A I República Portuguesa trouxe consigo a explosão das práticas de humor social e político. O fenómeno foi alimentado pelo teatro de revista, pela comédia de costumes, mas sobretudo pela imprensa humorística e pela caricatura, que conheceram então um novo fôlego.
O quadro político, de permanente instabilidade e confronto partidário, agravado pela crise da economia, forneceu a melhor matéria-prima para um desenho humorístico com estéticas diferentes, onde o traço simples e directo, por vezes até grosseiro, coexistiu com o traço mais vanguardista das primeiras manifestações do modernismo artístico em Portugal. Afonso Costa, Brito Camacho, António José de Almeida, Bernardino Machado e, nos anos 20, António Maria da Silva, são naturalmente os mais visados, dado o seu protagonismo na vida política da I República.
Embora a maioria dos caricaturistas estivesse com a República, o novo regime também trouxe consigo uma maior diversidade editorial, com as publicações ferozmente antitalassas, como O Moscardo e O Zé (sucessor do jornal humorístico o Xuão), a conviverem, nem sempre pacificamente, com as publicações pró-realistas, de que O Papagaio Real e O Thalassa são um bom exemplo.
Apareceram novos títulos de jornais, efémeros a maioria, duráveis alguns, embalados pelas promessas de liberdade de expressão proclamadas pelos republicanos. E, com eles, uma nova geração de desenhadores e caricaturistas que se revelaram nos jornais humorísticos que surgem sobretudo em Lisboa e no Porto, como Almada Negreiros, Jorge Barradas, Emmérico Nunes, Stuart Carvalhais, Bernardo Marques, Christiano Cruz, Correia Dias, Luís Filipe, Sanches de Castro, entre outros. Forma-se o Grupo de Humoristas Portugueses (1911), expondo os seus trabalhos em Salões na capital, em 1912, 1913 e, tardiamente, em 1920. No Porto, o gosto também é alimentado por Salões de Humoristas e Modernistas (1915), Fantasistas (1916) ou, simplesmente, Modernistas (1916 e 1919).
Confirma-se, assim, a importância crescente do desenho humorístico enquanto manifestação artística e plástica cada vez mais autónoma, ao mesmo tempo que se afastava da temática política para optar pela crítica dos costumes sociais e pela ridicularização dos hábitos das classes médias. Estava também consumada uma ruptura estética com a escola “bordaliana”, que se impôs “pela elegância, pelo estilismo feminino, pela redescoberta da beleza" (Osvaldo de Sousa).
Em 1912, Christiano Cruz, o porta-voz do Grupo dos Humoristas, afirmava no jornal A Capital que era preciso desviar a atenção do público “para a caricatura social, para a caricatura dos costumes, enfim, para a verdadeira caricatura: a impessoal”. Um ano depois, os novos já se congratulavam com a “derrota infligida à caricatura política, estreita e cheia de limites” (Christiano Cruz), assinalando “uma nova fase da arte” (António Soares), enquanto os velhos, como Alberto de Sousa, lamentavam a “desnacionalização da nossa caricatura”.
PS. O desenho é de Almada Negreiros, um dos "novos", publicado n'A Sátira, de 1 de Junho de 1911.
Subscribe to:
Post Comments (Atom)
No comments:
Post a Comment