Monday, July 6, 2009

Fazer a diferença (também) na Cultura...


Contrariamente ao que pensa o Dr. Mário Soares, não creio que a "guerra dos Manifestos" (a expressão é dele) deixe "seguramente confusa a opinião pública portuguesa, não contribuindo para prestigiar os partidos nem os protagonistas que nelas intervieram" ("Uma fase complexa", DN, 30 de Junho de 2009, p. 51). Pelo contrário, a "guerra dos Manifestos" é muito bem-vinda, desde logo porque permite à opinião pública conhecer (e depois decidir a partir delas) perspectivas diversas sobre o mesmo assunto, neste caso sobre a utilidade, ou não, do investimento público em grandes obras, como instrumento no combate à crise e, consequentemente, como estratégia para o relançamento da economia portuguesa. Portanto, nos antípodas do que escreveu o Dr. Mário Soares, julgo que a dita "guerra" clarifica a opinião pública, e prestigia os protagonistas, sendo um sinal importante da vitalidade (por muitos julgada adormecida) da sociedade civil.
Vem isto a propósito de outro manifesto, Uma Cultura para o Século XXI, lançado sexta-feira, 3 de Julho, em http://umaculturaparaoseculoxxi.blogspot.com/. O manifesto, assinado por mais de cem personalidades ligadas aos meios culturais, contesta a progressiva desorçamentação do Ministério da Cultura e a ausência de uma política consistente para o sector, desafiando os partidos a apresentar, na campanha eleitoral que se avizinha, "propostas claras" nesta matéria. Além das prioridades que são apontadas, do cinema e audiovisual ao livro, e do património às artes perfomativas, destaco aqui a defesa do papel do Estado na Cultura, considerado pelos subscritores como insubstituível, e do investimento público nesta área.
Sobre isto, contrapunha o seguinte, para reflexão: parece-me, à luz da globalização, que o desenvolvimento económico tem de assentar também, tal como no passado, na arte, na ciência e na cultura. Até porque a cultura contribui mais para a economia do que outros sectores considerados muito relevantes (KEA, 2006). Em Portugal, por exemplo, o sector da cultura (público e privado) é o terceiro principal contribuinte para o PIB. Mas este contributo pode ser potenciado, tornando-se inclusivamente motor de um desenvolvimento económico e social sustentável. Cidades como Glascow, Bilbao, Cleveland, Kitakyushu, entre outras, vivem um notável renascimento urbano porque mudaram de paradigma, assentando o seu florescimento no desenvolvimento de bens culturais, nomeadamente nas áreas enfraquecidas dessas mesmas cidades, captando populações criativas e inovadoras, recebendo investimento, nacional e estrangeiro, promovendo o turismo e a sua marca territorial.
O Estado tem uma função social que é indeclinável, designadamente nas áreas da educação, saúde e cultura, mas tal não invalida que não se aproveite o actual debate para repensar o papel do Estado na Cultura, por outras palavras, as políticas públicas direccionadas para as estruturas e actividades culturais, a partir de uma concepção mais alargada do fenómeno cultural. Julgo ser mais ou menos consensual que o Estado deve: i) cuidar das suas “pedras”, isto é, do “seu” património; ii) garantir aos seus cidadãos a usufruição plena dos serviços que tutela e gere, como as bibliotecas, arquivos e museus, entre outros equipamentos públicos; iii) apoiar a criação artística, no cinema, no teatro, na dança, na música, no livro, como entidade facilitadora de apoios financeiros e de subsídios aos particulares ou outras instituições/associações culturais da sociedade civil - mas aqui com uma diferença relativamente ao modus operandi dos últimos anos, que é a deste apoio traduzir-se num estímulo, num incentivo, e não numa dependência “eterna” dos subsídios do Estado.
As funções clássicas do Estado na área da Cultura deverão ser asseguradas com eficiência, duma forma desconcentrada e descentralizada, sem desperdício e burocracia. De acordo com os estudos de opinião, a generalidade dos cidadãos portugueses concorda com elas e está disposto a viabilizá-las com os seus impostos. Como tal, parte do Orçamento do Estado (1%?) deveria ser canalizado para a conservação e valorização do património cultural do Estado e para o apoio à criação e à difusão cultural, políticas que deveriam ser desenvolvidas de forma integrada com a educação, com a ciência e com o turismo e em estreita articulação com os municípios, reduzindo custos mas ao mesmo tempo assumindo-se como parte duma estratégia para enfrentar a crise. Como traves-mestras da acção do Estado na Cultura propunha:
> A valorização e promoção da Língua e Cultura Portuguesas;
> A conservação, estudo e reabilitação do património cultural;
> O estímulo à criação artística e à difusão cultural;
> A qualificação e modernização dos serviços e equipamentos públicos culturais;
> A integração das políticas públicas culturais com a educação, a ciência e o turismo.
Definido o papel do Estado, importaria depois adequar a estrutura/organização existente à melhor execução das políticas públicas direccionadas para a Cultura, desde logo avaliando a eficácia e os resultados do PRACE, e, se necessário, introduzindo correcções com vista à racionalização dos recursos e à eliminação de redundâncias entre os serviços e equipamentos.

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