A I República traz consigo a explosão das práticas de humor político e social. O fenómeno verifica-se no teatro de revista, na comédia de costumes, nos jornais humorísticos e na caricatura. O permanente alvoroço político destes anos fornece a melhor matéria-prima para um humor simples e directo, por vezes um pouco grosseiro, que encontra o melhor dos ecos numa população cansada de tamanha confusão.
Na ridicularização da sociedade republicana, salta à vista o papel que a imprensa satírica teve, independentemente da sua orientação política ou ideológica. Este tipo de imprensa, que não poupara a monarquia apesar de alguns constrangimentos legais, cavalga agora a onda das promessas de liberdade de expressão proclamadas pela República para renovar a sua carteira de títulos, efémeros a maioria, duráveis, alguns. Aparece uma nova geração de desenhadores e caricaturistas que se revelam nos novos jornais humorísticos e satíricos surgidos no início do novo regime, não só em Lisboa como no Porto e noutras cidades. É também pelo seu traço que ocorrem as primeiras manifestações do modernismo artístico em Portugal. Os jornais satíricos desta época revelam ainda outra característica importante: enquanto no anterior regime toda a imprensa humorística era antimonárquica, agora a diversidade editorial é maior, havendo publicações pró-realistas, enquanto outras se afirmavam ferozmente antitalassas.
Os mais importantes jornais humorísticos antitalassas, isto é, antimonárquicos, foram sem dúvida O Zé, sucessor da folha O Xuão, O Moscardo e O Espectro.
O Zé publicou-se em Lisboa, entre 1910 e 1919, por iniciativa de Estevão de Carvalho, industrial gráfico, editor e publicista, e de Silva e Sousa, ilustrador e caricaturista – a mesma dupla que, em 1908, criara O Xuão, jornal humorístico de grande popularidade durante o governo ditatorial de João Franco. O Zé, semanário republicano humorístico e de caricaturas, contou com a colaboração de Alfredo Cândido, Hipólito Collomb, José Laranjeira e Stuart Carvalhaes. Republicano por convicção e crítico por vocação, O Zé nunca se coibiu de usar a ironia mais ácida contra os traidores, ambiciosos e oportunistas.
O Moscardo, que surgiu para combater outro jornal humorístico, Os Ridículos, próximo dos monárquicos, publicou-se igualmente em Lisboa, em 1913. “Zumbindo e zombando, irei ferindo os ridículos da política e dos maus costumes”, mas “Republicano de antes de 5 e de antes quebrar que torcer, reservarei para os monárquicos a caça grossa” – assim apresentava o seu programa de voo. Durou apenas 4 números. Foram dinamizadores deste semanário Francisco Valença (fundador, director artístico e ilustrador), Carlos Simões (director literário e redactor) e João Pisco, poeta popular de serviço. Custava 2 centavos.
O Espectro apareceu em Lisboa em Maio de 1925, antecipando em um ano a revolução que instituiria a Ditadura Militar. O tom geral é o do humor roído pelo sarcasmo: “se não fosse algum esquisito sintoma de cinismo, brilhando raro no horizonte, acreditar-se-ia que a nacionalidade perde de todo a coesão e que nem somos ao menos, um sistema gregário: rebanho, manada, récua”. Com direcção política de Artur Leitão e direcção artística de Francisco Valença, o semanário deu à estampa somente 11 números, não obstante a colaboração de humoristas conceituados, como Amarelhe, leal da Câmara, Alfredo Cândido, Stuart Carvalhaes, Eduardo Faria, Emmérico Nunes, Rocha Vieira, entre outros. Os textos eram da responsabilidade de João Bastos, André Brun, Carlos Simões e Ruy Vaz.
PS. Ilustra este "post" a primeira página do primeiro número d'O Moscardo, de 27 de Maio de 1918. Em plano de destaque, temos D. Manuel II, nesta altura exilado em Londres, num desenho de Francisco Valença.
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