Wednesday, October 31, 2007

A Ibéria de Saramago

José Saramago voltou à tecla da Ibéria em entrevista recente no Diário de Notícias (28 de Outubro), pessimamente conduzida, diga-se. Desta vez de forma mais cautelosa pois lá reconheceu que em "primeiro lugar sou português. Em segundo lugar sou Ibérico. E em terceiro, se me apetece, serei europeu". Esclareceu também que não falava na Ibéria para "fazer provocações gratuitas só para vender papel ou só para que se fale no meu nome, para o bem ou para o mal". Ficamos mais sossegados. Reconheceu ainda, num acto de lucidez que só lhe fica bem, que a questão da Ibéria "tem que ver com um sentido histórico, e que eu admito até que não seja totalmente correcto". Esta dúvida levanta desde logo uma questão pertinente: se o escritor fala num "sentido histórico" contrário à sua Ibéria porquê a apologia da dita? Será para chatear o Dr. Cavaco, que não lhe pediu desculpas? Ou para provocar Sousa Lara, que lhe atacou o Evangelho Segundo Jesus Cristo? É um facto que Saramago foi alvo de censura literária e que isto, num país que se intitula democrático, é inaceitável. Mas será razão suficiente para defender "a criação de um novo país", através da fusão de Portugal com Espanha? Parece-nos que não. Há aqui um ajuste de contas com a história, precipitado, encapotado com argumentos pró-ibéria pouco sólidos e facilmente desmontáveis. Diz-nos o escritor que "não se pode negar é que aqui estamos. Eles e nós". Bom, mas desde quando a vizinhança geográfica é, no actual contexto europeu, critério para uma fusão entre dois países? Vamos fundir a Espanha e a França só porque estão lado a lado!!! Pede-nos ainda, aos políticos e aos cidadãos em geral, que se pense nos "destinos do seu país, no grau de dependência a que estamos a chegar, e cada vez mais". Mas qual é o destino do país? A união com Espanha, pelo "grau de dependência a que estamos a chegar"? É esta dependência económica motivo suficiente para uma "natural" integração de Portugal na Espanha? Não explica, ignorando por completo outros "graus" de dependência a que o país já esteve sujeito no passado, não perdendo a soberania por causa disso, bem como o fenómeno da globalização, e das suas implicações nos Estados, que são, simultaneamente, de maior abertura económica e social mas de reforço das questões culturais e identitárias. A confusão é ainda maior quando reconhece a perda de autonomia nacional nalgumas matérias, provocada pela integração europeia, mas não admite iguais consequências numa junção com o vizinho do lado. O que Saramago pretende mesmo é um novo país, a Ibéria, através da união luso-espanhola, a sua nova utopia, depois do comunismo. Mas além das fragilidades apontadas há uma outra que surpreende, para quem vive em Espanha, em Lanzarote, e, supostamente, está atento à evolução política recente. Ao mesmo tempo que Saramago desenterra o Iberismo assistimos, em Espanha, a um movimento contrário, de luta política por uma maior autonomia das províncias espanholas, como é o caso da Andaluzia e da Galiza, e mesmo de independência, na Catalunha e no país Basco. Assim sendo, que sentido faz a Ibéria? Para Saramago, todo. Para o escritor aquele movimento "não acredita muito em si mesmo" e, no fundo, não crê que a Catalunha "queira ser independente". Santa ingenuidade!!! Mas não acreditamos que Saramago esteja a falar a sério. O que interessa é levar a água ao seu moinho e, para isso, tudo serve, até os mais mirabolantes argumentos. O escritor faz tábua rasa de evidências e factos, no que à Espanha diz respeito, ignora por completo a história do Iberismo português, bem como nove séculos de história de criação, luta e consolidação de uma identidade nacional que não se apaga com delírios iberistas. Ora, é este passado que dá "legitimidade" ao conceito de identidade nacional. Esta torna-se, consequentemente, a consciência pública e comunicada da nação, na sua história, na sua cultura, no seu território e na missão que o país desempenhou e desempenha.

Monday, October 29, 2007

Recortes de Imprensa: "Fazer Fitas", de Alberto Gonçalves


"Entrevistada na rádio, ouvi uma responsável do DocLisboa jurar que a edição deste ano era uma «bomba». Não sendo uma expressão literal, certo é que o festival partilha os alvos com boa parte do terrorismo em voga: os Estados Unidos em geral e a Adminstração Bush em particular foram o saco de pancada dos talentos em exibição. Houve (ou ainda há) um filme sobre o mal que os americanos fazem ao ambiente e ao planeta em geral. Outro sobre o mal que os americanos fazem ao Afeganistão. Um terceiro sobre o mal que os americanos fazem ao Iraque. Um quarto sobre o mal que os americanos fazem aos terroristas inocentes. Um quinto sobre o mal que os americanos brancos fazem aos americanos pretos de Nova Orleães. Um sexto sobre o mal que os americanos ricos e saudáveis fazem aos pobres e doentes e sem acesso a cuidados médicos. Etc. Ao que me contaram, o único documentário simpático para com os americanos versava uns pândegos que praticam sexo com cavalos. Excepto pelo bestialismo, a América é uma barbárie, que o DocLisboa faz muito bem em expor. Parabéns à organização. Parabéns a nós, contribuintes, que a subsidiamos. E parabéns reforçados aos corajosos autores das peças acima. Hoje, não há nada tão em voga quanto um realizador americano «independente» ou «alternativo», dos que criticam o sistema por fora para se distinguirem daqueles que, em Hollywood, criticam o sistema por dentro mas com os mesmos argumentos, frequentemente a oscilar entre a meia verdade e o delírio inteiro. Por mim, tudo bem. Os que odeiam a América e prosperam na América à custa do seu ódio são a maior confirmação da liberdade do país, uma ironia que, apesar de pesada, é inalcançável pelas toldadas cabecinhas do DocLisboa e pelo público que ambiciona entender o mundo através das fitas. Mas não, suspeito, pelos valentes criadores que enriquecem a fazê-las." (DN, 23/X/2007)

Wednesday, October 24, 2007

A leitura em Portugal


Duma assentada foram ontem apresentados, na Gulbenkian, no âmbito da I Conferência do Plano Nacional de Leitura (PNL), 3 estudos: Hábitos de Leitura da População Portuguesa, do Observatório das Actividades Culturais, Hábitos de Leitura da População Escolar, feito pelo Centro de Estudos dos Povos e Culturas de Expressão Portuguesa, da Universidade Católica, e Avaliação Externa do Plano Nacional de Leitura, contributo do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia, do ISCTE. E o que ficámos a saber?
Do primeiro estudo: parece que as mudanças são positivas, pois os não leitores passam de 12% (dados de 1997) para 5%. Portanto, temos um aumento de 7%. Em 10 anos, sabe-nos a pouco, e é insuficiente, quando comparado com outros países europeus. Para esta alteração muito contribuiu o número de leitores de jornais e revistas, que cresceu 20%, e de pequenos leitores. No que toca ao perfil dominante, temos um leitor mais à vontade com os periódicos, pouco exigente, que gosta sobretudo de livros práticos, com leituras "parcelares". Há boas notícias relativamente aos efeitos da socialização primária, onde predomina a "reprodução", isto é, dá-se leitura quando se recebe incentivos à leitura, o que acontece, segundo os especialistas, quando o capital escolar está consolidado na família. Há más notícias quando a leitura é comparada com outras práticas, com destaque para os "tempos televisivos" em detrimento da leitura.
Do segundo estudo, dos Hábitos de Leitura da População Escolar, que abrangeu todos os ciclos do ensino básico, e o ensino secundário, ficámos a saber que, no 1.º ciclo, há uma atitude muito favorável à leitura (61% gosta muito de ler), com os entrevistados a revelarem ainda que os pais costumam ler com eles (72%); no 2.º ciclo a percentagem dos que gostam muito de ler baixa para 41%, com a família em plano de destaque na construção do gosto e na criação de hábitos de leitura; no 3.º ciclo o gosto pela leitura diminui, duma forma geral (49% gosta de ler de vez em quando); no secundário, os que lêem de vez em quando sobem para 49%, e aparecem pela primeira vez os "viciados em leitura", ainda que poucos (3%, para os rapazes, e 6% para as raparigas). Ou seja, à medida que crescem, os estudantes tornam-se leitores menos entusiasmados, o que não augura nada de bom. O mistério da adolescência torna-se ainda mais misterioso.
Finalmente, da avaliação ao PNL, ainda numa fase experimental, os resultados são globalmente positivos: os destinatários (escolas, bibliotecas escolares, alunos e professores) aderiram em peso; as escolas compraram mais livros; as bibliotecas públicas também deram o seu contributo; a sociedade civil apareceu (Gulbenkian, empresas, universidades, etc.); há progressos notórios no domínio da leitura; as redes pré-existentes (das bibliotecas escolares e das bibliotecas públicas) foram fundamentais na implementação do PNL; o estado deu o dinheiro que era suposto dar (pouco, para alguns); excelentes lideranças. Tudo boas notícias. Mas esta avaliação é ainda precoce e, na prática, pouco significa. Daqui a 40 anos, como disse um dos conferencistas (Scott Murray), lá aparecerão os primeiros resultados, e então, aí sim, se poderá fazer uma análise custo/benefício do PNL e do dinheiro público que foi gasto com ele. Por outras palavras, se trouxe ou não benefícios económicos e sociais tangíveis para o desenvolvimento do país: aquisição de competências, produtividade, criação de riqueza, entre outros. A ver vamos...

Monday, October 22, 2007

O Tratado de Lisboa


Foi um fim-de-semana em cheio: rezam as crónicas, que a farra foi até às três da manhã, no Parque das Nações. Portugal, como bom aluno que é, reconheça-se, lá cumpriu o trabalho de casa alemão. Porreiro, pá! Para glória da pátria, de Sócrates e do Sr. Barroso. Parece, portanto, que vamos ter um novo tratado, que alguns apelidam de reformador, enquanto outros falam do tratado possível. Mas o que espanta é a forma como o dito é "vendido" aos portugueses, com a conivência da generalidade da comunicação social. Como se este tratado não tivesse nada a ver com a defunta constituição, rejeitada, em boa hora, pela França e Holanda. Como se este tratado não fosse prejudicial aos pequenos países e seus interesses, como é caso de Portugal. Referendos, nem vê-los, apesar das promessas eleitorais e programas de governo. Para os iluminados cá do burgo, basta a ratificação do Parlamento, à revelia do povo, que, argumentam, já está representado na câmara. Os críticos, esses "nacionalistas" sem vergonha, que se calem. Mas na prática, importa lembrá-lo, o que este tratado consagra, ou vai consagrar, é o seguinte:
- o reforço do Conselho de Ministros, em detrimento da Comissão Europeia, tradicionalmente vista como a "advogada" dos pequenos, ou seja, o reforço dos Estados mais populosos;
- a criação do novo cargo de presidente fixo do Conselho Europeu que vai substituir, a partir de 2009, as presidências semestrais rotativas entre todos os países, isto é, desaparece da vida comunitária o melhor símbolo da igualdade entre os Estados;
- a "dupla maioria" (55% de Estados representando 65% da população) no sistema de decisões do Conselho de Ministros da UE, que acaba com o velho método de votos ponderados atribuídos a cada país consoante a sua dimensão, "e que garantia a sobre-representação dos mais pequenos em nome do equilíbrio entre os princípios da igualdade entre os Estados e da representação democrática" (Portugal, que no sistema de votos ponderados pesava 3,47%, passa a "valer" apenas 2,14%, enquanto a Alemanha, que tinha 8,4%, passará a pesar o dobro, com 16,75% do total dos Vinte e Sete);

A substituição de uma regra implícita de unanimidade por regras de maioria qualificada significará a criação de uma Nova Europa (leia-se, dos mais fortes/ricos) dentro da Europa, com a formação das famosas "minorias de bloqueio". Com a aplicação do novo tratado, uma união, por exemplo, entre a Alemanha, o Reino Unido, a Holanda e a Suécia, será suficiente para bloquear qualquer decisão dos mais pequenos. Para os países fortemente dependentes das ajudas comunitárias, como Portugal, a maioria qualificada vai doer muito, pois vai. E assim se manda para as urtigas a Europa de Monnet e Schumann, uma Europa onde todos se deviam sentir iguais, como as regras que agora foram alteradas procuravam preservar. Isto, que devia ser dito e discutido, fica para as calendas gregas. Assim sendo, para quê um referendo? Que chatice...

Friday, October 19, 2007

Jornalismo e História


Este é o tema do último número (9; 2006) da Media e Jornalismo, revista do Centro de Investigação Media e Jornalismo. Dedicado à História da Imprensa, tem por objectivo "dar a conhecer, valorizar e estimular a investigação na área da história dos media e do jornalismo". Apresenta, assim, um conjunto de estudos, com assuntos e abordagens diversas, "no sentido de sublinhar que o estudo do passado apoia o conhecimento do presente, que nenhuma interpretação é definitiva, que a história contempla e integra a diversidade das interpretações, recorrendo a diversas fontes e metodologias" (do editorial).

Em "Os jornalistas no Marcelismo - dinâmicas sociais e reinvindicativas", Ana Cabrera analisa as alterações na profissão que se avolumaram nos anos sessenta. Através do uso de bases de dados e de metodologias quantitativas, de entrevistas, cruzadas com interpretação de diversos documentos, a autora apresenta a evolução da classe ao longo de catorze anos (1960-1974) assinando a forma como o aumento da demanda de mão-de-obra conduziu ao rejuvenescimento das redacções, à aplicação de novos métodos de trabalho e a muita inovação nos jornais. Demonstra ainda como uma nova geração mais habilitada, com frequência universitária e experiência nos Movimentos Associativos da década de sessenta, forçou uma viragem no processo reinvindicativo dos jornalistas, bem como na organização sindical.

No artigo "Anos 60: um período de viragem do jornalismo português" Carla Baptista e Fernando Correia apresentam alguns resultados de uma investigação, intitulada "Memórias do Jornalismo", que consistiu na recolha e tratamento de testemunhos orais de profissionais - jornalistas e tipógrafos. Os contributos das entrevistas são analisados em função dos percursos profissionais e do contexto histórico em que ocorreram. Os autores descrevem o processo de trabalho, a hierarquia na redacção, as relações profissionais e as restrições que a censura impunham aos jornais e às actividades dos jornalistas, identificando os anos sessenta como um período de viragem no jornalismo português em virtude do rejuvenescimento dos quadros e consequentes mudanças na liderança das redacções.

Em "Revistas políticas no Estado Novo: uma primeira aproximação histórica ao problema", Álvaro Costa de Matos parte de uma selecção de seis revistas publicadas durante o Estado Novo. Num primeiro grupo as revistas são claramente políticas como é o caso do Integralismo Lusitano, Tempo Presente e o Tempo e o Modo; num segundo conjunto a selecção recaiu em revistas literárias e económicas, que naturalmente não deixam de ser políticas, como é o caso do O Ocidente, a Vértice e a Revista de Economia. Cada revista é apresentada segundo as linhas ideológicas, os conteúdos e os seus colaboradores. O autor conclui que apesar do regime censório, o Estado Novo não era um regime monolítico e permitia mesmo, quer à direita, quer à esquerda a existência de publicações cujos conteúdos eram críticos, salvaguardando, embora, a descrição e a subtileza das críticas, bem como a não inclusão de autores proibidos.

Joaquim Cardoso Gomes no artigo "Álvaro Salvação Barreto: oficial e censor do salazarismo" faz uma biografia do Tenente-Coronel de artilharia que foi responsável pela edificação da máquina da censura em Portugal. A acção deste militar fez-se sentir entre 1928 e 1944. O texto apresenta as diversas etapas do estabelecimento da censura, quer ao nível da máquina organizacional, quer ao nível do seu pessoal político que era, até ao fim da segunda guerra mundial, exclusivamente militar. Apresenta ainda os esforços levados a cabo por Salvação Barreto no sentido de manter a autonomia da censura face ao Secretariado para a Propaganda Nacional (SPN) - situação que não viu consignada uma vez que em 1944 a propaganda e a censura ficam subordinadas a Salazar, o que ditou o afastamento de Salvação Barreto e o seu ingresso na liderança da Câmara Municipal de Lisboa.

Rogério Santos em "O Jornalismo na transição do século XIX para o XX. O caso do diário Novidades (1885-1913)", apresenta a primeira série deste periódico segundo três eixos de análise: linha ideológica; secções e géneros jornalísticos; os jornalistas e a sua actividade profissional. Numa época em que os jornais mantêm uma forte ligação a correntes de opinião o Novidades assumia-se como defensor do regime monárquico e dos valores da igreja católica e como opositor frontal ao ideário republicano. Ainda assim este jornalismo de opinião de feição muito próxima da literatura reunia colaboradores de peso como Emídio Navarro, Ramalho Ortigão, Oliveira Martins e Eça de Queirós.

Esta secção da revistas fecha com uma entrevista a Peter M. Herford conduzida por Eduardo Cintra Torres, investigador e crítico de televisão. Fora do tema apresenta-se um estudo de Hermenegildo Borges sobre a "Publicidade erótica e a sua problemática regulação", onde o autor analisa o enquadramento jurídico do assunto e problematiza se deve ou não existir uma maior regulação sobre estas matérias, disponibilizando argumentos a favor e contra e propondo uma hipótese de resposta. A revista termina com dois obituários sobre a recente morte de dois dos mais eminentes pensadores sobre fenómenos da comunicação: James Carey (EUA) e Roger Silverstone (Reino Unido). A ler...

Thursday, October 18, 2007

Erradicação da Pobreza...

Assinalou-se ontem o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza. Ficámos também a saber, no que toca a Portugal, o seguinte. Alguns dados recolhidos dos jornais:
- 19% dos portugueses, isto é, cerca de 2 milhões de pessoas, vivem em risco de pobreza;
- os rendimentos anuais destas pessoas (por adulto) são inferiores a 4321€, o que dá uma média mensal de 360€;
- os idosos e as famílias com três ou mais crianças dependentes têm a taxa de risco de pobreza mais alta;
- os idosos (65 anos e mais) e os menores de 16 anos registam as taxas de pobreza relativa mais elevadas, 28 e 23%, respectivamente;
- o grupo etário de 25 a 49 anos apresenta a menor proporção de pessoas que vivem abaixo da linha de pobreza, com 15%;
- só em Lisboa, 1275 pessoas "habitam" em permanência nas ruas da capital (a estes juntam-se ainda aqueles que, tendo um tecto, não têm, no entanto, rendimentos suficientes para assegurarar a sua subsistência, estando, portanto, dependentes de ajudas).

Em suma, Portugal é hoje o país da União Europeia onde a desigualdade social entre a população é maior. Por outras palavras, onde as diferenças entre ricos e pobres são mais notórias. Já foi assim, deixou de ser, e volta a acontecer, e hoje temos novamente mais novos pobres, mais desempregados e mais emprego precário. A situação dificilmente se alterará com a continuação das políticas económicas em curso, com o déficit público a ser combatido pelo lado da receita, quando o devia ser pelo lado da despesa. Resultado: além da desigualdade referida, Portugal é hoje um dos países com mais impostos sobre os contribuintes e as empresas, situação que asfixia a criação de riqueza, a captação de investimento (nacional e estrangeiro), logo, de emprego. É tão claro como a água. Mas o que é mais dramático é o consenso político quase generalizado à volta do statu quo fiscal, agravado agora com o sim "menesista", paradigmático da inexistência de diferenças de fundo entre os dois maiores partidos políticos portugueses. É certo que nem tudo se resolve com menos impostos, mas uma redução da carga fiscal é um passo fundamental na erradicação da pobreza. A Irlanda fê-lo e vejam-se os resultados. Refundação constitucional? O que Portugal precisa urgentemente é de uma refundação de ideias e práticas, políticas, económicas, sociais e culturais. Novos rostos e novas cabeças...

Monday, October 15, 2007

PERSÉPOLIS


Animação sublime, esta, de Marjane Satrapi e Vincent Paronnaud, que, em boa hora, a oitava edição da Festa do Cinema Francês trouxe a Lisboa, num São Jorge cheio de gente, mas sem ar-condicionado - a lamentar. Sublime pela "fidelidade" à BD da desenhadora iraniana, mas sobretudo pela amplitude que lhe dá, revisitando, com humor e lágrimas, as consequências trágicas da ditadura islâmica. O filme começa com uma incursão pela queda do regime do Xá, que é acompanhada com exaltação pela própria Marjane, personagem central da animação, então com oito anos e profeta salvadora do mundo. Mas da exaltação rapidamente passa à desilusão. A implementação da República Islâmica traduz-se na institucionalização dum regime totalitário, quase "demente", ao melhor estilo estaliniano, ainda que sob os desígnios de Deus. Os "comissários da revolução" tudo controlam, desde a indumentária a todo e qualquer comportamento. As liberdades mais elementares são suprimidas. As primeiras vítimas, aos milhares, são os antigos contestatários do regime do Xá, muito deles comunistas, detidos e executados sem apelo nem agravo. Seguem-se as mulheres, obrigadas a usar véu. Muitas são violadas, receio que se instala nos pais de Marjane. A guerra com o Iraque, questionada na sua inutilidade, leva o país ao abismo. A rebeldia de Marjane é incompatível com a intolerância do novo regime, levando os pais a "despachá-la" para Viena, onde vive, aos catorze anos, a sua segunda revolução, a da adolescência e da liberdade, mas também do exílio, da solidão e da diferença. Depois temos o regresso de Marjane a Teerão, e à famíla. Termina com nova ida para o estrangeiro, desta vez França. Pelo meio, várias peripécias e histórias de amor que tornam esta experiência cinematográfica inesquecível. A replicar no circuito dito comercial...

Thursday, October 11, 2007

"De Espanha, nem bom vento nem bom casamento"

O assunto passou despercebido, como seria de esperar. Não "vende", logo não interessa. Mas o assunto é sério: numa comparação com as regiões autónomas espanholas, Portugal está em penúltimo lugar na criação de riqueza per capita. Esta é uma das conclusões do estudo realizado pela SAER (v. http://www.saer.pt/) , empresa de avaliação de risco, liderada por Ernâni Lopes, ex-ministro das Finanças, e que abrange Portugal e aquelas 17 regiões. É certo que possuimos o terceiro maior PIB da península Ibérica mas continuamos a ficar mal na fotografia quando, por exemplo, olhamos para o índíce das exportações, onde ocupamos um vergonhoso 7.º lugar, com a Catalunha, região com forte tradição industrial, Valência e Madrid na linha da frente. Apesar de termos mais população somos também ultrapassados, nesta tabela, pela vizinha Galiza, o País Basco e, pasme-se, a própria Andaluzia. Ainda no que diz respeito à criação de riqueza per capita, Madrid, com uma população inferior a Portugal, gera, no entanto, um PIB superior e está em primeiro lugar neste ranking, medido em paridade de poder de compra. Nesta tabela que assinala a qualidade de vida dos cidadãos superamos apenas a Extremadura espanhola, para gáudio de "nuestros hermanos". É claro que para o governo nada disto conta, tal é a fé inabalável no Plano Tecnológico, e nos computadores e telemóveis que daqui resultam para as massas que, na maior parte dos casos, e à boa maneira portuguesa, logo os vendem, para fazerem mais uns trocos, não vá a crise apertar ainda mais. Mas o que é mais aterrador é que este estudo não exclui um cenário de um "período recessivo" em Portugal já em 2008, caso a economia norte-americana entre em recessão. Resultado: lá para 2009, até a Extremadura espanhola nos "papa", e então é que a chacota será geral. Resta-nos a esperança, ou a ilusão, do país, por qualquer milagre, ter "ritmos de crescimento bastante superiores à média europeia". Como é que disse?

Tuesday, October 9, 2007

LISBOA: REVISTA MUNICIPAL, II SÉRIE (1979-1988)


Em 1979, após “alguns anos de constrangido adormecimento”, a Revista Municipal de Lisboa reiniciava a sua publicação, com um novo título, Lisboa: revista municipal, e as “necessárias adaptações”. Como então escrevia Aquilino Ribeiro Machado, presidente da CML, os tempos eram outros, pelo que a revista, “além de continuar a acolher gostosamente os ensaios dos historiógrafos de Lisboa”, deveria “ser, igualmente, uma larga janela, através da qual os citadinos mais interessados possam olhar o que se passa no interior da sua edilidade”. Pretendia-se ainda que a “nova” revista se constituísse, por vocação, como “um espaço dominial próprio”, o de Lisboa, onde ficasse “registado tudo o que de mais significante se for produzindo para o conhecimento de Lisboa, quer remontando ao seu passado, quer apontando para o seu futuro”. E foi efectivamente o que aconteceu, até 1988, ano em que terminou a publicação. Razões de sobra para que a Hemeroteca Municipal, através da sua Hemeroteca Digital, disponibilizasse na Internet a colecção completa desta segunda série, aqui. Um manancial de dados e informações sobre a cidade de Lisboa, agora à distância de um simples clique. Com isto, a biblioteca digital de periódicos da CML dá mais um passo importante na digitalização e difusão em rede do fundo documental local da Hemeroteca. Para breve, prometem-nos a primeira série da revista, publicada entre 1939 e 1973, num projecto que inclui a digitalização e o acesso em linha a milhares de imagens e textos sobre a capital. Fique atento…

Thursday, October 4, 2007

Cooperativismo: desafio ou utopia?

Este é o tema do último número da Jornalismo & Jornalistas, o 30, de Abril/Junho de 2007. A revista propõe assim uma incursão pelo universo das cooperativas de jornalistas. Criadas por profissionais da comunicação nos anos 70 e 80, deram vida a projectos que mostraram a força de uma classe unida. Actualmente - com a maioria dos órgãos nas mãos de grandes grupos - o seu tempo parece passado. Mas há quem acredite que é precisamente agora que urge recomeçar, assumindo riscos em prol da independência pessoal e informativa. Inclui texto de Helena de Sousa Freitas, com depoimentos de Sandra Monteiro, José Carlos Vasconcelos, Alberto Antunes, Edites Esteves, Alfredo Maia, entre outros. Depois segue-se uma interessante entrevista a Bill Kovach, jornalista do New York Times, jornal que chefiou, no final dos anos 70 e na década de 80. Na "Análise" Manuel Neto traz-nos os resultados da reflexão conjunta sobre o "Porquê Estudar Jornalismo", tema proposto para as II Jornadas Internacionais de Jornalismo, realizadas pela Universidade Fernando Pessoa. A "Análise" é completada com estudos de J. M. Nobre Correia, sobre o"Ensino do jornalismo: os equívocos de uma formação", e de Luís Bonixe, que aborda o "Referendo ao aborto na rádio: o olhar da classe política". Nos "Livros" merece destaque a recensão de José Pedro Castanheira à obra Jornais Diários Portugueses do Século XX. Um Dicionário, de Mário Matos e Lemos, completada com entrevista ao autor. Na secção dedicada à "Memória" a revista brinda-nos com um trabalho de Andreia Agostinho sobre "A sociedade feminina do século XX vista através de Modas & Bordados".

Monday, October 1, 2007

Jorge Borges de Macedo: 10 Anos Depois (1996-2006), edição especial da revista "Negócios Estrangeiros"


Foi lançado no passado dia 25 de Setembro, na Casa Fernando Pessoa (Lisboa), numa sessão bastante animada, com casa cheia, a edição especial da revista Negócios Estrangeiros, número 11.3 (Agosto 2007), dedicada a Jorge Borges de Macedo: 10 Anos Depois (1996-2006). A revista inclui as actas das comunicações apresentadas no ciclo de conferências Jorge Borges de Macedo: da História como Problema, realizado durante o ano de 2006, e conta ainda com depoimentos de Luís Santos Graça, José Manuel Tengarrinha, António Borges Coelho, Eduardo Gonçalves Rodrigues e Jorge Braga de Macedo, filho do homenageado, e textos de Álvaro Costa de Matos, Armando Marques Guedes, Ana Leal Faria e Francisco Lopo de Carvalho. Desta edição merece especial atenção as comunicações referidas.

Na primeira, Luís Aguiar Santos mostra-nos o contributo de JBM para a renovação da história económica, com as suas obras A Situação Económica no Tempo de Pombal, O Bloqueio Continental e Problemas da História da Indústria Portuguesa no Século XVIII. Mas mostra-nos sobretudo a necessidade de revisitarmos, duma forma crítica, esta mesma produção historiográfica, pois não só subsistem muitas das ideias-feitas e lugares comuns que julgávamos desmontados com JBM, como, não raras vezes, somos confrontados com o aparecimento de novos trabalhos sobre estas mesmas questões e período, mas que de novo nada trazem, antes constituindo, nalguns casos, um retrocesso comparativamente com o já conhecido e publicado. Inclui comentário de Jorge Braga de Macedo.


Raul Rasga, na segunda comunicação, trata da historiografia cultural de JBM, não menos importante que a económica, ou outra qualquer. E conclui pela existência de uma historiografia atenta ao concreto, baseada no rigor científico, igualmente demolidora para com as ideias-feitas e os lugares comuns ou as visões estritamente ideológicas do passado. E que valoriza uma cultura portuguesa que reelabora o que se faz “lá fora”, por outras palavras, uma cultura que não está isolada da cultura europeia; pelo contrário, está a par do que se discute na Europa, acompanha os debates contemporâneos, utiliza argumentos da cultura europeia, reelabora esses mesmos argumentos, adequando-os à realidade nacional e, desta forma, resiste à normalização.


Paulo Miguel Rodrigues, na terceira comunicação, ocupa-se dos trabalhos de JBM na área das relações internacionais e da história diplomática que, segundo cálculos do próprio, representam entre 18 a 20% do total da sua produção historiográfica. Os trabalhos sobre o Atlântico, realidade a partir da qual Portugal se afirmou no mundo, começa por dominar, mas depois, a partir da década de 80, surge o interesse pela Europa e as relações de Portugal com a Europa. Entre os aspectos coincidentes com as outras análises, destaque para a luta contra o preconceito, a desconstrução dos mitos na historiografia portuguesa.


Carlos Cunha, na quarta comunicação, aborda o social na produção historiográfica de JBM, não sem antes falar nas influências teóricas e metodológicas e nas constantes da sua obra. Das influências, registe-se Hegel, na sua visão dialéctica da história; Marx, numa dialéctica que comporta situações alternativas; o Materialismo Histórico – influências que depois se vão esbater a favor da Escola dos Annales, nomeadamente em Marc Bloch, Lucien Febvre e Fernand Braudel. Das constantes, assumem particular relevância a rejeição de JBM pela aplicação mecânica/automática de modelos abstractos à realidade social; a valorização do concreto baseada na verificação documental rigorosa; o predomínio da história-problema na reconstituição do passado, com recurso à interdisciplinaridade; a formulação de hipóteses adequadas ao concreto. Os seus estudos de história social contribuíram decisivamente para um renovado olhar sobre a sociedade portuguesa, numa história que queria evitar a história tribunal.


Álvaro Costa de Matos, na última comunicação, faz uma análise mais global da actividade de JBM como historiador, fixando os aspectos estruturais e específicos da sua produção historiográfica bem como o seu contributo para a renovação da historiografia portuguesa a partir dos anos 50, não sem antes contextualizar o historiador e a sua obra, tratando dos dados mais significativos da vida pública de JBM e da sua bibliografia essencial. O autor revisita e analisa ainda a produção ensaísta de JBM, menos conhecida do público, mas indissociável da historiográfica, e onde assumem especial relevância quer os textos sobre a Europa e as relações de Portugal com a Europa quer os seus escritos sobre o problema da identidade nacional. JBM foi um dos historiadores portugueses que, a par da investigação histórica propriamente dita, mais reflectiu sobre a Europa e o papel de Portugal na construção europeia, pelo que a leitura destes textos se torna fundamental para perceber o seu pensamento europeu. Álvaro Costa de Matos termina com uma reflexão final sobre o significado histórico e cultural do legado de JBM.


Em suma, estamos perante uma colecção de estudos que, doravante, se torna imprescindível para quem se debruçar sobre a vida e a obra de um dos maiores historiadores portugueses do século XX, que foi o Professor Jorge Borges de Macedo.