Acabo de reler um texto que, julgo, poderá ser de grande utilidade na percepção da actual crise portuguesa (e europeia): refiro-me a “Não temos o direito de desistir”, de Jorge Borges Macedo (nada como relembrar o “velho” mestre), publicado na revista Prelo, N.º 1 (Out./Nov. 1983). Tentarei testar alguns dos conceitos propostos por ele, aplicando-os ao actual contexto político e económico, que é dramático [na altura em que escrevia este texto fui confrontado com o pedido de ajuda externa do Estado português, o terceiro em quase quarenta anos de Democracia!!!].
JBM reflecte sobre o problema da identidade nacional, e sobre o papel das elites. Tratarei, neste post, apenas do primeiro, reservando para um segundo post a questão das elites. O que entende JBM por identidade nacional? Nada como citá-lo: “Entendo por identidade nacional uma coincidência mínima dos comportamentos, na percepção de que os problemas que é necessário enfrentar se especificam no conjunto nacional e na certeza de que os projectos de vida colectiva se vão desenvolver no sentido de serem vividos, aplicados e verificados em comum”.
Coincidência mínima de comportamentos, problemas e projectos. Seria importante que as actuais lideranças políticas interiorizassem, desde logo, o conceito de identidade nacional (é certo que ele não pode estar desligado da Europa, mas esta só faz sentido enquanto “Pátria da diversidade”, como Europa das Nações); depois, que identificassem com rigor os tais problemas “que é necessário enfrentar” (tarefa que não se avizinha muito difícil, face à quantidade de diagnósticos traçados, internos e externos); por último, pensar e executar projectos adequados para alavancar o país, mas “vividos, aplicados e verificados em comum”. Isto é, os projectos não podem dispensar o contributo e a participação activa da comunidade.
Impregnando a identidade nacional – que precisa envolver um conceito presente – encontra-se o contexto insubstituível do passado, repositório das dificuldades e das soluções já concebidas. O passado dá assim legitimidade ao conceito de identidade nacional. Esta torna-se, consequentemente, a consciência pública e comunicada da nação, na sua história, na sua cultura, no seu território e na missão que o país desempenhou ou desempenha. Logo, qualquer estratégia nacional, virada naturalmente para o presente e o futuro, deve contemplar igualmente a experiência política, económica, social e cultural acumulada pelo país. Esta será um precioso auxílio na definição duma estratégia nacional operativa.
Mas para JBM a identidade nacional não tem só conteúdo nacional-discursivo, mas também uma “expressão espiritual e subconsciente que se ajusta – humanizando-se – às diversas tecnologias, sistemas e formas de governo e dissolve as persuasões ideológicas que se lhe opõem”. A identidade nacional ganha, portanto, uma dupla componente: ela é, simultaneamente, uma vivência e um projecto.
Definido o conceito JBM vai depois ocupar-se das especificidades da identidade nacional, com algumas advertências, não menos importantes, a saber: 1.ª A força da identidade nacional não é constante ao longo da história nacional (vivemos actualmente um período de “abrandamento” ou mesmo de crise da identidade nacional); 2.ª Esta força não é sempre igual em todos os grupos e organismos sociais, embora seja, em todos eles, “um elemento essencial que dá ordem e sentido à resposta portuguesa que tem acabado por vencer” (que grupos hoje protagonizam esta força?); 3.ª A identidade nacional “não é um elixir ou um conjunto automático de soluções”; pelo contrário, “é um guia, um conselho, uma esperança, uma exigência de pensar, não vá supor-se que as soluções se deduzem no processo das ideologias”.
As soluções requerem, antes, debates, propostas em confronto, choques de variável dureza, até se encontrar e adquirir força de aplicação. Processo que segundo JBM nos permite conservar a unidade e espírito nacional. Continuaremos…
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5 comments:
Podemos falar de elites, claro que sim: Normalmente estigmatizam o povo utilizando o discurso sobre as competências, ou não-competências dos portugueses.
Digo-te que estou um pouco farto, sobretudo por ser um discurso recorrente, já velho e gasto de tanto ser usado quer por este quer pelos anteriores governos. Sempre que a economia estagna, sempre que constatam que a produtividade está a milhas dos parceiros europeus - que, curiosamente, trabalham menos horas e auferem salários mais elevados - lá vem o discurso acerca da incompetência do povo português, lento e ocioso, sempre atrasado para o trabalho e de olho numa qualquer possibilidade de conseguir um atestado médico fraudulento.
É certo que não se trata do povo mais cumpridor da União Europeia, mas que culpa têm os portugueses , de não conseguir assumir de peito aberto uma lógica capitalista que obedece a uma matriz protestante e não católica. Quando Benjamin Franklin disse Time is Money, quis marcar uma posição: a forma como a sociedade a que Franklin pertencia passava a gerir o tempo de uma forma radicalmente diferente das sociedades católicas, onde vigorava a máxima dar tempo ao tempo. Para os norte-americanos, por exemplo, tempo passou a significar dinheiro, ou seja o tempo passou a ser gerido em função da produtividade.
Ora, em Portugal o tempo ainda é organizado em função dos almoços e jantares de negócios que se perdem por largas horas, em função do tempo interminável que perdem no trânsito e dos horários dos infantários, absolutamente disfuncionais para quem trabalha. A noção do tempo dos portugueses, e a forma como o gerem não é, ainda, totalmente capitalista.
Aliás, quantos capitalistas existem em Portugal? Talvez meia dúzia. Liberais, então, nem vê-los. Se tirarmos os empresários cujo grande objectivo de vida é poder comprar uma boa casa de férias no Algarve; se excluirmos todos os gestores de empresas para quem a expressão formação profissional significa contratar trabalhadores ilegais a baixo custo; se pensarmos em todos aqueles que não sabem organizar as suas empresas de forma a torná-las funcionais e produtivas e para quem apostar na marca é comprar um automóvel topo de gama, se pensarmos em tudo isto constatamos que em Portugal não há capitalistas que cheguem para tornar este país produtivo. Há sim a propensão para o entesouramento, para o não-investimento (e, consequentemente, para o endividamento externo).
A dinâmica capitalista exige não só uma nova forma de gerir o tempo mas também uma lógica de reinvestimento e de aposta nas qualificações dos empregados, qualificação essa que tem de ser constante ao longo da vida. Algo que a elite económica portuguesa não percebe ou não quer perceber, mais preocupada a pedir a protecção do Estado para fazer frente à competitividade das empresas espanholas, como verificámos há alguns anos quando um grupo de empresários lusitanos entregou um abaixo-assinado ao governo pedindo protecção face à concorrência espanhola, ajuda essa que apenas é necessária para quem é incompetente. Afinal, pergunto eu, vivemos ou não num mercado aberto? Ou pretende a classe empresarial portuguesa fazer parte desse mercado de livre circulação de pessoas, bens e serviços apenas para beneficiar dos fundos comunitários.
Mas se a elite económica prefere o lucro imediato e a fuga aos impostos, lesando o Estado e os cidadãos das verbas necessárias para a acção social do Estado, o que dizer da elite política? A falta de coragem é constrangedora, pois só a falta de coragem explica que ainda não se tenha feito a necessária reforma do Estado e da máquina fiscal. Assim como ainda todos esperam o combate por parte do governo à excessiva burocracia do Estado. Esta máquina burocrática leva-nos dias de trabalho perdido e alguns cabelos brancos por ser tão ineficaz, mas os governos nunca parecem muito preocupados. Cheguei ao ponto de verificar que é mais fácil e mais barato a um português investir em Espanha do que no seu próprio país. E a culpa é de quem? Dos portugueses, pois claro, de quem havia de ser.
Neste momento, em Portugal, milhares de jovens recém-licenciados estão no desemprego. A inteligência diz-nos que, precisando as empresas portuguesas de quadros qualificados como de pão para a boca, alguma disfunção existirá na organização dessas mesmas empresas, impedindo-as de receber quem após anos de estudo se encontrou na posse das ferramentas necessárias para desempenhar um trabalho produtivo. Mas não é o que pensam o governo e as associações patronais. Para estes, os milhares de jovens desempregados são todos incompetentes, vítimas de um sistema de ensino incapaz de qualificar cabalmente os estudantes portugueses. Mas e a reforma do sistema de ensino? Alguém a vislumbra no horizonte sempre longínquo que é a política governativa portuguesa? E alguém acredita que todos os desempregados deste país - alguns milhares - são desqualificados e assim incapazes de assegurar às nossas empresas a necessária competitividade?
Permite-me dar a solução para alguns dos males deste país? Pois bem, enviemos os políticos portugueses assim como os seus empresários numa viagem de circum-navegação. Ao percorrerem os oceanos, prestando homenagem a Fernão de Magalhães - os políticos gostam sempre de homenagens e o destemido navegador merece - serão deixados, pouco a pouco, em algumas paragens longínquas. Aí terão que fazer pela vida como fizeram milhões de portugueses ao longo da história. Se a memória não me falha, estes nós sabemos que, com inúmeras dificuldades, é certo, tiveram geralmente sucesso. Mas e as elites? Também teriam o mesmo sucesso mantendo o nível de mediocridade a que estão habituadas? E os businessmen portugueses, como se sairiam de tão habituados que estão a operar com base nas falências fraudulentas e no não pagamento de impostos? (Ah! É verdade, não poderiam pedir ajuda ao FMI. Isso seria batota).
incompetência, são ambidextros.
- «Ambidextros?»
- «Sim, ambidextros, a incompetência existe à esquerda e à direita, o que é bom porque assim ninguém precisa de aprender a ser incompetente com a outra mão, lembras-te do que faziam aos canhotos, davam-lhes uns cadernos para treinar a letra...
Pis dir-te-ei que acima de tudo, a Portugal falta imaginação e dialéctica. Façamos um pequeno exercício: olhemos para a classe política que tem, em democracia, governado este país e procuremos um rasgo que seja de imaginação. Permite-me avançar com a resposta: aos políticos portugueses não se acende a luz dos tempos e do génio. Nada lhes é mais desconhecido. Creio que alguns, mais responsáveis, terão olhado várias vezes para o alto procurando essa pequena luz que indica a presença da inteligência, ou pelo menos de uma ideia que seja, mas nada. Nada de nada.
É, infelizmente, um país sem dialéctica. Somos todos quase iguais, quase todos católicos, quase todos morenos, e quase todos pessimistas e com propensão para a nostalgia. Antes assim não fosse. Os poucos que não correspondem à maioria qualificada que determina a espinha dorsal deste país – propensa a curvaturas vertebrais, como diria Camilo –, os poucos que não vão a Fátima quando lhes dói os pés, esperando que a virgem deles se compadeça e lhes dê a graça de uma cura para as micoses, esses poucos portugueses não interessam, pois não dão audiências.
Se Portugal fosse um país dialéctico, em que os contrários, opondo-se, permitissem uma qualquer espécie de síntese, talvez tudo se nos apresentasse diferente, mas talvez já não fosse Portugal.
À classe política de que falo, a tal que não possui imaginação, também falta capacidade prospectiva. Quer isto dizer que estes governantes governam, passe a redundância (e como conseguimos ser redundantes...), no curto prazo, no imediato, com base no que as sondagens lhes dizem. Esta governação do quotidiano é, de facto, necessária, mas não chega. É imperativo governar-se com base no médio e longo prazo. Mas para que tal seja possível, a classe política portuguesa deve olhar para o mundo e para o seu país; de seguida deve tentar perceber ambas as dimensões – mas e a inteligência para o fazer? – E, finalmente, com base na análise feita anteriormente, percebendo as virtudes e carências de Portugal, percebendo o que o mundo em que estamos inseridos nos exige, conseguir traçar um projecto de país. A isto chama-se capacidade prospectiva. Algo que não este povo de que te falo não possui.
Meu Caro PS,
As elites ficaram para um segundo post... O que seria se já o tivese escrito!!! Mas vou ler com atenção os teus comentários às ditas.
Abraço.
Meu Caro PS,
Acabo de ler os teus comentários. Como já referi, antecipaste-te, pois nem sequer cheguei a escrever sobre as ditas elites, e muito menos disse que a propensão delas é para estigmatizar o povo. Subscrevo muitas das coisas que referes, como a falta de dialéctica, de imaginação e de capacidade prospectiva das elites políticas e económicas portuguesas, ou a falta do tal espírito e prática capitalista neste mal tratado país. Faço-te apenas um reparo: a par dum pessimismo que desconhecia em ti, noto alguma resvalar para um certo discurso maniqueísta: de um lado os bons, o povo; do outro, os maus, as elites. Não estarás também a estigmatizá-las? Nem tudo é mau, temos algumas excepções entre as nossas elites políticas, económicas e culturais. O problema é que o discurso politicamente correcto ignora-as, preferindo os sound bites das pseudo-elites portuguesas. Abraço,
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