lá reconheceu que em "primeiro lugar sou português. Em segundo lugar sou Ibérico. E em terceiro, se me apetece, serei europeu". Esclareceu também que não falava na Ibéria para "fazer provocações gratuitas só para vender papel ou só para que se fale no meu nome, para o bem ou para o mal". Ficamos mais sossegados. Reconheceu ainda, num acto de lucidez que só lhe fica bem, que a questão da Ibéria "tem que ver com um sentido histórico, e que eu admito até que não seja totalmente correcto". Esta dúvida levanta desde logo uma questão pertinente: se o escritor fala num "sentido histórico" contrário à sua Ibéria porquê a apologia da dita? Será para chatear o Dr. Cavaco, que não lhe pediu desculpas? Ou para provocar Sousa Lara, que lhe atacou o Evangelho Segundo Jesus Cristo? É um facto que Saramago foi alvo de censura literária e que isto, num país que se intitula democrático, é inaceitável. Mas será razão suficiente para defender "a criação de um novo país", através da fusão de Portugal com Espanha? Parece-nos que não. Há aqui um ajuste de contas com a história, precipitado, encapotado com argumentos pró-ibéria pouco sólidos e facilmente desmontáveis. Diz-nos o escritor que "não se pode negar é que aqui estamos. Eles e nós". Bom, mas desde quando a vizinhança geográfica é, no actual contexto europeu, critério para uma fusão entre dois países? Vamos fundir a Espanha e a França só porque estão lado a lado!!! Pede-nos ainda, aos políticos e aos cidadãos em geral, que se pense nos "destinos do seu país, no grau de dependência a que estamos a chegar, e cada vez mais". Mas qual é o destino do país? A união com Espanha, pelo "grau de dependência a que estamos a chegar"? É esta dependência económica motivo suficiente para uma "natural" integração de Portugal na Espanha? Não explica, ignorando por completo outros "graus" de dependência a que o país já esteve sujeito no passado, não perdendo a soberania por causa disso, bem como o fenómeno da globalização, e das suas implicações nos Estados, que são, simultaneamente, de maior abertura económica e social mas de reforço das questões culturais e identitárias. A confusão é ainda maior quando reconhece a perda de autonomia nacional nalgumas matérias, provocada pela integração europeia, mas não admite iguais consequências numa junção com o vizinho do lado. O que Saramago pretende mesmo é um novo país, a Ibéria, através da união luso-espanhola, a sua nova utopia, depois do comunismo. Mas além das fragilidades apontadas há uma outra que surpreende, para quem vive em Espanha, em Lanzarote, e, supostamente, está atento à evolução política recente. Ao mesmo tempo que Saramago desenterra o Iberismo assistimos, em Espanha, a um movimento contrário, de luta política por uma maior autonomia das províncias espanholas, como é o caso da Andaluzia e da Galiza, e mesmo de independência, na Catalunha e no país Basco. Assim sendo, que sentido faz a Ibéria? Para Saramago, todo. Para o escritor aquele movimento "não acredita muito em si mesmo" e, no fundo, não crê que a Catalunha "queira ser independente". Santa ingenuidade!!! Mas não acreditamos que Saramago esteja a falar a sério. O que interessa é levar a água ao seu moinho e, para isso, tudo serve, até os mais mirabolantes argumentos. O escritor faz tábua rasa de evidências e factos, no que à Espanha diz respeito, ignora por completo a história do Iberismo português, bem como nove séculos de história de criação, luta e consolidação de uma identidade nacional que não se apaga com delírios iberistas. Ora, é este passado que dá "legitimidade" ao conceito de identidade nacional. Esta torna-se, consequentemente, a consciência pública e comunicada da nação, na sua história, na sua cultura, no seu território e na missão que o país desempenhou e desempenha.
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