Wednesday, August 3, 2011

NOVAS PÁGINAS DA REPÚBLICA (12) - A vereação republicana da câmara de Lisboa (1908)

No último post escrevi sobre as eleições municipais de 1908, em Lisboa, e do significado político da vitória do Partido Republicano Português (PRP). Esta traduziu-se na eleição, pela primeira vez na história da câmara alfacinha, duma vereação constituída apenas por candidatos republicanos. Mas quem eram estes candidatos republicanos?

A lista da vereação republicana espelhava bem a base social de apoio do PRP, assente no pequeno comércio, na pequena indústria, no operariado, nas profissões liberais e intelectuais e na burocracia estatal. Encabeçada por essa figura de aristocrata de grande prestígio intelectual e moral que era Anselmo Braamcamp Freire, futuro presidente da Assembleia Nacional Constituinte e do Senado da República, na lista avultavam nomes como o do comerciante Francisco Grandella, do arquitecto Ventura Terra, do advogado Cunha e Costa, dos professores Miranda do Vale e Veríssimo de Almeida e do engenheiro civil e capitão do Exército Tomás Cabreira. Destes, Anselmo Braamcamp Freire, Francisco Grandella, Ventura Terra e Tomás Cabreira foram os que mais se destacaram na vereação.

Anselmo Braamcamp Freire, filiado no partido republicano desde 1907, assume a vice-presidência da câmara de Lisboa a 30 de Novembro de 1908. Até 1910 teve como principal preocupação sanear as finanças do município, aspecto que, na sua opinião, colocava Lisboa numa “situação vergonhosa, deprimente e vexatória de se ver perseguida pelos seus credores, enxovalhada nos tribunais”. A partir da revolução de 5 de Outubro de 1910 Braamcamp Freire ocupa a presidência da câmara, cargo que terá sido fulcral para a sua rápida ascensão política: é eleito deputado no ano seguinte, e, a 20 de Junho, presidente da Assembleia Nacional Constituinte.

Francisco Grandella, eleito pelo 3.º círculo de Lisboa, manteve-se na câmara até 16 de Maio de 1912, data em que pediu a resignação do mandato. Durante este período, Grandella conseguiu ver aprovadas várias propostas suas para o espaço público, com especial destaque para as relativas à limpeza urbana e segurança pública, à mendicidade, ao combate ao vandalismo, ao tratamento dos animais pelos cocheiros, à toponímia e à remodelação da Praça do Comércio. Empenhou-se ainda na realização das comemorações do primeiro aniversário da República. Francisco Grandella possuía do exercício de vereador republicano uma ideia de out-sider face ao que apelidava de “vereação aristocrática” e inoperante pelo tempo desperdiçado em assuntos que seriam da competência dos funcionários municipais, o que relegaria para segundo plano os temas essenciais e estratégicos.

Miguel Ventura Terra, eleito pelo 2.º círculo, manteve uma prestação longa e regular na câmara até 30 de Janeiro de 1913. Foi um dos defensores da necessidade de haver um plano geral para a cidade, para que esta não fosse vista de uma forma fragmentada. A visão geral da cidade, compartilhada por parte significativa dos eleitos, é o suporte para alguns projectos concretos que são lançados por Ventura Terra, como a sua tentativa para desbloquear o impasse das obras do Parque Eduardo VII, bem como de um conjunto vasto de propostas em diferentes áreas do quotidiano, com base numa visão estética e higienista da cidade, de influência externa, que evoluía desde o século XX noutros países europeus, designadamente na Alemanha, em França e Inglaterra.

Tomás Cabreira, eleito pelo 1.º círculo, destacou-se sobretudo pelas propostas que fez para a construção de bairros operários, de balneários públicos, e de um Museu Municipal Histórico, à semelhança do que existia no estrangeiro.

A acção destes republicanos à frente da câmara de Lisboa tornou-se, assim, num dos mais importantes instrumentos de propaganda do seu partido, enquanto símbolo bem visível do que poderia ser a administração da República no país.

PS. 1) Para saber mais sobre estas eleições, os seus resultados e significado político, Ver À Urna pela Lista Republicana de Lisboa! Centenário da Vereação Republicana em Lisboa. Catálogo da exposição. Lisboa: CML/DMC/GT - CMCR, 2009, 304 p.

PS. 2) A "galeria" que acompanha este texto foi publicada na Ilustração Portuguesa, N.º 142 (9 Nov. 1908), p. 649.