Monday, March 28, 2011

NOVAS PÁGINAS DA REPÚBLICA (2) - Da Arte da Sedução...

Uma das alterações sociais mais importantes que atravessaram a sociedade portuguesa nos anos 20 foi sem dúvida a independência feminina. Mas tratava-se duma independência ambígua: a mulher não quer ser livre para ter um emprego e libertar-se da gestão familiar, como os homens; a mulher quer ser livre “apenas” para estar investida da iniciativa de seduzir, substituindo-se ao tradicional objecto passivo de sedução. Nesta, passa passar a ter uma atitude activa, a portar-se como uma coqueterie. A mulher dos anos 20 deve por isso poder sair só ou acompanhada pelas amigas ou pelos amigos, ousar invadir terrenos antes interditos, sorrir e falar em voz alta, apreciar o mundo à sua volta, desenvolver uma actividade física ou intelectual.

Mas esta missão implica também investir nos aspectos mais físicos das regras de atracção, ou seja, cuidar da imagem da cabeça aos pés. Constrói-se, portanto, uma ideia de beleza feminina que nada tem a ver com os parâmetros do passado, antes possuindo algumas características do homem. Surge o perfil andrógino a que todas as mulheres da sociedade elegante aderem e que tão bem calha à equívoca sexualidade destes tempos. As mulheres modernas “cortam os cabelos à garçonne, guiam automóveis, montam a cavalo, fumam os seus cigarros e, quando calha, o seu charuto, praticam todos os desportos, vão ao club, usam badine e monóculo, vestem pijamas femininos”, estabelecia a revista ABC em Abril de 1926.

Portugal adapta-se à ideia de encarar a mulher como uma figura de linhas direitas, quase masculina, sem as curvas de busto e anca que faziam as delícias de outras épocas. A moda “aboliu a cintura, reduziu as ancas, suprimiu, quanto possível, as formas femininas”, lia-se na mesma ABC de Junho de 1926. Para acentuar o lado feminino, recorre à cosmética, em profusão nunca antes igualada: rouge, bâton, pó-de-arroz, lápis dos olhos, rimmel e aparo das sobrancelhas (reduzidas a um traço) tornam-se obrigatórios em toda e qualquer ocasião social. A brilhantina e o fixador, por seu lado, colam o cabelo curto à nuca, rematando a composição da cabeça feminina.

Generalizou-se o consumo de revistas dirigidas ao público feminino, desde a requintada Voga às mais difundidas Modas e Bordados e Eva, com indicação das tendências da moda, apresentação de modelos caros e extravagantes, supostos segredos de beleza e conselhos acerca do arranjo e do comportamento. Tudo tem regras para as mulheres, até o caminhar.

Mas, para lá dos rituais de futilidade, as mulheres começam agora a participar activamente na vida intelectual e artística portuguesa. Emergem nomes que se tornam conhecidos, como a da poetisa Fernanda de Castro, mulher de António Ferro, ou o da pintora Sarah Afonso, que casa com Almada Negreiros. Judith Teixeira (ou “Lena de Valois”), amiga do casal Negreiros, é o paradigma da mulher livre da época, como reflecte nos títulos de ousadas obras poéticas: Amorosa, Sinfonia Pagã, Meus Vícios, Decadência, Nua, Poemas e Bizâncio. Mas a maior de todas, embora mais oculta, é a poetisa Florbela Espanca, precursora da liberdade criativa no feminino, através de uma obra intensa, conturbada e plena de sensualidade, denunciando uma perturbação interior que culmina com o seu suicídio em 1930, aos 36 anos.

Para o fim da década, enquanto a actriz Palmira Bastos ou a jornalista Teresa Leitão de Barros exigem para as mulheres carreira profissional e “armas iguais” às dos homens, surge uma reacção conservadora que se manifesta nas páginas de algumas revistas: “A mulher portuguesa é muito mais feminina do que feminista”, defende a directora da Modas e Bordados em 1929, erguendo uma tese que começa a fazer caminho na ideologia oficial. Chega ao fim uma certa forma de emancipação feminina.

PS. O desenho é de Jorge Barradas, publicado n'O Riso da Vitória, de 15 de Setembro de 1919.

2 comments:

Suilei said...

Caro blogueiro,
"Amorosa, Sinfonia Pagã, Meus Vícios" não são obras de Judith Teixeira, mas sim de Beatriz Delgado.

Suilei said...

Caro blogueiro,
"Amorosa, Sinfonia Pagã, Meus Vícios" não são obras de Judith Teixeira, mas sim de Beatriz Delgado.