Tuesday, March 15, 2011

Da "geração à rasca"...

Nada como um "sobressalto cívico" para retomar um blogue, depois de um ano literalmente mergulhado na I República. Refiro-me à manifestação de sábado passado, em Lisboa, e nalgumas cidades do país. Pois é, estive na "manifestação grandiosa", depois de um dia de muito trabalho (aulas, hemeroteca, etc.). Isto pode surpreender muitos dos meus amigos, mas confirmo a minha presença no protesto da denominada "geração à rasca". Mas estive lá para "senti-la", para testemunhá-la (não é todos os dias que podemos "estar" numa das maiores manifestações de que há memória na cidade de Lisboa), e sobretudo para tentar percebê-la. E estive lá sozinho, no meio daquele mar de gente, o que constituiu um exercício sociológico interessante. Desde logo, não deixa de ser impressionante a capacidade de mobilização do Facebook, que conseguiu juntar na capital cerca de 200.000 pessoas. Se dúvidas houvessem, depois do que aconteceu e acontece no "mundo árabe", e agora aqui, perto de nós, elas não fazem mais qualquer sentido. Depois, é de registar a "transversalidade" geracional da "indignação", que reuniu a "geração à rasca", mas também aquela, mais nova, que chamo premonitoriamente de "exílio" (porque a breve trecho será “expulsa” da pátria, sem acesso às mesmas oportunidades), e a mais velha, que alguém oportunamente classificou de "enrascada", e que paga com muita dificuldade as dificuldades dos descendentes. Por último, apesar da discreta presença de políticos de segundo plano, saliento a abrangência política do protesto da "geração à rasca", desde os nacionalistas mais ou menos nazis, passando por algumas “jotas” (corre que a única ausente foi a do PS!!!), até aos anarquistas mais ou menos assumidos. Sendo paradoxal, explica muito do que está na base desta manifestação.

Algumas coisas no entanto deixaram-me muito preocupado, e que já partilhei com alguns amigos: 1.ª) O discurso anti-políticos, anti-partidos, e mesmo anti-democracia, presente na generalidade dos manifestantes (ver as "pérolas" que ilustram este post), que é perigoso, e que pode descambar facilmente em caminhos muito tortuosos. Lembro, para não sair daqui, que foi este discurso que colocou um ponto final na Monarquia Constitucional, e mesmo na I República, goste-se ou não dela, que por sua vez levou à Ditadura Militar e à repressão e censura do Estado Novo (a história serve para alguma coisa, quanto mais não seja para alertar para estas lições); 2.ª) A demagogia de algumas das propostas, que ignoram totalmente a realidade – a levarmos à letra as reivindicações dos manifestantes, sob inspiração dos Deolinda, entraríamos num ápice na bancarrota e na irrelevância como país; iii) A falta de qualquer referência, nas soluções preconizadas, ao mérito, que contém uma componente individualista, de esforço, trabalho e empreendorismo, que os manifestantes manifestamente detestam.


Ora, é pelo mérito que vamos lá, mas no manifesto da “geração à rasca” o que temos é o oposto: mais Estado (como se fosse este o grande criador de riqueza e trabalho), mais empregos na função pública, mais protecção social, melhores salários (mas facilmente dão 50€ por um concerto dos… Deolinda), mais direitos, mais direitos, mais direitos, e mais direitos (onde estão os deveres?). Esquece-se duma pergunta basilar: quem paga tudo isto? Naturalmente, o Zé-povinho, o português, e o contribuinte alemão, embora este não por muito mais tempo. A “geração à rasca” vive na ilusão de que o dinheiro aparece por milagre, que é possível espremer ainda mais o povo e as empresas, que o endividamento externo tudo resolve, que as taxas de juro sobre a nossa dívida são uma brincadeira dos mercados, que estes são uma ficção, etc., etc.

Precisamos urgentemente dum novo modelo, já mudamos de paradigma, mas a “geração à rasca” ainda não o percebeu. O que é surpreendente (ou não), pois foi precisamente o modelo actual (convencido, erradamente, que há uma relação causal entre educação e desenvolvimento económico; logo, quanto mais cursos superiores melhor…), com a cumplicidade de todos, que levou à precariedade, a cursos superiores que não servem para nada, ao desemprego e à frustração, legítima, dos milhares de jovens que se manifestaram no sábado. Explicação para isto? Uma desconfiança genética na sociedade civil, na meritocracia, na concorrência, no esforço e no trabalho, sustentada por um país pobre, periférico, que sempre necessitou da protecção do Estado para sobreviver e que nunca teve coragem para romper com este secular modelo de pseudo-desenvolvimento…

9 comments:

Assim Falava Zaratustra said...

Se o Facebook serviu de elemento agregador no Médio Oriente, porque não juntar 200 mil portugueses em Lisboa.

Assim Falava Zaratustra said...

Um segundo comentário: não foi "este discurso que colocou um ponto final na Monarquia Constitucional, e mesmo na I República, goste-se ou não dela, que por sua vez levou à Ditadura Militar e à repressão e censura do Estado Novo...", foi, isso sim, a desastrosa prática política republicana (o afrontamento à Igreja é apenas um exemplo, o saco-de-gatos em que se tornou a vida partidária, um parlamento em constante colapso (mais de 40 governos em 16 anos, se a memória não me falha), o caciquismo, etc. e tal.
Mas existe esta ideia feita que comentar a situação política e pôr a nú os vícios dos partidos e da respectiva classe política é pura demagogia, vetando aos cidadãos o exercício da crítica. No fundo é dizer, «comam e calem, porque se criticam estão a pôr em causa a democracia», o que sendo absurdo em si mesmo não deixa de ser irónico, afinal não é a Democracia o único sistema que permite e aceita a crítica.

Luís Aguiar Santos said...

Concordo que a conversa da "porca da política" (criada iconograficamente por Rafael Bordalo Pinheiro) muito contribuiu para a desafectação de uma geração inteira às liberdades políticas e às instituições representativas e que foi com a chegada desses à idade adulta que a monarquia constitucional soçobrou (numa altura em que até se recuperava da crise financeira e económica). A I República foi em grande medida feita por essa gente educada na lógica da "porca da política" e não admira que o grosso dos republicanos tenham depois aderido à solução autoritária estado-novista ou ainda a propostas mais radicais (de esquerda e de direita). A conversa actual de muita gente sobre o "fim de regime" vai nesse sentido...

Álvaro Costa de Matos said...

Meu Caro PS,

Agradeço os comentários, sempre pertinentes. Apenas um esclarecimento: quando falo no perigo do discurso anti-política importa não confundir com a crítica construtiva à política, aos partidos e à democracia, que, como tu muito bem referes, faz parte da própria democracia. Foi por isso que lutámos por ela, para falar livremente, sem medo de qualquer censura. O problema é quando essa mesma crítica é pura demagogia e contribui para um caldo cultural onde podem desabrochar os mais perigosos demagogos e as soluções políticas autoritárias, sejam de esquerda ou de direita. Um caldo cultural que, como refere o LAS, afasta as pessoas das liberdades políticas e das instituições representativas do povo, levando-as para "pastagens" muito perigosas...

Um Abraço,

Álvaro Costa de Matos said...

Meu Caro Luís Aguia Santos,

Não podia estar mais de acordo. Obrigado pelo comentário.

Abraço,

Assim Falava Zaratustra said...

Caro ACM,
Talvez me possas explicar onde acaba a crítica construtiva e começa essa crítica demagógica de que falas, e que "contribui para um caldo cultural onde podem desabrochar os mais perigosos demagogos e as soluções políticas autoritárias, sejam de esquerda ou de direita." É que não me recordo de alguém de entre a classe política que tenha aceitado qualquer tipo de crítica à vida política portuguesa e ao comportamento dos partidos. Qualquer movimento cívico, mais ou menos espontâneo, fazendo muito ou pouco barulho, é imediatamente rotulado de demagógico. No fundo, pretende-se dizer que as soluções válidas só podem sair dos partidos, ou dos «notáveis que gravitam em torno do cadeirão do poder; ou dos livros brancos e das comissões criadas para «pensar» em soluções para país; ou dos grupos de «sábios» que os partidos agregam que quando em vez para solucionar o problema lusitano.
No fundo, a demagogia começa no critério de cada um: se concordamos com as soluções estas são válidas, se discordamos, são automaticamente rotuladas de demagógicas.
Além do mais, é complicado dizer que todos os que se manifestaram desejam o fim do regime e a extinção dos partidos políticos, deixando o país na anarquia. E que todas as reivindicações passam por mais Estado, mais empregos na função pública e mais subsídios sociais. O movimento foi plural, apartidário e inter-geracional. Ouvi muitos jovens defenderem o mérito como critério no acesso ao mercado de trabalho. E não me parece demagógico defender uma reforma da justiça, por exemplo. Quanto ao desabrochar "dos mais perigosos demagogos", é um perigo que todas as democracias correm, já que estas admitem o seu contrário. Como diria um antigo 1º Ministro "é a vida!" Esperemos que a sociedade portuguesa tenha atingido um grau de maturidade política suficientemente adulto para que soluções autoritárias não vinguem.
Contudo, e paradoxalmente, as soluções demagógicas podem ser encontradas, na maior parte dos casos, no interior dos partidos que, eleição após eleição, prometem o inviável.
Em suma, quem se reuniu um pouco por todo o país apenas quis criticar quem tem conduzido o país para o abismo. Nada mais. Quanto às soluções, foram reunidas milhares pelos organizadores, para além das que podem ser enviadas por correio electrónico. Todas serão entregues na AR. Podes enviar as tuas soluções que serão aceites e entregues.

P.S. de facto, "o grosso dos republicanos" aderiu ao Estado Novo, e dentro de um certo tempo praticamente todo o país. Assim como os monárquicos. Claro que ficaram desiludidos quando perceberam que Salazar não restauraria a Monarquia. No entanto, o grosso permaneceu fiel ao monstro de Santa Comba.

R said...
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Os Tesouros da Religião.blogpost.com se encontram muitos segredos said...

Caro senhor ao visitar seu blogg verefiquei que e muito afirmativo nas suas postagens e sempre resalvando a impotancia das lutas e suas comquistas.
Parabens

Álvaro Costa de Matos said...

Caro Gabriel,

Obrigado pelas simpáticas palavras. Espero que continue a ler o blog.

Abraço,