Tuesday, May 31, 2011

Fazer a diferença também na Cultura (I)

Uma das polémicas desta campanha eleitoral prende-se com o anunciado fim do Ministério da Cultura pelo PSD. Claro, se este partido ganhar as eleições… Previsivelmente, caiu logo o Carmo e a Trindade. Já corre, como é da praxe, uma petição electrónica contra a extinção do dito; multiplicam-se na imprensa escrita os artigos de opinião contra mais esta deriva “neo-liberal”; pululam nas redes-sociais os estados de alma a favor da manutenção do Ministério da Cultura. Nesta, como noutras matérias, a resistência à mudança é por demais evidente, protagonizada por interesses instalados e corporações diversas, que olham com desdém para qualquer alteração ao status quo.

É certo que a ideia, uma vez mais, foi mal explicada. Mas vamos supor o contrário, que sim, que a medida até tinha sido devidamente fundamentada. Podíamos então começar com as seguintes perguntas: de que vale um Ministério da Cultura se não for uma prioridade política? Se for uma espécie de “parente pobre” do executivo? Se estiver desprovido de meios financeiros e da necessária articulação com outras pastas, como a Economia, a Educação e o Turismo? E podíamos continuar por aí fora… Depois, prosseguíramos com a explicação, com princípio, meio e fim. Para toda a gente perceber a ideia, com a maior transparência, como deve ser.

Logo, parece-me que esta é uma falsa questão: mais do que a forma interessa o conteúdo. Mais do que saber se ela está num ministério, numa secretaria de Estado ou mesmo fundida com outras pastas, o que importa saber é se a Cultura é efectivamente uma prioridade política para o próximo governo e para Portugal. Para os agentes culturais o que interessa, não é tanto se a Cultura está na tutela dum ministério, duma secretaria de Estado, ou na dependência ou não do primeiro-ministro, mas se faz parte dum sistema leve, desburocratizado, operacional, que descentralize competências e meios pelas instituições e equipamentos culturais existentes no território nacional. Por outras palavras, que dote aquelas de autonomia e meios (humanos, técnicos e financeiros) para prosseguirem com eficiência a sua função. Para os destinatários das políticas culturais públicas e privadas, isto é, o público, é indiferente a orgânica da Cultura, importando antes os resultados dessas mesmas políticas e a sua adequação às expectativas criadas.

Se a Cultura for uma prioridade política no próximo executivo, como desejamos, a sua colocação na dependência directa do primeiro-ministro até pode ser uma boa solução, desde que assumida como área transversal na acção política do executivo e entregue à pessoa certa. Além de centralidade política, a Cultura pode ainda ganhar eficácia na sua actividade, enquanto a simplificação da sua orgânica contribuirá para a redução da despesa pública. Mas há outras soluções, experimentadas lá fora com sucesso, como a criação dum super-ministério que junte, por exemplo, Cultura, Educação, Ciência e Turismo, dada a proximidade de objectivos, estratégias e metodologias.

Logo, o argumento de que a Cultura perderia “a dignidade de uma acção autónoma”, defendido, por exemplo, por Inês Pedrosa (V. “A Cultura Dependente”, in O Sol, de 20 de Maio) é um argumento que não colhe. Aliás, julgo até que seria profícuo se, em vez de autonomia, a Cultura tivesse antes uma acção integradora, devidamente articulada com as restantes políticas do governo. Como é inusitada a afirmação de que “a Cultura passará a ser o passatempo das horas vagas do primeiro-ministro”. Há aqui algum preconceito cultural e precipitação na análise duma ideia que, repito, até pode ser uma boa ideia para a Cultura. A proximidade institucional pode ser uma grande vantagem, se bem explorada, na captação de atenção ao mais alto nível para as políticas culturais e para a rentabilidade económica destas mesmas políticas. Assim esteja lá a pessoa certa, no lugar certo, com peso político, conhecimento profundo e experiência acumulada na área. Que dê sentido prático à importância estratégia que a Cultura pode ter no desenvolvimento sustentável da sociedade portuguesa.

Logo, analisemos primeiro o teor da medida (que não pode ser desligada do ajustamento orçamental que vai cair em cima de todos os ministérios), vejamos depois os prós e os contras do anunciado fim do Ministério da Cultura, e, por fim, tome-se uma posição, tente-se influenciar a opinião pública e, com esta, o poder político. Agora, há um pormenor que não pode ser escamoteado: estando no programa de um determinado partido político, e sendo sufragado numas eleições legislativas pelo povo, o governo que sair daqui tem toda a legitimidade democrática para alterar o enquadramento orgânico da Cultura. Ou a legitimidade democrática só é convocada quando queremos defender os nossos pontos de vista?

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