Saturday, June 30, 2007

Da primeira globalização, a portuguesa...


Nem só de más notícias vive a paróquia lusitana. Num esforço sem precedentes, com a colaboração da norte-americana Smithsonian Institution (SI), do Ministério da Cultura, da Presidência de Conselho de Ministros, dos Negócios Estrangeiros e da Economia, com o apoio de vários patrocinadores, desde fundações a bancos e grupos económicos, inaugurou, no passado dia 20 de Junho, em Washington, a exposição Encompassing the Globe: Portugal and the World in the 16th and 17th Century, a maior e mais ambiciosa exposição jamais organizada nas Galerias Freer e Sackler, e ainda no Museu Nacional de Arte Africana da SI. Esta exposição é também a mais significativa manifestação da presença cultural de Portugal nos Estados Unidos na última década. A visita à exposição é mais que obrigatória, ainda que não ao alcance de todos, infelizmente (porque não trazê-la para Portugal?). Durante o Verão a zona das galerias e do museu é visitada por mais de um milhão de turistas, pelo que muitos destes seguramente passarão pela exposição. A publicidade na cidade também ajudará, com fotografias da Torre de Belém no metro de Washington, filmes portugueses no cinema, discos nas lojas de música, provas de vinhos portugueses, numa ausência maratona promocional de Portugal e de sedução dos americanos pelas coisas lusitanas. Numa altura em que o tema da globalização e do diálogo de culturas e civilizações está na ordem do dia, esta exposição ganha uma importância acrescida, ao divulgar aquele que foi talvez o maior contributo de Portugal para a História Mundial: os Descobrimentos, e com eles o primeiro exercício de globalização à escala mundial. A mostra servirá também para esclarecer os equívocos americanos relativamente ao papel dos portugueses na criação do chamado Novo Mundo, por comparação com os espanhóis. Nos currículos escolares fala-se um bocado das viagens portuguesas ao longo da costa africana mas apenas porque isso conduziu à chegada de Vasco da Gama à Índia. Depois disso, nada, um imenso deserto. Portugal pura e simplesmente desaparece. Ora, como sabemos, os marinheiros portugueses aventuraram-se pelas águas internacionais para estabelecer uma rede comercial global que se estendia da Europa para o Brasil, África, o Golfo Pérsico, Índia, Sri Lanka, Indonésia, China e Japão. Este império marítimo ligou as civilizações de todos os continentes conhecidos até então, transformou o comércio e iniciou uma troca cultural sem precedentes. É precisamente sobre isto que a exposição se debruça, sobre o império comercial e marítimo estabelecido por Portugal a partir do século XVI, com particular destaque para os novos tipos de objectos artísticos que foram produzidos pela fenomenal rede de entrepostos comerciais que os portugueses criaram nesta altura. Como disse Jay Levenson aos jornais, um dos comissários, juntamente com Julian Raby, "em África, como na Índia ou no Japão e na China, os portugueses encomendaram obras de arte para o mercado europeu. Portugal estava na vanguarda da criação da arte mundial". Velhos tempos, que importa não esquecer. Estas obras de arte estão agora expostas, divididas por vários núcleos, com peças provenientes de mais de 100 museus e colecções privadas de dezenas de países. Entre as peças mais emblemáticas salientam-se raros mapa-múndi do século XVI de cartógrafos portugueses e florentinos, objectos de caça e utensílios de cozinha esculpidos em osso e madeira provenientes da África Ocidental e Central, imagens religiosas e estátuas em terracota do Brasil, instrumentos científicos fabricados por missionários jesuítas para a corte imperial chinesa ou uma série de objectos que outrora estiveram expostos nos chamados "gabinetes de curiosidade", ou “câmaras de maravilhas”, como também eram conhecidos, coleccionados por algumas das mais importantes casas reais ou ducais europeias como os Médicis, os Habsburgos ou a nossa D. Catarina de Bragança, mulher de D. João III. Das peças portuguesas encontramos o Ecce Homo, de finais do século XVI, ou o retrato de Afonso de Albuquerque, vice-rei da Índia, ambas do Museu Nacional de Arte Antiga de Lisboa. Enfim, um excelente retrato da primeira globalização, a "portuguesa", junto do actor máximo da actual globalização, a "americana".

Wednesday, June 27, 2007

Quem tem medo do referendo ao "novo" tratado europeu?


Pelos vistos todos, ou quase todos. Praticamente ninguém quer um referendo ao "novo" tratado da União Europeia. Já se percebeu que Cavaco não o quer. Sócrates também não, fazendo assim o contrário daquilo que consta no programa do governo. Mas a desfaçatez não fica por aqui. Parte da oposição está dividida, com um PS a várias vozes e um PSD partido entre barrosistas, mais papistas que o próprio papa, e a posição de Marques Mendes. Os argumentos contra o referendo são delirantes, como se fossemos todos estúpidos e não percebêssemos o que esta gente quer. Uns alegam que o tratado é "simplificado", logo, não vale a pena. Como não há profundas alterações "não há razões para haver referendo" (José Matos Correia). Mas ignora o ilustre deputado do PSD e antigo chefe de gabinete de Durão Barroso que este tratado "simplificado" não simplificou coisa nenhuma? Que o essencial da Constituição rejeitada há dois anos pela França e pela Holanda permanece? Que o emaranhado de disposições que hoje governam a Europa continuará? Que aquilo que importava resolver foi adiado para as calendas gregas? Como deputado não devia ignorar ou então toma-nos por parvos. Outros, do alto da sua sabedoria, invocam regras do direito internacional do século XVI para justificar o injustificável, neste caso a cambalhota do governo, como se o direito internacional fosse uma coisa estática e não evoluísse de acordo com as necessidades e mutações das sociedades. E acrescentam: "Temos que ser pragmáticos e ajudar o governo a concluir a tarefa para a qual foi investido pelo Conselho Europeu. Isto não é matéria partidária" (Martins da Crus, ex-MNE), como se os partidos não pudessem/devessem discutir estas coisas. A hipocrisia não fica por aqui, nem a vergonha, quando se afirma que "o referendo só é legítimo para as questões menores" (Sérgio Sousa Pinto, eurodeputado do PS). Questões menores? Mas vamos referendar o quê? O tamanho dos carapaus? Os implantes mamários? A inteligência de Sousa Pinto? Está tudo dito, e percebido. Esta gente, com a conivência de Cavaco e Sócrates, não quer discutir a Europa. Esta gente só quer uma Europa, a "sua" Europa, feita de um "pensamento único". Uma Europa fruto duma engenharia política sem pés nem cabeça, desligada da realidade, enredada numa burocracia kafkiana, sem legitimidade democrática. Contribuindo assim para um divórcio que poderá revelar-se fatal à Europa prudente dos pais fundadores. Como ultrapassar o crescente alheamento e até hostilidade das opiniões públicas face à UE? Como resolver a "ilegitimidade" democrática das suas instituições? Como resolver a opacidade do processo comunitário de decisão, que afasta as pessoas e afecta a imagem da UE? Como diminuir a abstenção nas eleições para o Parlamento Europeu? Como superar o patriotismo económico de Sarkozy? A resposta não está no chico-espertismo da generalidade das criaturas que nos governam ou emitem opinião, que preferem fazer as coisas pela calada, fugindo a sete pés do referendo. Como se a solução não estivesse aqui, na consulta popular, aproximando os cidadãos das instituições europeias, na discussão sem receio da Europa, no confronto das diferentes estratégias de pensamento político, na desmontagem da propaganda oficial. A vontade política dos povos e das nações merece mais respeito e outros políticos.

Thursday, June 14, 2007

É a Cultura (Municipal), Estúpido!


O último debate no S. Luis, intitulado "Quem vai mandar na cultura em Lisboa?", contou com a presença de Helena Freitas, independente pelo PS, David Ferreira, do Bloco de Esquerda, Manuela Júdice, da candidatura de Helena Roseta, Filipe Diniz, que não é candidato mas que representou a lista da CDU, Teresa Leal Coelho, pelo PSD, e Teresa Caeiro, do CDS, com moderação de Anabela Mota Ribeiro e Nuno Artur Silva. A lista de Carmona também foi convidada mas optou por não responder a tempo ao convite. Supostamente, uma destas criaturas será o (a) próximo(a) vereador(a) da cultura da edilidade lisboeta. Para mal dos nossos pecados, pelo que ouvimos. O debate tinha por objectivo conhecer as ideias dos candidatos para uma área que é cada vez mais importante na administração das cidades, a cultura. Mas o debate foi de uma pobreza confrangedora. Esperava-se, pelo menos, algum trabalho de casa e um conjunto articulado de ideias para a cultura municipal. Nem uma coisa nem outra. Os convidados lançaram para o ar projectos atrás de projectos, intenções sobre intenções, acompanhadas das banalidades do costume. Revelando, desta forma, um desconhecimento atroz da realidade cultural da CML, e mesmo financeira, o que explica, aliás, muitos dos disparates que ali foram ditos. Então não é que David Ferreira, por exemplo, advogava a reabertura do Museu Rafael Bordalo Pinheiro!!! Pois é, tal e qual!!! O dito museu foi reaberto em 2005, aquando do centenário da morte do caricaturista, mas sempre podemos reabri-lo outra vez, para gáudio do candidato do Bloco para a Cultura. Manuela Júdice, por seu lado, lamentava a ausência de actividade no Cinema S. Jorge!!! Pois é, tal e qual!!! Faça-se justiça: das poucas coisas de relevo realizadas pelo actual executivo na área da cultura a quase reabilitação do S. Jorge foi uma delas, dotando este equipamento de uma programação de qualidade na área do cinema, o que é de todo desconhecido para a candidata de Helena Roseta. Outros lamentavam-se da falta de roteiros culturais, da percepção da actividade cultural do município, do excesso de automóveis, da falta de passeios, demonstrando uma ignorância de bradar aos céus pelo que é a cultura municipal, pelo que foi feito, pelo que não foi feito, pela orgânica da dita, enfim, deixando a plateia literalmente siderada pelo que brotava daquelas cabeças. Sabemos que a coisa ainda agora começou mas tamanho desconhecimento dos dossiês não augura nada de bom. Então quando o debate tentou subir de nível a impreparação revelou-se em todo o seu esplendor. Nenhum dos candidatos ainda percebeu que, ao lado dum diagnóstico rigoroso da situação cultural da CML, que naturalmente pressupõe o conhecimento da sua orgânica, dos seus equipamentos e actividade, das suas necessidades prementes, e já agora das muitas dívidas aos fornecedoras, impõe-se a definição de uma política cultural para a cidade. E que política deve ser esta? Uma política mais intervencionista, com projectos e/ou programas próprios, protagonizados pela CML? Deve esta, numa linha mais liberal, tratar apenas das suas "pedras", isto é, do seu património e serviços? Ou, pelo contrário, optar por uma política meramente facilitadora de apoios e subsídios, atribuídos com critério, e sujeitos a uma rigorosa avaliação dos resultados? Uma combinação das três? Sobre isto pouco ou nada de substantivo disseram, como se estas não fossem as questões centrais que importa esclarecer antes de definir qualquer projecto ou programa político para a cultura municipal. Só depois disto se poderá pensar num programa, com uma adequada oferta cultural à cidade, às pessoas que vivem nela, ajustado à melhor orgânica para o executar, com o dinheiro disponível, que, como sabemos, não abunda. A sensação que ficou foi a de novo paraquedismo político, desta vez na cultura. A ver vamos...