De novo de mão estendida… Pois é, depois de 74 é a terceira vez que a ditosa pátria recorre à ajuda financeira externa. Desta vez não é directamente ao FMI, mas ao FEEF (Fundo Europeu de Estabilização Financeira), ainda que para este o FMI contribua com cerca de 25% do seu valor total (750 mil milhões de Euros). Estima-se que a ajuda a Portugal possa ir aos 90 mil milhões de Euros. Entretanto, o Dr. Cavaco pede “imaginação” na assistência financeira ao país (a desfaçatez, pelos vistos, é coisa sem limites em Belém), contribuindo para a cacofonia nacional, e deixando os dirigentes europeus à beira dum ataque de nervos… A reputação do país, já pelas ruas da amargura, agradece!!!
Mais do que apontar culpados (contrariamente a Vasco Pulido Valente, julgo que é um exercício fútil, pois as responsabilidades são de todos, Estado, bancos, empresas e famílias), importa perceber como chegámos até aqui. Desde logo, para não repetirmos os mesmos erros. A resposta parece-me simples: vivemos há muitos anos acima das nossas possibilidades. Por outras palavras, a riqueza criada foi/é manifestamente insuficiente para acudir às despesas. Logo, vai de contrair empréstimos. O problema não está em contrair empréstimos, pois todos os países o fazem. Os bancos estrangeiros fornecem fundos aos bancos nacionais que depois são canalizados para o crédito às empresas e indústrias. Até aqui, tudo bem. O problema está na “especificidade” portuguesa de contrair empréstimos: como não cria riqueza suficiente para pagá-los, contrai dívida para pagar dívida, num ciclo suicída sem fim à vista. Hoje, Portugal deve ao exterior quase 400 mil milhões de Euros (233% do PIB!!!). Desta dívida, 26% é do Estado, enquanto a dos bancos ronda os 55% do total. Além do crédito às empresas, a dívida dos bancos resulta, grosso modo, do crédito que disponibiliza para a compra de casa e de carros. Corolário lógico: as taxas de juro subiram para valores proibitivos (andaremos muitos anos a amortizar com o nosso trabalho a dívida externa portuguesa). Para termos uma ideia da dimensão do problema retenha-se que pouco falta para o Estado português estar a pagar por dívida a um ano o que não queria pagar a 10 anos (7%)!!!
Indissociável da subida dos juros foi a queda em espiral dos níveis de avaliação de risco de pagamento da dívida portuguesa, os célebres ratings, válido para a República como para os principais bancos e empresas públicas portuguesas. Foi a gota de água que faltava para o governo capitular a um pedido de ajuda externa. Esperam-nos, portanto, pelo menos “5 anos de austeridade, com mais impostos e menos protecção social” (título do DN, de 8 de Abril).
Com o FEEF e o FMI vem a receita já aplicada em 1977 e 1983: exceptuando a desvalorização da moeda, hoje impossível, teremos o inevitável aumento de impostos, cortes nos ordenados dos funcionários públicos(fala-se já no subsídio de férias e, depois, no de Natal), cortes nos investimentos públicos (não há TGV que resista), congelamento total de admissões na administração pública, entre outras. Resultará daqui, tal como naqueles anos, mais desemprego, salários em atraso, diminuição do poder de compra, subida dos preços dos bens essenciais, greves (já está marcada uma para 6 de Maio) e maior instabilidade social.
Mas será esta receita inevitável? Não haverá margem de negociação para outro acordo, com impactos menos negativos na vida das pessoas? Não estamos aqui perante uma oportunidade única para mudar radicalmente de estilo de vida? Para refundar Portugal com um novo modelo de desenvolvimento? Teremos lideranças políticas suficientemente fortes para protagonizar esta mudança tão necessária? Teremos mesmo que partir do ressuscitado PEC4 para negociarmos o apoio externo, como anunciou este fim-de-semana José Sócrates?
Julgo que não... Proponho, de seguida, algumas medidas que me parecem incontornáveis se queremos efectivamente "mudar de vida". Fico-me por 5, desde as mais simbólicas, com impactos pouco significativos (mas que poderão ter um efeito mobilizador na comunidade), até às mais estruturantes desse novo modelo de desenvolvimento, que considero fundamentais para um novo arranque económico.
SIMBÓLICAS:
- Redução do tamanho do Governo, quer em ministros, quer em secretários de Estado e sub-secretários de Estado, quer ainda em assessores: a fusão de alguns ministérios, com áreas de trabalho interligadas, poderá ser uma boa solução, para a sua eficiência, com a consequente diminuição daqueles cargos públicos (esta redução abrangeria ainda a administração central, com a extinção ou fusão das centenas de institutos públicos e fundações apoiadas pelo Estado);
- Redução do número de deputados na Assembleia da República, através duma reforma eleitoral que privilegie os círculos uninominais, aproximando os eleitores dos eleitos (estes passam a responder, e a ser avaliados, pelo seu círculo eleitoral e não pelas direcções partidárias);
- Redução do número de concelhos (os mais pequenos), e respectivas freguesias, através duma reforma administrativa do país, com a agregação dos concelhos extintos aos grandes concelhos limítrofes (veja-se o que se fez, com sucesso, em Lisboa, com a redução muito significativa do número de freguesias);
- Extinção da figura dos Governadores-Civis, e respectivo staff, provadamente sem grande finalidade;
- Eliminação de vez, no actual contexto, de qualquer possibilidade de Regionalização do país (a descentralização e a desconcentração de competências deve ser feita para os municípios e as freguesias, aproximando ainda mais a gestão da coisa pública das pessoas; na resolução de problemas extra-municipais, a associação entre municípios tem-se revelado operativa).
ESTRUTURANTES:
- Repensar a sério o papel do Estado, minimizando as suas funções à administração da justiça, segurança (nacional e local) e provisão de bens e serviços públicos (certas obras públicas, educação, saúde e segurança social: garantindo a liberdade de escolha na educação e na segurança social, e aprofundando a descriminação dos pagamentos de saúde em função dos rendimentos);
- Privatização, como resultado daquele exercício, de várias empresas públicas, dos transportes (TAP, CP, Refer, Carris, Metro de Lisboa e do Porto), passando pelos correios (CTT), empresas municipais (deviam ser todas extintas), até às empresas de comunicação (RTP, RTP 2, RTP N, RTP Internacional e rádios públicas);
- Regularização das contas públicas e reestruturação da dívida externa, pagando o que devemos lá fora, e pondo um ponto final na fama de caloteiros que já temos;
- Extinção das parcerias público-privadas, a ruína do Estado português (as PPP em curso vão custar, até 2050, cerca de 60 mil milhões de Euros, mais de metade da ajuda financeira agora solicitada, ou, se preferirem, cerca de um terço do PIB; verba astronómica que pesará todos os anos nas contas do Estado e que será suportada pelas gerações mais novas, incluindo a que está à rasca, e que vai ficar mais à rasca, e, pasme-se, incluindo os portugueses que nem sequer nasceram – nada como preparar o futuro!!!);
- Liberalização do mercado de trabalho (atenuando a protecção demasiado elevada nos contratos sem termo para, desta forma, estancar a alimentação do dualismo actualmente em vigor no nosso mercado de trabalho: os mais velhos estão sempre mais protegidos que os mais jovens) e diminuição, assim que possível, dos impostos, visando a captação de investimento nacional e estrangeiro.
Os dados estão lançados…
Monday, April 11, 2011
Subscribe to:
Post Comments (Atom)
5 comments:
As despesas com pessoal, a segurança social, a saúde e a educação são a parte de leão da despesa e são rígidas; a sua redução pressupõe medidas draconianas que não estou a ver ninguém a querer tomar. Será mais fácil ir reduzindo os benefícios sociais aos poucos, como Sócrates já vinha fazendo, para não ter de por em causa o modelo actual da segurança social. E vai-se deixando o país morrer aos poucos... Quanto à inflação, não concordo. Nós temos tido inflação com o euro desde 2002, disfarçada, mas está lá: o dinheiro vale hoje mutíssimo menos e nós temos perdido poder de compra real desde então, o que funcionou como o "ajustamento" das desvalorizações antigas do escudo.
Caro Luís,
Concordo, falta coragem política para tomar essas medidas draconianas, que são necessárias. Perdem-se oportunidades atrás de oportunidades para levar por diante a diminuição das despesas que referes, mesmo qd a opinião pública é favorável a elas. Quanto à desvalorização do dinheiro, o que propões, a saída do Euro? Há que a defenda...
É preciso mudar de vida, sem dúvida. E a saída do Euro não me choca. É incomportável
uma União Europeia com moeda única, mas constituída por países com níveis de desenvolvimento tão díspares. E, de facto, o dinheiro hoje vale muitíssimo menos.
Não, não defendo necessariamente a saída do euro. Mantendo-se a actual ordem monetária assente em bancos centrais como o BCE e a Reserva Federal, é melhor ficarmos no euro. A história do escudo foi ainda menos uma história de disciplina monetária e o mais importante é termos uma moeda forte em que os nossos rendimentos e poupanças se possam refugiar. O que acho é que o BCE deveria ter uma política mais restritiva em relação à emissão de moeda (que, ao contrário do que se diz, foi muito alta antes da crise, à volta de 9% ao ano, e desde aí ainda mais descontrolada - embora não tanto como a da Reserva Federal). Já sabes, por mim, regressava-se ao padrão ouro, mas, como isso não é possível, aconselho toda a gente a não ter as suas poupanças em "activos de papel" (euros, acções, títulos do tesouro, etc.).
Caro Luís,
Acho que vou seguir o teu conselho no que toca às poupanças, pois a desvalorização do dinheiro não vai abrandar; um dia deste temos que voltar a falar sobre isto...
Abraço,
Post a Comment