Wednesday, April 13, 2011

Crise, identidade nacional e elites (II)

Outro aspecto importante na reflexão de Jorge Borges de Macedo (JBM), que pode ser de grande utilidade para os Estados, prende-se com o receituário sugerido para os períodos ou situações de abrandamento e/ou crise da identidade nacional (como a que vivemos agora), o que passa pela análise das propostas à Nação no seu improvisado ou copiado, e pelo conhecimento do que somos e temos sido.

Entramos, aqui, portanto, na questão do papel das elites, entendidas como um conjunto de pessoas a quem recorremos para salvar a colectividade, na formulação de propostas válidas e exequíveis com vista à resolução dos problemas do território nacional, neste caso ajustadas à escala de uma pequena potência.

Por outras palavras, de que modo o escol actual tem usado os conceitos mais importantes da ciência e da cultura? A resposta passa naturalmente pela avaliação do seu papel nas situações de abrandamento ou crise da identidade nacional. Ora, nestas tem prevalecido sempre o geral, o abstracto, com manifesto desinteresse ou desconhecimento pela dimensão nacional. Como nos diz JBM, “só à custa dos próprios erros – e muito mais à nossa custa! – é que o economista encontra a dimensão nacional para as suas análises abstractas. Ora, é esse o elemento basilar onde a cultura nacional tem indispensável significado, mesmo para as ciências exactas: não se trata de as nacionalizar; trata-se de as dimensionar e de aprender a agregar os elementos específicos, isto é, que nos definem”.

O historiador alerta-nos aqui novamente para a importância do concreto, para o problema de escala e de conteúdo das “propostas apresentadas à Nação”: estas devem ser ajustadas à dimensão nacional, comportando, na sua formulação, sem dúvida alguma, o presente, mas também o passado, a experiência acumulada, “condição de verdade e de sucesso difícil”, porém uma exigência indispensável, facilitadora da própria acção da elite nacional.

Como nos lembra JBM “as nações são conjuntos concretos e espirituais”. É certo que não podem deixar de pretender o sucesso material das suas propostas e formas de ser, em face de outras propostas e formas possíveis, mas estas têm de ser adequadas à dimensão nacional.

As nações existem para receber dados gerais, mas existem sobretudo para criar a particularidade – o que para nós é uma grande vantagem, pois, segundo JBM, “o português tem uma verdadeira vocação de particularidade, sua forma de ser”. Substituíram-na, reconhece, no ensino e no discurso, por generalidades técnicas. Porém, a cultura portuguesa existe para promover a particularidade, para adequar e redimensionar as propostas de civilização, sempre gerais. É esta a sua função.

A ciência é universal e não existe para as nações. Resulta daqui que tem de existir cultura para proceder ao ajustamento da ciência/técnica à realidade nacional, para atingir a dimensão própria e possível, sempre que for caso disso. Em suma: “assimilar não é só compreender: é, sobretudo, adequar, dimensionar os conceitos, de outro modo sofismáveis”.

E esta é uma das principais tarefas das elites, desde que estas, como pessoas de qualidade a quem recorremos para salvar a colectividade, não se transformem em aristocracias. É fundamental que as elites permaneçam naquela categoria; é fundamental que cumpram o seu dever; é fundamental que defendam a nação. Como nos diz JBM, “se não esquecermos a responsabilidade, encontraremos as elites essenciais e teremos as aristocracias como circunstanciais”, com aquelas em vigilância crítica, acrescentamos. Como se vê o desafio é enorme e continua válido…

2 comments:

Assim Falava Zaratustra said...

Em relação às Elites, lembro-me sempre do humorísta Bill Maher, que dizia que não queria que o seu Presidente (Maher é norte-americano) fosse como o seu vizinho do lado, ou como ele próprio. Ou seja, o responsável máximo da Nação teria que ter qualidades acima da média, já que, entende Maher, o cargo em questão assim o exige pela dificuldade da função, pela exigência. Falo-te da elite governante, numa dimensão menos abrangente da que tu falas (ou de que trata JBM). A questão não passa tanto pela defesa do interesse nacional, pela defesa da colectividade, ou se resvala ou não para uma Aristocracia que pode, também ela, ter o mesmo desígnio e defender um projecto Nacional. A questão passa pela ausência do mérito no acesso aos cargos de decisão e de chefia dos interesses do país.

Podes ter uma Elite imbuída das melhores intenções, mas sem uma sociedade que promova e valorize o critério do mérito nada feito.

E mal de nós se entendemos o «papel das elites como um conjunto de pessoas a quem recorremos para salvar a colectividade». Homens providenciais sempre deram mau resultado. No fundo «a formulação de propostas válidas e exequíveis com vista à resolução dos problemas do território nacional, neste caso ajustadas à escala de uma pequena potência», de que falas, tem de emanar de uma vontade colectiva. Dos partidos, mas também da sociedade civil: das universidades, da(s) Igreja(s), das múltiplas organizações que pluralizam a sociedade, etc. Contudo - e não será a única causa, não desejo ser redutor - sem instituirmos o critério do mérito, sem nos libertarmos do excessivo papel do Estado nas nossas vidas, podemos ter grandes projectos de sociedade e uma grande certeza: nunca os concretizaremos.

Álvaro Costa de Matos said...

Meu Caro PS,

Desde logo contente por estarmos em sintonia em aspectos que há muito venho defendendo, a saber:

- Valorização duma cultura de mérito na sociedade portuguesa (cf, post sobre "geração à rasca";
- Diminuição do papel do Estado nas nossas vidas (aqui constato uma nova percepção das tuas ideias quanto às funções do Estado).

Como já conheces as minhas ideias sabes que não acredito em homens providenciais ou iluminados. E para mim, tal como para JBM, o conceito de elite é indissociável do mérito. As elites, políticas e outras, devem naturalmente brotar duma sociedade que promova o mérito e o trabalho. As elites são elites fruto do seu esforço, empreendedorismo, mérito. Isto no plano teórico, pois na prática nem sempre é assim; mas felizmente, em Democracia, temos mecanismos para correr com as pseudo-elites, como o voto, para as elites políticas, por exemplo. E elas são legitimadas pela vontade colectiva: as elites políticas pelo voto do povo; as culturais pela apreciação colectiva do seu pensamento, obra, etc.; as económicas, pelo resultado da procura colectiva dos seus produtos, ideias, criatividadade, etc. No final, é a elas que recorremos para "salvar a colectividade", num exercício que deve pressupor uma crítica permanente e o envolvimento de cada um. Abraço.