Saturday, April 9, 2011

NOVAS PÁGINAS DA REPÚBLICA (4) - A modernização falhada...

Portugal vive hoje uma das piores crises económicas de sempre, com o desemprego num nível histórico, próximo dos 11%. Há cem anos atrás, qual era a situação? O novo poder saído da revolução de 5 de Outubro promete recuperar o atraso nacional, colocar Portugal num lugar tão avançado como a Europa além-Pirinéus.

Mas, nos primeiros 10 anos não se vive qualquer explosão de desenvolvimento, nem qualquer surto de progresso que não resulte da natural extensão do que já antes estava em curso. Não se assiste sequer ao lançamento de um grande projecto de obras públicas. A única excepção é o início da construção, no fim do decénio, dos bairros sociais do Arco do Cego e da Ajuda, em Lisboa, mais por imposição do movimento operário do que por planificação governamental.

Para este quadro também contribuiu a crença no liberalismo e na iniciativa individual: os primeiros responsáveis republicanos advogam um Estado pouco interventor, razão que explica a ausência de projectos de equipamento público ou leis de segurança social. Depois interpõem-se as guerrilhas partidárias. E por fim surge a Guerra. Não há pois tempo para pensar o desenvolvimento, entregue à acção espontânea da sociedade.

O desenvolvimento que se verifica, não sendo espectacular, é apesar de tudo consistente e sustentado nas seguintes actividades:
- nos aumentos verificados nos circuitos dos transportes e das comunicações: nos transportes destaca-se o comboio, cada vez mais usado (só na CP, de 1908 a 1913, o movimento de passageiros aumenta de quase 8 milhões para cerca de 10 milhões, e o de mercadorias de menos de 1,5 para mais de 1,8 toneladas); outro meio de transporte em rápido crescimento é o veículo motorizado: ao longo destes 10 anos, o número de automóveis em circulação nas deficientes estradas portuguesas aumenta seis vezes (surpreendentemente, o Porto é em 1912/13 a cidade europeia com mais índice de automóveis por mil habitantes); nas comunicações, a novidade é a telegrafia sem fios, que o governo instala a partir de 1912; o telefone, embora espalhando-se cada vez mais, continua a ser um luxo de poucos;
- nos aumentos no consumo de energia eléctrica, notórios na cidade de Lisboa;
- na expansão da construção civil (entre 1912 e 1914 surgem 150 mil novos prédios) e no crescimento das importações de carvão e algodão em bruto, denunciando prosperidade industrial;
- no aumento das exportações de cortiça, conservas de sardinha e vinho do porto.

A Guerra, com as suas necessidades de abastecimento e o seu simultâneo proteccionismo económico, traz consigo outro surto de crescimento industrial, sobretudo no sector químico, nos cimentos, no têxtil, no calçado, nas moagens e nas conservas de peixe, apesar das dificuldades de transporte, dos custos das matérias-primas e das reivindicações sociais. São sectores de utilização intensiva de mão-de-obra, o que leva a um crescimento considerável do operariado, constituído em grande parte por mulheres, crianças e adolescentes (representam cerca de 50% dos 142 mil indivíduos estimados para 1917).

Verifica-se também um aumento significativo do número de instalações fabris, que em 1917 é de 8425 unidades, o dobro de 1911. A actividade produtiva permanece na maior parte repartida por estabelecimentos artesanais, oficinas e pequenas fábricas.

O abismo entre os programas políticos e a realidade permanece.

PS. O desenho é de Alfredo Cândido, dado à estampa na revista Amanhã, de 1 de Março de 1922.

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