Monday, June 22, 2009

Ralf Dahrendorf, o "sociólogo do conflito"


Morreu na semana passada (18 Jun) um dos mais influentes pensadores do século XX, Ralf Dahrendorf (1929-2009). Cheguei à obra da RD, como a tantas outras, através de Jorge Borges de Macedo, logo em 1995, no meu primeiro ano como assistente dele na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Católica Portuguesa, na cadeira de História Económica I. E cheguei através do clássico "Class and Class Conflict in Industrial Societies", publicado em 1959, de leitura "obrigatória" para a bibliografia que então redigimos para os alunos dos cursos de Gestão e de Economia.
Algumas notas biográficas: RD nasceu em Hamburgo, em 1929, filho de Gustav Dahrendorf, líder do Partido Social Democrata durante a República de Weimar e resistente ao Nazismo. Em Novembro de 1944, com apenas 15 anos, foi preso pela Gestapo e enviado para um campo de concentração. Foi libertado no ano seguinte, com a chegada das tropas soviéticas a Berlim. O pai, que já tinha sido detido em 1933, 1938 e 1944, voltou à prisão, desta vez na Alemanha do Leste, em 1946, por ter recusado participar nas negociações com vista à unificação forçada do Partido Social Democrata com o Partido Comunista. RD licenciou-se e doutorou-se em Filosofia pela Universidade de Hamburgo. Em 1952 foi para Inglaterra, para a London School of Economics, doutorando-se aqui pela segunda vez, em Sociologia, sob a égide de Karl Popper. Regressou à Alemanha e ingressou no Instituto de Investigações Sociais de Frankfurt, no qual se manteria por muito pouco tempo, dada a opressão intelectual imposta pelos neomarxistas seguidores de Adorno e Horkheimer. Virou-se para a política, liderando a renovação do Partido Liberal alemão, que culminou na coligação entre liberais e sociais-democratas, no governo de Willy Brandt - Walter Scheel, de que RD fez parte como ministro dos assuntos parlamentares. De 1970 a 1974, foi comissário alemão na Comissão Europeia, em Bruxelas, participando activamente nas negociações da adesão da Inglaterra. De 1974 a 1984, dirigiu a LSE, restituindo-lhe o prestígio que entretanto perdera. Regressou novamente à Alemanha, em 1985 e 1986, para dar aulas na Universidade de Konstanz. Em 1986, vamos encontrá-lo novamente em Inglaterra, como reitor do S. Anthony´s College da Universidade de Oxford, onde esteve até 1997. No ano seguinte, adquiriu a cidadania britânica, sem abdicar da alemã. Ingressou na Câmara dos Lordes em 1994, dirigindo o célebre comité sobre "Criação de riqueza e coesão social numa sociedade livre", uma das fontes de inspiração do New Labour , de Tony Blair.
Algumas notas sobre o seu pensamento político: desde logo o comprometimento de RD com a causa da liberdade, fruto da experiência precoce com dois totalitarismos, o Nazismo e o Comunismo, que lhe permitiu ainda observar que não existe liberdade sem lei, regras e sem instituições capazes de aplicar essas regras; daqui decorrerá, em "Law and Order", e, muito posteriormente, em "After 1989: Morals, Revolution and Civil Society" (1997), quer a crítica do sonho de Rousseau de um mundo sem constrangimentos quer a crítica do igualitarismo e do relativismo - na mesma linha, deve ser entendida a sua concepção de "singularidade da verdade": “Falar da singularidade da verdade é uma outra forma de afirmar que existem princípios universais, não apenas no que respeita ao conhecimento mas também em relação à moral. Não poderemos nunca, contudo, ter a certeza de os haver encontrado. Por conseguinte, devemos ser tão cautelosos relativamente ao dogmatismo fundamentalista como em relação à libertinagem dos relativistas”; depois, em 1959, com "Class and Class Conflict in Industrial Societies", talvez a sua mais importante obra, expõe a sua chamada "sociologia do conflito", por oposição às principais teorias de estratificação social então defendidas: "O monismo totalitário baseia-se na ideia de que o conflito pode e deve ser eliminado, de que uma ordem social e política homogénea e uniforme é a situação desejável. Essa ideia é tão perigosa quanto errónea nas suas premissas sociológicas. Pelo contrário, o pluralismo das sociedades livres baseia-se no reconhecimento e na aceitação do conflito social"; depois ainda, resultado da sua passagem pela Comissão Europeia, tornou-se "um europeísta convicto, mas um europeísta de tipo especial, céptico relativamente aos grandes projectos federadores e à subestimação das realidades profundas do Estado-nação", defendendo ainda o alargamento da União Europeia aos países recém-libertados das ditaduras comunistas; finalmente, além de cultivar a liberdade e o pluralismo, RD deu mais importância à limitação dos poderes do governo do que à necessidade de lhes garantir "força" para realizarem reformas, fossem elas quais fosse. Para RD, qualquer democracia tinha de cumprir 3 condições: "Que é possível mudar de governo sem violência; que existe um sistema de pesos e contrapesos capaz de limitar o poder a quem o detém e, por fim, tal regime deve assegurar que o povo tem sempre direito a exprimir-se."Em suma, RD é portador de um "liberalismo especial", como escreveu João Carlos Espada num ensaio que lhe dedicou no jornal "i": um liberalismo "aberto à mudança, mas respeitador da tradição; a favor da escolha individual mas contra o individualismo desbragado; firmemente do lado dos mercados livres e da propriedade privada, mas oposto à destruição do "terceiro sector", que o autor encara como indispensável a uma sociedade civil forte".

Monday, June 15, 2009

Voto obrigatório?


Tinha pensado escrever sobre a abstenção, a grande vencedora das eleições europeias de 7 de Junho. Mas como praticamente já tudo foi dito abalanço-me, não sobre o manifesto desinteresse dos europeus em geral pela Europa, mas sobre a proposta que foi apresentada pelo presidente do Governo Regional dos Açores, Carlos César, para combater a abstenção nas eleições. E que proposta foi essa? Nada menos do que a instauração do voto obrigatório! Logo no rescaldo do acto eleitoral, César atirou: "O voto deve ser uma obrigação de todos os cidadãos e como tal deve ser consagrada na lei. Isto deve ser acautelado para acautelar também a qualidade da nossa democracia". Mais recentemente, apelidou de "estúpido" o que se passou com o índice de abstenção nas eleições europeias, que, em Portugal, como sabemos, atingiu os 63%. Se somarmos a este valor o valor dos votos brancos e nulos, 4,6% e 2% respectivamente, ficamos com uma ideia mais nítida do "interesse" que, por cá, o projecto europeu suscita. Entretanto, a César juntaram-se outras vozes da cena política portuguesa que, pelos vistos, pretendem alterar a realidade por decreto.
Mas voltemos ao voto obrigatório. Se não foi lançada para desviar as atenções do colapso socialista, então a proposta do voto obrigatório enferma, em nosso entender, de vários problemas. Desde logo, para justificá-lo, não nos parece eticamente correcto responsabilizar os eleitores pela elevada abstenção nas eleições europeias. Que tem feito a Europa para os mobilizar? Que tem feito a Europa para diminuir o fosso que separa a inexplicável burocracia das suas instituições das reais necessidades e problemas dos seus cidadãos? Que tem feito a Europa nas etapas e processos decisivos da sua construção, política e económica? Não os tem ignorado sistematicamente? Não seria de começar precisamente por aqui? Não estará naquela "atitude" a principal explicação para a falta de comparência política dos eleitores europeus? Não será preferível identificar e combater os factores que não estão a mobilizar os eleitores para o voto? A resolver o problema, o voto obrigatório resolverá a causa do problema? Não estarão os eleitores sinceramente revoltados com a política e os políticos? Não terá a abstenção um significado político?
Por outro lado, quando introduzido nas democracias ocidentais, como foi o caso do Luxemburgo, Bélgica ou Grécia, o voto obrigatório não trouxe consigo aumentos significativos da participação eleitoral. Nem mesmo onde é grande o grau de severidade das penas associadas ao não cumprimento (multas, perda de benefícios fiscais, não emissão de documentos importantes, como o BI ou o passaporte, e mesmo prisão, nas piores situações). Nalguns países, até, o voto obrigatório teve um efeito pernicioso nos partidos, que passaram a fazer ainda menos para mobilizar o eleitorado.
Uma melhor solução será sem dúvida a formação do interesse pela política na escola, de modo a que esse interesse se traduza depois numa maior participação eleitoral. Ou a arranjos nos sistemas eleitorais, introduzindo uma maior capacidade de escolha dos representantes, actualmente confinada aos partidos. Enfim, a par da resposta às perguntas acima enunciadas, as soluções são mais que muitas.
Finalmente, há uma questão de principio, que tem a ver com a liberdade individual de cada um, e na qual o Estado não deve interferir. Neste caso, a liberdade de não votar...

Friday, June 5, 2009

Do Retrato Político


Inaugurou ontem em Lisboa a exposição temporária "Ombro a Ombro: Retratos Políticos", que, em boa e pertinente hora, o MUDE - Museu do Design e da Moda, trouxe a Portugal. Acrescento pertinente dado o contexto de eleições europeias, pois, se por um lado, a exposição mostra-nos a importância da imagem e do design gráfico na construção do discurso político contemporâneo, por outro, também nos confronta com a pobreza franciscana da imagem e do marketing político dos actuais partidos políticos portugueses. Paradigmático do que acabo de referir são os cartazes políticos que são/foram utilizados nestas eleições europeias, onde é notório o mau gosto, a falta de qualquer sentido estético da política, certo provincianismo, enfim, um amadorismo geral que não se compadece de todo com a importância do acto político, e da oportunidade criada para aproximar os cidadãos da política. Será assim também lá fora? Mas voltemos à exposição, que reúne 250 cartazes provenientes, na sua maioria, do Museu de Design de Zurique, que detém a maior colecção mundial de posters (c. de 350.000 exemplares). E lá temos os "clássicos, de Che Guevara, Mussolini, Estaline, Mao, De Gaulle, Kennedy, até aos mais recentes, da chanceler Merkel ou de Obama. A par de algumas raridades, como "Adolfo, o Super-Homem que engole ouro e cospe latão", de John Heartfield, que é um ataque feroz a Adolf Hitler, de 1932, ou a valiosa fotomontagem de Gustav Klucis "Sob a bandeira de Lenine para construir o Socialismo", datada de 1930. A exposição é complementada com cartazes portugueses de Salazar, Cunhal, Soares, Eanes, Sá Carneiro, entre outros, emprestados pela Biblioteca Nacional, Torre do Tombo, Comissão Nacional de Eleições, Arquivo Municipal de Lisboa e Universidades de Aveiro e Coimbra - núcleo que poderia ser substancialmente melhorado com o recurso a colecções particulares (assim de repente, lembro-me da preciosa colecção de cartazes políticos de José Pacheco Pereira, na sua casa-museu-biblioteca-arquivo da Marmeleira). Há outras surpresas, que não revelo aqui, mas nada como revisitarmos os truques do marketing político usados pelas democracias e ditaduras do século XX para nos convencerem da bondade e das virtudes dos respectivos regimes políticos. Ainda por cima, num espaço fantástico, o antigo Banco Nacional Ultramarino, onde o contraste entre as paredes descarnadas e as estruturas expositivas funciona na perfeição, num registo contemporâneo e "transformador" que surpreende pela positiva. Para mais tarde recordar, ou estudar, não pode deixar de trazer o catálogo, cujo único senão são os 30€. Razões de sobra para não perder esta exposição...