Morreu na semana passada (18 Jun) um dos mais influentes pensadores do século XX, Ralf Dahrendorf (1929-2009). Cheguei à obra da RD, como a tantas outras, através de Jorge Borges de Macedo, logo em 1995, no meu primeiro ano como assistente dele na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Católica Portuguesa, na cadeira de História Económica I. E cheguei através do clássico "Class and Class Conflict in Industrial Societies", publicado em 1959, de leitura "obrigatória" para a bibliografia que então redigimos para os alunos dos cursos de Gestão e de Economia.
Algumas notas biográficas: RD nasceu em Hamburgo, em 1929, filho de Gustav Dahrendorf, líder do Partido Social Democrata durante a República de Weimar e resistente ao Nazismo. Em Novembro de 1944, com apenas 15 anos, foi preso pela Gestapo e enviado para um campo de concentração. Foi libertado no ano seguinte, com a chegada das tropas soviéticas a Berlim. O pai, que já tinha sido detido em 1933, 1938 e 1944, voltou à prisão, desta vez na Alemanha do Leste, em 1946, por ter recusado participar nas negociações com vista à unificação forçada do Partido Social Democrata com o Partido Comunista. RD licenciou-se e doutorou-se em Filosofia pela Universidade de Hamburgo. Em 1952 foi para Inglaterra, para a London School of Economics, doutorando-se aqui pela segunda vez, em Sociologia, sob a égide de Karl Popper. Regressou à Alemanha e ingressou no Instituto de Investigações Sociais de Frankfurt, no qual se manteria por muito pouco tempo, dada a opressão intelectual imposta pelos neomarxistas seguidores de Adorno e Horkheimer. Virou-se para a política, liderando a renovação do Partido Liberal alemão, que culminou na coligação entre liberais e sociais-democratas, no governo de Willy Brandt - Walter Scheel, de que RD fez parte como ministro dos assuntos parlamentares. De 1970 a 1974, foi comissário alemão na Comissão Europeia, em Bruxelas, participando activamente nas negociações da adesão da Inglaterra. De 1974 a 1984, dirigiu a LSE, restituindo-lhe o prestígio que entretanto perdera. Regressou novamente à Alemanha, em 1985 e 1986, para dar aulas na Universidade de Konstanz. Em 1986, vamos encontrá-lo novamente em Inglaterra, como reitor do S. Anthony´s College da Universidade de Oxford, onde esteve até 1997. No ano seguinte, adquiriu a cidadania britânica, sem abdicar da alemã. Ingressou na Câmara dos Lordes em 1994, dirigindo o célebre comité sobre "Criação de riqueza e coesão social numa sociedade livre", uma das fontes de inspiração do New Labour , de Tony Blair.
Algumas notas sobre o seu pensamento político: desde logo o comprometimento de RD com a causa da liberdade, fruto da experiência precoce com dois totalitarismos, o Nazismo e o Comunismo, que lhe permitiu ainda observar que não existe liberdade sem lei, regras e sem instituições capazes de aplicar essas regras; daqui decorrerá, em "Law and Order", e, muito posteriormente, em "After 1989: Morals, Revolution and Civil Society" (1997), quer a crítica do sonho de Rousseau de um mundo sem constrangimentos quer a crítica do igualitarismo e do relativismo - na mesma linha, deve ser entendida a sua concepção de "singularidade da verdade": “Falar da singularidade da verdade é uma outra forma de afirmar que existem princípios universais, não apenas no que respeita ao conhecimento mas também em relação à moral. Não poderemos nunca, contudo, ter a certeza de os haver encontrado. Por conseguinte, devemos ser tão cautelosos relativamente ao dogmatismo fundamentalista como em relação à libertinagem dos relativistas”; depois, em 1959, com "Class and Class Conflict in Industrial Societies", talvez a sua mais importante obra, expõe a sua chamada "sociologia do conflito", por oposição às principais teorias de estratificação social então defendidas: "O monismo totalitário baseia-se na ideia de que o conflito pode e deve ser eliminado, de que uma ordem social e política homogénea e uniforme é a situação desejável. Essa ideia é tão perigosa quanto errónea nas suas premissas sociológicas. Pelo contrário, o pluralismo das sociedades livres baseia-se no reconhecimento e na aceitação do conflito social"; depois ainda, resultado da sua passagem pela Comissão Europeia, tornou-se "um europeísta convicto, mas um europeísta de tipo especial, céptico relativamente aos grandes projectos federadores e à subestimação das realidades profundas do Estado-nação", defendendo ainda o alargamento da União Europeia aos países recém-libertados das ditaduras comunistas; finalmente, além de cultivar a liberdade e o pluralismo, RD deu mais importância à limitação dos poderes do governo do que à necessidade de lhes garantir "força" para realizarem reformas, fossem elas quais fosse. Para RD, qualquer democracia tinha de cumprir 3 condições: "Que é possível mudar de governo sem violência; que existe um sistema de pesos e contrapesos capaz de limitar o poder a quem o detém e, por fim, tal regime deve assegurar que o povo tem sempre direito a exprimir-se."Em suma, RD é portador de um "liberalismo especial", como escreveu João Carlos Espada num ensaio que lhe dedicou no jornal "i": um liberalismo "aberto à mudança, mas respeitador da tradição; a favor da escolha individual mas contra o individualismo desbragado; firmemente do lado dos mercados livres e da propriedade privada, mas oposto à destruição do "terceiro sector", que o autor encara como indispensável a uma sociedade civil forte".
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