Numa das edições do Público, Vasco Pulido Valente escreveu: “(…) a dívida directa do Estado está hoje em 147 mil milhões de Euros, 90% do PIB (quando devia ser no máximo de 60%). Os peritos falam em recessão e numa intervenção eminente do FMI”.
Há 100 anos atrás a situação não era nada melhor. Portugal vivia também uma grave crise financeira e económica, que se agravaria nos anos 20. A inflação era galopante: o pão era nove vezes mais caro, a carne quinze vezes, o azeite e as batatas vinte e duas vezes e o carvão dez vezes, comparando com os valores anteriores à Guerra. Em relação a 1914, a inflação em 1923 era de 1720%. A maior nota de 1914, a de 100$00, valia um quinto desse valor em 1920. O governo criou então a nota de 1000$00 (coisa que em 2011 não pode fazer), nota que quatro anos depois valerá apenas 40$00 dos de 1914.
A causa desta inflação galopante estava na escassez de bens essenciais do pós-guerra e do fabrico descontrolado de notas, única forma imaginada para se financiar a dívida pública nestes anos difíceis (hoje, recorre-se ao endividamento externo; aliás, já se contrai dívida para amortizar dívida, pelo que levaremos muitos anos até nos libertamos da pressão dos mercados financeiros!!!). O escudo desvaloriza-se mais depressa do que o ritmo a que se consegue fabricar notas, e a espiral parece não ter fim.
A par da crise financeira, a crise económica era agravada pela diminuição das remessas dos emigrantes e pelo fim da ajuda inglesa à participação na Guerra. A dívida do Estado, que em 1918 era inferior a 1 milhão de contos, ultrapassa despreocupadamente os 8 milhões em 1924, pulverizando o sonho de um orçamento equilibrado que Afonso Costa ainda concretizou. Com a queda cambial, o valor das exportações foi três vezes menor que o das importações entre os anos de 1922 e 1927.
O entesouramento das moedas continua, que refundidas por particulares rendem acima do valor do seu rosto: em 1925, 99% das transacções eram feitas, não em metal mas em papel. Desaparecidas as moedas, as casas comerciais passam a emitir talões para os trocos, que aceitarão de volta em pagamento. Todo o país vive à custa deste dinheiro espontâneo, improvisado em farrapos de papel ou discos de lata, impressos, dactilografados ou apenas manuscritos, com ou sem carimbo ou assinatura. A fuga de capitais, das grandes fortunas ou dos novos-ricos, atinge valores astronómicos em 1920-1921.
A bancarrota nacional era então profetizada por reputados economistas, que viam o país afundado num cenário de catástrofe irreversível. Mas, paradoxalmente, havia um reverso desta moeda quase falida: a inflação, tornando mais competitiva a indústria nacional, acabou por beneficiar os sectores produtivos, tanto do lado patronal como do lado operário. A desvalorização protege o mercado interno e colonial, produzindo a expansão dos têxteis, da alimentação, da indústria química, do cimento ou do tabaco. Os sacrificados foram as classes médias que viviam do comércio, ameaçadas pela proletarização e o desemprego, os funcionários, os militares, os pensionistas, e toda a gente que dependia de rendimentos fixos – estava criado o caldo para a afirmação de ideologias radicais, à esquerda ou à direita, que poriam fim a 16 anos de República…
PS. O desenho é de Stuart Carvalhaes, e saiu n'O Século Cómico, de 18 de Dezembro de 1920.
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2 comments:
Abordagem bastante interessante.
fica uma mini chamada de atenção:no 4º paragrafo enganou-se no nome do equilibrador das finanças,era óbviamente Afonso e não António ,o Costa referido! Z
Caro José Manuel,
Agradeço a chamada de atenção; foi um lapso; de imediato procederei à correcção.
Abraço,
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