No último post escrevi sobre a situação económica da I República até à entrada de Portugal na Grande Guerra. Neste debruçar-me-ei sobre o pós-guerra, ou melhor, sobre os efeitos devastadores do conflito militar e do vazio de poder criado com o assassinato de Sidónio Pais. Descontando algumas especificidades desta época, como o contexto da guerra, não deixamos de encontrar algumas semelhanças com a actualidade…
Portugal parece nesta altura uma nau à deriva perto do naufrágio. A sociedade está depauperada pela carestia, radicalizada pela política e esgotada pela balbúrdia, que dura há anos sem sinal de abrandamento. Os governos sucedem-se com uma média de 2 meses.
Do ponto de vista económico o país está de rastos. Portugal não recebe as esperadas indemnizações de guerra da Alemanha, com as quais planeava pagar as gigantescas dívidas à Inglaterra. A crise económica internacional agrava ainda mais as coisas: as remessas do Brasil, tradicional fonte de equilíbrio das contas nacionais, caem a pique. O sistema cambial desarticula-se e os preços sobem em flecha. Os comerciantes intensificam o açambarcamento e a especulação, práticas correntes durante a guerra.
A resposta do governo é pífia, com receio de novos levantamentos populares: em vez de impor a austeridade imprime mais dinheiro para acompanhar a subida dos preços, aumentando a circulação fiduciária e a desvalorização do escudo. Com excepção dos países derrotados, a Alemanha e a Áustria, Portugal é o país com a maior inflação da Europa. As notas são o único dinheiro em circulação; as moedas passam a estar amealhadas devido ao valor do metal, que depressa ultrapassa o seu valor facial. Ninguém deposita dinheiro em Portugal e todos o querem tirar dos bancos. A década termina com o espectro da fome desenhado como um fatalismo no horizonte.
Mas a crise do pós-guerra não afecta toda a gente do mesmo modo. Os comerciantes fazem fortunas com o açambarcamento e a especulação. Os importadores somam lucros rápidos com o comércio internacional, devido à falta de stocks. Os volframistas tornam-se milionários instantâneos minerando para a indústria de munições. Cresce sem precedentes o número de empresas de mercadorias, assim como as mercearias e os bancos. Como resultado de tudo isto surge uma nova classe social, os novos-ricos, objecto de muitas invejas e alvo predilecto dos caricaturistas, que os retratam arrivistas, broncos e sem maneiras.
Os que dependem de rendimentos fixos, os funcionários públicos e os jornaleiros rurais são os mais prejudicados pela crise económica. Pelo contrário, os operários mantêm intacto o seu poder reivindicativo, obtendo melhores regalias. O movimento sindical está mais forte do que nunca, o que explica o relançamento das greves a partir de 1919.
Como um mal nunca vem só, a peste pneumónica varre também Portugal, matando mais de 70.000 mil vidas. Para muitos a única solução é a emigração, que, depois da guerra, assume proporções bíblicas: Portugal perde 6,7% da sua população. Testemunha-o o escritor Raul Brandão: “No outro dia, em qualquer terriola do Douro, fecharam as portas e abalaram com as trouxas – homens, mulheres, velhos e crianças. E o padre, ao vê-los passar disse, num pasmo: Ah, vocês vão todos? Então esperem aí que eu também vou… E foi. Deu volta à chave da igreja e foi”.
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