Monday, June 15, 2009

Voto obrigatório?


Tinha pensado escrever sobre a abstenção, a grande vencedora das eleições europeias de 7 de Junho. Mas como praticamente já tudo foi dito abalanço-me, não sobre o manifesto desinteresse dos europeus em geral pela Europa, mas sobre a proposta que foi apresentada pelo presidente do Governo Regional dos Açores, Carlos César, para combater a abstenção nas eleições. E que proposta foi essa? Nada menos do que a instauração do voto obrigatório! Logo no rescaldo do acto eleitoral, César atirou: "O voto deve ser uma obrigação de todos os cidadãos e como tal deve ser consagrada na lei. Isto deve ser acautelado para acautelar também a qualidade da nossa democracia". Mais recentemente, apelidou de "estúpido" o que se passou com o índice de abstenção nas eleições europeias, que, em Portugal, como sabemos, atingiu os 63%. Se somarmos a este valor o valor dos votos brancos e nulos, 4,6% e 2% respectivamente, ficamos com uma ideia mais nítida do "interesse" que, por cá, o projecto europeu suscita. Entretanto, a César juntaram-se outras vozes da cena política portuguesa que, pelos vistos, pretendem alterar a realidade por decreto.
Mas voltemos ao voto obrigatório. Se não foi lançada para desviar as atenções do colapso socialista, então a proposta do voto obrigatório enferma, em nosso entender, de vários problemas. Desde logo, para justificá-lo, não nos parece eticamente correcto responsabilizar os eleitores pela elevada abstenção nas eleições europeias. Que tem feito a Europa para os mobilizar? Que tem feito a Europa para diminuir o fosso que separa a inexplicável burocracia das suas instituições das reais necessidades e problemas dos seus cidadãos? Que tem feito a Europa nas etapas e processos decisivos da sua construção, política e económica? Não os tem ignorado sistematicamente? Não seria de começar precisamente por aqui? Não estará naquela "atitude" a principal explicação para a falta de comparência política dos eleitores europeus? Não será preferível identificar e combater os factores que não estão a mobilizar os eleitores para o voto? A resolver o problema, o voto obrigatório resolverá a causa do problema? Não estarão os eleitores sinceramente revoltados com a política e os políticos? Não terá a abstenção um significado político?
Por outro lado, quando introduzido nas democracias ocidentais, como foi o caso do Luxemburgo, Bélgica ou Grécia, o voto obrigatório não trouxe consigo aumentos significativos da participação eleitoral. Nem mesmo onde é grande o grau de severidade das penas associadas ao não cumprimento (multas, perda de benefícios fiscais, não emissão de documentos importantes, como o BI ou o passaporte, e mesmo prisão, nas piores situações). Nalguns países, até, o voto obrigatório teve um efeito pernicioso nos partidos, que passaram a fazer ainda menos para mobilizar o eleitorado.
Uma melhor solução será sem dúvida a formação do interesse pela política na escola, de modo a que esse interesse se traduza depois numa maior participação eleitoral. Ou a arranjos nos sistemas eleitorais, introduzindo uma maior capacidade de escolha dos representantes, actualmente confinada aos partidos. Enfim, a par da resposta às perguntas acima enunciadas, as soluções são mais que muitas.
Finalmente, há uma questão de principio, que tem a ver com a liberdade individual de cada um, e na qual o Estado não deve interferir. Neste caso, a liberdade de não votar...

5 comments:

Pedro Moura said...

A qualificação de "estúpida" não está mal feita, uma vez que o sr. César deve estar a pensar no seu sentido mais profundo, isto é, o de que "não fala" ou "não responde"(como os ídolos da Bíblia). De certa forma, é o que a abstenção significa, eventualmente... parte desinteresse, parte deslustre da parte dos eleitores.
Eu vejo de bom grado a alteração das regras da democracia: a percentagem de votos em branco significaria uma diminuição de uma percentagem idêntica no número dos representantes (a nível autárquico, parlamentar, governativo e da Europa) e a abstenção também deveria corresponder a uma qualquer acção afirmativa na qualidade dos eleitos... Mas qual?
Agradacem-se e aguardam-se soluções...
Pedro Moura

Assim Falava Zaratustra said...

Caro Amigo,

Concordo que sancionar aqueles que se abstêm não é a solução para combater o abstencionismo eleitoral. Uma ideia que parece ter sido inventada por aqueles querem diminuir para 16 anos a idade permitida para votar como forma de aumentar a participação política (ignoram que a abstenção é particularmente elevada entre os jovens) - proposta do Bloco de Esquerda que, há que fazer justiça, já tinha sido mencionada por Guterres em tempos que já lá vão (felizmente).

Contudo, como referes, algo tem de ser feito, e a alteração do sistema eleitoral é mais do que urgente. Um sistema misto, proporcional e com círculos uninominais, parece-me o mais indicado, já que mantém as hipóteses dos pequenos partidos estarem representados no Parlamento, ao mesmo tempo que permite aproximar os eleitores daqueles que se candidatam.

Mas não penses que basta mudar os sistema eleitoral para resolver a não participação política dos portugueses (a sua não-inscrição política, como diria o José Gil). Há, por parte dos portugueses, um desencanto endémico relativamente à classe política, e digo endémico porque sempre existiu. Pode-se afirmar que este desencanto, esta desconfiança em relação aos políticos é maior nos tempos que correm, mas, pergunto, alguma vez foi diferente?

Estamos formatados para desconfiar de que nos governa. E provavelmente com razão. Na sua infinita sabedoria, os portugueses sabem que nada ou muito pouco podem esperar de quem os governa.

O que permite levantar outra questão: existem elites em Portugal suficientemente competentes para alterar este estado de coisas? Tens expectativas em que algo mude? Que a nossa elite governante, intelectualmente mediana e sem qualquer sentido do dever, faça um acto de contrição, rebolando no chão para de seguida morrer?

Os partidos que temos são entrepostos de influências e compadrios. Se foste para o partido pequenino pode ser que alguém repare em ti e te dê a mão: quem sabe, até podes ir para assessor. Com sorte consegues um lugar elegível na lista do partido e, porque não, até podes chegar a ministro.

Enfim, não me alongando mais, dir-te-ei que para além da reforma do sistema eleitoral é necessário reformar os partidos e toda a classe política - porque não atribuir o subsídio de invalidez à nossa elite dirigente - o que é o mesmo que dizer que necessitamos de reformar o País.

A não ser que concordemos com o Pessoa, que cito de memória: "o problema de Portugal é que tem portugueses". Ou com o José Rodrigues Miguéis: "Portugal é o País com mais parvos por metro quadrado". Então não há mesmo esperança.

p.s.: Já agora deixo-te com um pensamento, que alguém realçou: já reparaste que os "brancos" tiveram mais votos que os Verdes?

Um abraço,

Pedro

Álvaro Costa de Matos said...
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Álvaro Costa de Matos said...

Caro Pedro Moura,

Em vez duma diminuição do número de representantes do povo nos parlamentos (autárquicos, nacionais ou europeus), proporia uma ideia mais "radical", a eleição de "deputados fantasma". Não me refiro, claro está, ao clássico deputado "baldas", mas à existência de lugares vazios nos parlamentos, "eleitos" em função do número de votos em branco. Estes lugares teriam assim uma função simultaneamente política e pedagógica, a de lembrar aos restantes pares que uma parte do eleitorado, pouca ou muita, não interessa, não se revê nos partidos políticos que vão a votos, nas suas ideias, propostas ou figuras. Quem sabe se do "convívio" com o deputado fantasma não resultaria uma ética diferente na política portuguesa?

Abraço,

Álvaro Costa de Matos said...

Caro Pedro S.,

Agradeço o comentário, pertinente e inteligente, como sempre. Subscrevo inteiramente a ideia dos círculos uninominais, como forma de aproximar efectivamente o eleito do eleitor. Mas não tenho a ilusão de que tal alteração seja solução para todos os males. O desencanto com a política, como referes, não é novidade. Basta folhearmos os jornais do século XIX para ficarmos com uma ideia do que pensavam os contemporâneos sobre a política e os políticos, ou as folhas do Bordalo Pinheiro, que baptizou a política de "porca", ou as "Farpas" de Eça e Ramalho Ortigão, enfim, os exemplos são infindáveis. O mesmo diria em relação à elite governante, que, duma forma geral, inspira pouca confiança, e, em vez de servir o bem comum, serve preferencialmente os seus bolsos. Contudo, ainda há gente de valor, na sociedade civil, nas empresas, nas universidades, e mesmo na política, em suma, uma elite que, se o desejar, ainda pode ter um papel importante na refundação do país. Reformando-o de fora para dentro, com o seu exemplo. Como as recentes eleições mostraram, tanto pela abstenção como (e talvez sobretudo) pelos votos em branco e nulos, há “margem” eleitoral para um rumo, para um caminho, para uma política diferente. Agora, não podemos é adiá-la por muito mais tempo. Abraço,