No Diário de Notícias de ontem, num artigo sobre “A Europa em desagregação”, Mário Soares lamentava o comportamento do BE e do PCP relativamente ao FMI: “Os partidos da esquerda radical – PCP e Bloco – auto-excluíram-se do jogo do poder. Nunca apreciaram o projecto europeu. São partidos de mero protesto. O eleitorado não percebe o que querem.” E perguntava, oportunamente: “Voltar ao PREC? No actual momento europeu e mundial? Não lhes basta o exemplo de Cuba, que tanto apreciaram sempre, o país mais triste e empobrecido da Ibero-América?”
Ora, é precisamente sobre Cuba que escrevo hoje. Acontece que, para grande desilusão dos bloquistas e comunistas indígenas, até Cuba está a mudar. Inspirada no modelo chinês, Cuba começa a dar os primeiros passos, embora tímidos, na direcção duma economia de mercado. No léxico oficial chamam-lhe “actualização do modelo” cubano.
No VI Congresso do Partido Comunista Cubano (PCC), que decorreu em Havana nestes dias, começou-se pelo óbvio, isto é, pela constatação da falência do modelo socialista que impera naquelas ilhas, com a convocação da nova geração para “rectificar e mudar sem hesitar o que deve ser rectificado e mudado” (as palavras são de Fidel Castro). É claro que isto não é assumido publicamente, mas quer na retórica política do antigo líder cubano quer nas intervenções do seu sucessor, o irmão Raul Castro, lá descortinamos o reconhecimento de que a “Revolução dos humildes” pode ter os dias contados… O actual presidente fala mesmo na "última oportunidade" para a geração que fez a revolução "corrigir os erros do passado e acertar o rumo do país".
Feita esta espécie de “mea culpa”, ainda que encapotada, o dito congresso aprovou algumas reformas económicas e políticas que não deixarão de ter impacto na desagregação do actual sistema político cubano. No que toca às políticas, que tiveram como pano de fundo as revoltas no mundo árabe (não vá o diabo tecê-las), destaco o anúncio do limite do desempenho de cargos públicos a dois mandatos de 5 anos, visto pela imprensa internacional com um “passo histórico”. Com isto, coloca-se um ponto final na perpetuação no poder dos dirigentes políticos, a bem do “rejuvenescimento sistemático” do regime. Não menos importante, é a assumpção de que o sistema de partido único chegou ao fim. O próprio Raul Castro assumiu os erros do monopólio de uma só organização, neste caso do PCC. Esta abertura permitirá a breve trecho, julgo, a “legalização” da oposição e o aparecimento de novos partidos que refrescarão o actual panorama político com novas ideias e propostas.
Do ponto de vista económico é de realçar a “transferência” para o sector privado de 1,3 milhões de funcionários públicos (num país onde quatro quintos da população trabalha para o Estado), “sem pressas mas sem pausas” (quem diria!!!), a inevitável diminuição dos subsídios, a reforma da agricultura, a liberalização do mercado imobiliário e da compra e venda de carros, acabando com a respectiva legislação em vigor (bastante anacrónica), a expansão do sector privado através da distribuição de 200 mil licenças para trabalho por conta própria, e, por último, o fim gradual da “libreta”, a típica caderneta que permite que todos os cubanos, independentemente dos seus rendimentos, tenham acesso a bens públicos essenciais por preços mais reduzidos. A ideia, tal como já defendi no post “Mudar de vida é preciso”, visa aprofundar a descriminação positiva dos pagamentos de saúde e educação em função dos rendimentos. Como rematava Raul Castro, “Nenhum país ou pessoa pode gastar mais do que tem”. Lapidar, não?
Numa altura em que o liberalismo é vilipendiado por quase todos, como a causa da generalidade dos males do mundo, não deixa de ser paradoxal que Cuba, onde a falta de liberdade e direitos políticos é por demais evidente, caminhe precisamente para uma sociedade… mais liberal!!! Nestes conturbados tempos que correm, sabe bem esta ligeira brisa de liberdade vinda de Cuba…
PS. Dedico este post ao meu amigo Raul Rasga.
Wednesday, April 20, 2011
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1 comment:
Meu caro
Agradeço a dedicatória.
Mas o que raio Cuba tem a ver com as ideias socialista, trabalhistas ou sociais-democratas ( cada um escolhe o termo...)?
Cuba é uma ditadura tropical. Ponto.
Onde não existe liberdade económica ( coisa tão cara aos liberais), nem as liberdades civis que nos chegaram por toda a tradição iluminista.
Que raio tem Cuba a ver com o que se passa na Europa? Conheço nostálgicos que vão fazer turismo político, conheço outros que foram para ver a desgraça do comunismo ao vivo e conheço que tenha ido à praia.
Socialismo, social-democracia, trabalhismo não é isso. É acreditar numa sociedade decente.
O que tem Cuba de decente?
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