Friday, March 18, 2011

NOVAS PÁGINAS DA REPÚBLICA (1)

Vou “postar” nos próximos meses a colaboração que, quase durante um ano, tive na Antena 1 a propósito do Centenário da República. Entre Março e Outubro de 2010, todas as semanas, às terças-feiras, lá tinha uma crónica de 2/3 minutos sobre a I República, abordando os mais variados assuntos. Privilegiei a parte cultural, pois os restantes colaboradores (Rui Ramos, Alice Samara, António Ventura e Maria Fernanda Rollo) deram preferência aos temas políticos, económicos e sociais. O programa, intitulado “Páginas da República”, passava às 7 da manhã, e depois repetia às 8, o prime time da rádio. Tivemos sempre boas audiências, e foi uma experiência muito interessante, desde logo porque inédita, pelo menos para mim; depois, porque “falar” na rádio tem as suas especificidades (boa dicção, tom de voz, controlo da velocidade da leitura, pausas, etc.), que não me apercebi logo no início: por exemplo, falava muito depressa ou a dicção não era a melhor. Julgo que, depois das primeiras crónicas, consegui corrigir os meus erros, e devo isto sobretudo aos ouvintes, que me telefonavam, pedindo para falar mais devagar, mas também porque passei a ouvir as minhas crónicas, colocando-me no lugar do “outro”, e desta forma superei o “amadorismo” inicial. Tudo isto para dizer que foi uma experiência única e, como acumulei dezenas de crónicas, nada como partilhá-las novamente, desta vez como os amigos que as não ouviram, e os leitores deste blogue. Aqui vai a primeira, apresentada precisamente no dia 5 de Outubro de 2010, cem anos depois do golpe militar que colocaria um ponto final na Monarquia Constitucional...

5 de Outubro de 1910: uma revolução inevitável?

Para a generalidade das pessoas que viviam em Lisboa em 1910 a revolução ocorrida a 5 de Outubro foi recebida como algo inevitável, dadas as peculiares circunstâncias políticas vividas pela Monarquia Constitucional. A revolução seria, assim, o corolário dessas mesmas circunstâncias. Não tanto por aquilo que a maior parte dos historiadores aponta, “a crise final da Monarquia”, isto é, as dificuldades económicas e financeiras do país; a permanente instabilidade política, em resultado do agonizar do rotativismo monárquico; ou os sucessivos escândalos que atingiram as principais figuras do regime; mas sobretudo pela progressiva republicanização do Estado. Como sustenta Rui Ramos, todos, incluindo republicanos e monárquicos, “achavam a forma republicana de Estado uma consequência lógica do progresso moderno”. Por outras palavras: ninguém, em 1910, recusava a forma republicana de Estado, com um poder executivo sujeito a um parlamento eleito, com uma intervenção mínima do chefe de Estado, e uma intervenção máxima da participação popular. As diferenças entre monárquicos e republicanos eram outras: enquanto os monárquicos rejeitavam a revolução ou uma República dominada pelos líderes do Partido Republicano Português (PRP), os republicanos viam D. Manuel II como o seu principal obstáculo à “democracia” e ao seu domínio político.

A Monarquia era apenas a ordem estabelecida, o “existente”, e a sua defesa dependia muito da forma como o Rei, neste caso, D. Manuel II, fosse capaz de impedir o assalto ao poder do PRP. Não impediu. Tal como o seu governo, na altura liderado por Teixeira de Sousa.

A republicanização do Estado não deixou de fora as forças armadas, o último reduto da salvação da Monarquia. E foi aqui que tudo se decidiu… Não passava pela cabeça do PRP fazer uma revolução sem as forças armadas, ou contra elas. Daí o recrutamento de militares para os ideais republicanos: primeiro de sargentos e praças e, a partir de 1909, quando se começou a preparar a sério a revolução armada, de oficiais, pois nenhuma conspiração podia avançar sem eles. Neste trabalho de sedução foi fundamental a acção da carbonária, com destaque para Machado Santos, comissário naval, e de Cândido dos Reis, vice-almirante e responsável pelo comité militar republicano.

A republicanização do exército teve consequências desastrosas para a sobrevivência do regime: as tropas monárquicas foram incapazes de montar um sistema de defesa eficaz, apesar da superioridade de efectivos militares no terreno; nas unidades que defendiam a Monarquia, encontravam-se numerosos militares republicanos ou simpatizantes, alguns até com posições destacadas, como o general António Carvalhal, que não só impediu Paiva Couceiro de um assalto ao quartel de Artilharia 1, ao recusar o envio de reforços para o comando da divisão, como não cercou e combateu os revoltosos da Rotunda com a coluna “envolvente” que comandava – como recompensa foi nomeado a 5 de Outubro chefe da Divisão Militar pelo governo provisório republicano!!!

A relutância em combater a República está bem patente no célebre episódio do “armistício”, que, na prática, conduziu à vitória dos republicanos. Apesar da situação do Rossio ser bastante complicada, com as forças monárquicas no meio dos fogos da Rotunda e da artilharia dos navios colocados frente ao Terreiro do Paço, Paiva Couceiro, que se havia deslocado para o Torel, bombardeou com eficácia a Rotunda, causando baixas e gerando a confusão nas hostes republicanas, lideradas com bravia por Machado santos. A situação de desvantagem que poderia ter sido decisiva revelou-se infrutífera. Às 8 da manhã, Couceiro recebia uma ordem de cessar-fogo porque ia haver um armistício de uma hora para embarcar os estrangeiros residentes em Lisboa. O armistício traduziu-se numa grande confusão, com os magotes do povo a misturarem-se com as fileiras republicanas, ecoando “vivas à República”. A situação criada foi habilmente aproveitada por Machado Santos, perante a recusa do general Gorjão, comandante da divisão, em continuar a combater. 500 homens barricados numa rotunda punham assim termo a uma Monarquia com 8 séculos de história!!!

Pouco tempo depois, a República era proclamada em Lisboa, e “telegrafada aos quatro cantos do mundo lusitano” (as palavras são de João Medina).

PS. O desenho, initulado "Divórcio", saiu do lápis de Stuart Carvalhaes, para a capa do periódico humorístico O Zé, de 9 de Maio de 1911.

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