Friday, June 3, 2011

Fazer a diferença também na Cultura (II)

No último post falei do anunciado fim do Ministério da Cultura (uma ideia do PSD) e do falso problema que alguns logo quiseram criar. Tentei explicar que, mais do que a forma, o que interesse é o conteúdo, ou seja, saber se a cultura será assumida como prioridade estratégica da acção política do próximo executivo. Esta questão remete para outra, que julgo mais importante, e que tem a ver com o papel do estado na cultura, por muitos considerado insubstituível, e do investimento público nesta área.

Sobre isto, contrapunha o seguinte, para reflexão: parece-me, à luz da globalização, que o desenvolvimento económico tem de assentar também, tal como no passado, na arte, na ciência e na cultura. Até porque a cultura contribui mais para a economia do que outros sectores considerados muito relevantes (KEA, 2006). Em Portugal, por exemplo, o sector da cultura (público e privado) é o terceiro principal contribuinte para o PIB.

Mas este contributo pode ser potenciado, melhorado, tornando-se inclusivamente motor de um desenvolvimento económico e social sustentável. Cidades como Glascow, Bilbao, Cleveland, Kitakyushu, entre outras, vivem um notável renascimento urbano porque mudaram de paradigma, assentando o seu florescimento no desenvolvimento de bens culturais, nomeadamente nas áreas enfraquecidas dessas mesmas cidades, captando populações criativas e inovadoras, recebendo investimento, nacional e estrangeiro, promovendo o turismo e a sua marca territorial, convencendo as empresas locais da rentabilidade da aposta na cultura.

O Estado tem uma função social que é indeclinável, designadamente nas áreas da educação, saúde e cultura, mas tal não invalida que não se aproveite o actual debate para repensar o papel do Estado na Cultura, por outras palavras, para repensar as políticas públicas direccionadas para as estruturas e actividades culturais, a partir de uma concepção mais alargada do fenómeno cultural.

Julgo ser mais ou menos consensual que o Estado deve:
i) cuidar do “seu” património material e imaterial;
ii) garantir aos cidadãos nacionais a usufruição plena dos serviços que tutela e gere, como as bibliotecas, arquivos e museus, entre outros equipamentos públicos;
iii) apoiar a criação artística, no cinema, no teatro, na dança, na música, no livro, como entidade facilitadora de apoios financeiros e de subsídios aos particulares ou outras instituições/associações culturais da sociedade civil - mas aqui com uma diferença relativamente ao modus operandi dos últimos anos, que é a deste apoio traduzir-se num estímulo, num incentivo, e não numa dependência “eterna” dos subsídios do Estado. Para isso será fundamental criar novas parcerias entre o Estado e os privados, tornando ainda mais atractiva a Lei do Mecenato Cultural, de forma a encontrar-se outras soluções de financiamento dos projectos artísticos e culturais.

As funções clássicas do Estado na área da Cultura deverão ser asseguradas com eficiência, duma forma desconcentrada e descentralizada, sem desperdício e burocracia. De acordo com os estudos de opinião, a generalidade dos cidadãos portugueses concorda com elas e está disposto a viabilizá-las com os seus impostos. Como tal, parte do Orçamento do Estado (1%?) deveria ser canalizado para a conservação e valorização do património cultural do Estado e para o apoio à criação e à difusão cultural, políticas que deveriam ser desenvolvidas de forma integrada com a educação, com a ciência e com o turismo e em estreita articulação com os municípios, reduzindo custos mas ao mesmo tempo assumindo-se como parte duma estratégia para enfrentar a crise económica e financeira.

Como traves-mestras da acção do Estado na Cultura propunha:
i) a valorização e promoção da Língua e Cultura Portuguesas;
ii) a conservação, estudo e reabilitação do património cultural;
iii) o estímulo à criação artística e à difusão cultural;
iv) a qualificação e modernização dos serviços e equipamentos públicos culturais;
v) a integração das políticas públicas culturais com a educação, a ciência e o turismo.

Definido o papel do Estado, importaria depois adequar a estrutura/organização existente à melhor execução das políticas públicas direccionadas para a Cultura, desde logo avaliando a eficácia e os resultados do PRACE, e, se necessário, introduzindo correcções com vista à racionalização dos recursos e à eliminação de redundâncias entre os serviços e equipamentos. É aqui que a discussão sobre a melhor orgânica para a cultura deve ter lugar, não antes.

Não sendo uma tarefa fácil, é exequível, e os portugueses não deixarão de agradecer…

2 comments:

Luís Aguiar Santos said...

Pois, cá está, não concordo! Gostaria de ver esses dados sobre a contribuição da "cultura" para o PIB: estamos a falar de receita turística de património construído e museus (e aí duvido muito dessa contabilidade, embora não fosse mau se cobrisse os gastos de manutenção e preservação) ou do que se gasta em "animação cultural" e cujo hipotético retorno não é mensurável? Em absoluto discordo da ideia de que o erário público deve promover o consumo das artes e espectáculos como "incentivo", supostamente distinto da subsídiodependência (nunca conseguirás traçar uma fronteira entre as duas coisas). Se o Estado não esmagar a sociedade de impostos, as actividades culturais florescerão sem o seu "apoio"; isso é regra aplicável a tudo, das mercearias às gasolineiras...

Álvaro Costa de Matos said...

Caro Luís,

Estamos da falar sobretudo da receita que a cultura gera: por exemplo, das vendas de livros, cd's, dvd's, das receitas do cinema, teatro, música, receitas de bilheteira, etc. etc. Não defendi que o Estado deve promover o consumo de "cultura", o que leva à criação dum gosto, definido por meia dúzia de iluminados; mas pode, com os privados, estimular à criação artística - são coisas distintas. Quanto ao resto, de acordo. Abraço.