Uma das polémicas desta campanha eleitoral prende-se com o anunciado fim do Ministério da Cultura pelo PSD. Claro, se este partido ganhar as eleições… Previsivelmente, caiu logo o Carmo e a Trindade. Já corre, como é da praxe, uma petição electrónica contra a extinção do dito; multiplicam-se na imprensa escrita os artigos de opinião contra mais esta deriva “neo-liberal”; pululam nas redes-sociais os estados de alma a favor da manutenção do Ministério da Cultura. Nesta, como noutras matérias, a resistência à mudança é por demais evidente, protagonizada por interesses instalados e corporações diversas, que olham com desdém para qualquer alteração ao status quo.
É certo que a ideia, uma vez mais, foi mal explicada. Mas vamos supor o contrário, que sim, que a medida até tinha sido devidamente fundamentada. Podíamos então começar com as seguintes perguntas: de que vale um Ministério da Cultura se não for uma prioridade política? Se for uma espécie de “parente pobre” do executivo? Se estiver desprovido de meios financeiros e da necessária articulação com outras pastas, como a Economia, a Educação e o Turismo? E podíamos continuar por aí fora… Depois, prosseguíramos com a explicação, com princípio, meio e fim. Para toda a gente perceber a ideia, com a maior transparência, como deve ser.
Logo, parece-me que esta é uma falsa questão: mais do que a forma interessa o conteúdo. Mais do que saber se ela está num ministério, numa secretaria de Estado ou mesmo fundida com outras pastas, o que importa saber é se a Cultura é efectivamente uma prioridade política para o próximo governo e para Portugal. Para os agentes culturais o que interessa, não é tanto se a Cultura está na tutela dum ministério, duma secretaria de Estado, ou na dependência ou não do primeiro-ministro, mas se faz parte dum sistema leve, desburocratizado, operacional, que descentralize competências e meios pelas instituições e equipamentos culturais existentes no território nacional. Por outras palavras, que dote aquelas de autonomia e meios (humanos, técnicos e financeiros) para prosseguirem com eficiência a sua função. Para os destinatários das políticas culturais públicas e privadas, isto é, o público, é indiferente a orgânica da Cultura, importando antes os resultados dessas mesmas políticas e a sua adequação às expectativas criadas.
Se a Cultura for uma prioridade política no próximo executivo, como desejamos, a sua colocação na dependência directa do primeiro-ministro até pode ser uma boa solução, desde que assumida como área transversal na acção política do executivo e entregue à pessoa certa. Além de centralidade política, a Cultura pode ainda ganhar eficácia na sua actividade, enquanto a simplificação da sua orgânica contribuirá para a redução da despesa pública. Mas há outras soluções, experimentadas lá fora com sucesso, como a criação dum super-ministério que junte, por exemplo, Cultura, Educação, Ciência e Turismo, dada a proximidade de objectivos, estratégias e metodologias.
Logo, o argumento de que a Cultura perderia “a dignidade de uma acção autónoma”, defendido, por exemplo, por Inês Pedrosa (V. “A Cultura Dependente”, in O Sol, de 20 de Maio) é um argumento que não colhe. Aliás, julgo até que seria profícuo se, em vez de autonomia, a Cultura tivesse antes uma acção integradora, devidamente articulada com as restantes políticas do governo. Como é inusitada a afirmação de que “a Cultura passará a ser o passatempo das horas vagas do primeiro-ministro”. Há aqui algum preconceito cultural e precipitação na análise duma ideia que, repito, até pode ser uma boa ideia para a Cultura. A proximidade institucional pode ser uma grande vantagem, se bem explorada, na captação de atenção ao mais alto nível para as políticas culturais e para a rentabilidade económica destas mesmas políticas. Assim esteja lá a pessoa certa, no lugar certo, com peso político, conhecimento profundo e experiência acumulada na área. Que dê sentido prático à importância estratégia que a Cultura pode ter no desenvolvimento sustentável da sociedade portuguesa.
Logo, analisemos primeiro o teor da medida (que não pode ser desligada do ajustamento orçamental que vai cair em cima de todos os ministérios), vejamos depois os prós e os contras do anunciado fim do Ministério da Cultura, e, por fim, tome-se uma posição, tente-se influenciar a opinião pública e, com esta, o poder político. Agora, há um pormenor que não pode ser escamoteado: estando no programa de um determinado partido político, e sendo sufragado numas eleições legislativas pelo povo, o governo que sair daqui tem toda a legitimidade democrática para alterar o enquadramento orgânico da Cultura. Ou a legitimidade democrática só é convocada quando queremos defender os nossos pontos de vista?
Tuesday, May 31, 2011
Tuesday, May 24, 2011
NOVAS PÁGINAS DA REPÚBLICA (8) - A Imprensa Humorística Republicana...
A I República traz consigo a explosão das práticas de humor político e social. O fenómeno verifica-se no teatro de revista, na comédia de costumes, nos jornais humorísticos e na caricatura. O permanente alvoroço político destes anos fornece a melhor matéria-prima para um humor simples e directo, por vezes um pouco grosseiro, que encontra o melhor dos ecos numa população cansada de tamanha confusão.
Na ridicularização da sociedade republicana, salta à vista o papel que a imprensa satírica teve, independentemente da sua orientação política ou ideológica. Este tipo de imprensa, que não poupara a monarquia apesar de alguns constrangimentos legais, cavalga agora a onda das promessas de liberdade de expressão proclamadas pela República para renovar a sua carteira de títulos, efémeros a maioria, duráveis, alguns. Aparece uma nova geração de desenhadores e caricaturistas que se revelam nos novos jornais humorísticos e satíricos surgidos no início do novo regime, não só em Lisboa como no Porto e noutras cidades. É também pelo seu traço que ocorrem as primeiras manifestações do modernismo artístico em Portugal. Os jornais satíricos desta época revelam ainda outra característica importante: enquanto no anterior regime toda a imprensa humorística era antimonárquica, agora a diversidade editorial é maior, havendo publicações pró-realistas, enquanto outras se afirmavam ferozmente antitalassas.
Os mais importantes jornais humorísticos antitalassas, isto é, antimonárquicos, foram sem dúvida O Zé, sucessor da folha O Xuão, O Moscardo e O Espectro.
O Zé publicou-se em Lisboa, entre 1910 e 1919, por iniciativa de Estevão de Carvalho, industrial gráfico, editor e publicista, e de Silva e Sousa, ilustrador e caricaturista – a mesma dupla que, em 1908, criara O Xuão, jornal humorístico de grande popularidade durante o governo ditatorial de João Franco. O Zé, semanário republicano humorístico e de caricaturas, contou com a colaboração de Alfredo Cândido, Hipólito Collomb, José Laranjeira e Stuart Carvalhaes. Republicano por convicção e crítico por vocação, O Zé nunca se coibiu de usar a ironia mais ácida contra os traidores, ambiciosos e oportunistas.
O Moscardo, que surgiu para combater outro jornal humorístico, Os Ridículos, próximo dos monárquicos, publicou-se igualmente em Lisboa, em 1913. “Zumbindo e zombando, irei ferindo os ridículos da política e dos maus costumes”, mas “Republicano de antes de 5 e de antes quebrar que torcer, reservarei para os monárquicos a caça grossa” – assim apresentava o seu programa de voo. Durou apenas 4 números. Foram dinamizadores deste semanário Francisco Valença (fundador, director artístico e ilustrador), Carlos Simões (director literário e redactor) e João Pisco, poeta popular de serviço. Custava 2 centavos.
O Espectro apareceu em Lisboa em Maio de 1925, antecipando em um ano a revolução que instituiria a Ditadura Militar. O tom geral é o do humor roído pelo sarcasmo: “se não fosse algum esquisito sintoma de cinismo, brilhando raro no horizonte, acreditar-se-ia que a nacionalidade perde de todo a coesão e que nem somos ao menos, um sistema gregário: rebanho, manada, récua”. Com direcção política de Artur Leitão e direcção artística de Francisco Valença, o semanário deu à estampa somente 11 números, não obstante a colaboração de humoristas conceituados, como Amarelhe, leal da Câmara, Alfredo Cândido, Stuart Carvalhaes, Eduardo Faria, Emmérico Nunes, Rocha Vieira, entre outros. Os textos eram da responsabilidade de João Bastos, André Brun, Carlos Simões e Ruy Vaz.
PS. Ilustra este "post" a primeira página do primeiro número d'O Moscardo, de 27 de Maio de 1918. Em plano de destaque, temos D. Manuel II, nesta altura exilado em Londres, num desenho de Francisco Valença.
Na ridicularização da sociedade republicana, salta à vista o papel que a imprensa satírica teve, independentemente da sua orientação política ou ideológica. Este tipo de imprensa, que não poupara a monarquia apesar de alguns constrangimentos legais, cavalga agora a onda das promessas de liberdade de expressão proclamadas pela República para renovar a sua carteira de títulos, efémeros a maioria, duráveis, alguns. Aparece uma nova geração de desenhadores e caricaturistas que se revelam nos novos jornais humorísticos e satíricos surgidos no início do novo regime, não só em Lisboa como no Porto e noutras cidades. É também pelo seu traço que ocorrem as primeiras manifestações do modernismo artístico em Portugal. Os jornais satíricos desta época revelam ainda outra característica importante: enquanto no anterior regime toda a imprensa humorística era antimonárquica, agora a diversidade editorial é maior, havendo publicações pró-realistas, enquanto outras se afirmavam ferozmente antitalassas.
Os mais importantes jornais humorísticos antitalassas, isto é, antimonárquicos, foram sem dúvida O Zé, sucessor da folha O Xuão, O Moscardo e O Espectro.
O Zé publicou-se em Lisboa, entre 1910 e 1919, por iniciativa de Estevão de Carvalho, industrial gráfico, editor e publicista, e de Silva e Sousa, ilustrador e caricaturista – a mesma dupla que, em 1908, criara O Xuão, jornal humorístico de grande popularidade durante o governo ditatorial de João Franco. O Zé, semanário republicano humorístico e de caricaturas, contou com a colaboração de Alfredo Cândido, Hipólito Collomb, José Laranjeira e Stuart Carvalhaes. Republicano por convicção e crítico por vocação, O Zé nunca se coibiu de usar a ironia mais ácida contra os traidores, ambiciosos e oportunistas.
O Moscardo, que surgiu para combater outro jornal humorístico, Os Ridículos, próximo dos monárquicos, publicou-se igualmente em Lisboa, em 1913. “Zumbindo e zombando, irei ferindo os ridículos da política e dos maus costumes”, mas “Republicano de antes de 5 e de antes quebrar que torcer, reservarei para os monárquicos a caça grossa” – assim apresentava o seu programa de voo. Durou apenas 4 números. Foram dinamizadores deste semanário Francisco Valença (fundador, director artístico e ilustrador), Carlos Simões (director literário e redactor) e João Pisco, poeta popular de serviço. Custava 2 centavos.
O Espectro apareceu em Lisboa em Maio de 1925, antecipando em um ano a revolução que instituiria a Ditadura Militar. O tom geral é o do humor roído pelo sarcasmo: “se não fosse algum esquisito sintoma de cinismo, brilhando raro no horizonte, acreditar-se-ia que a nacionalidade perde de todo a coesão e que nem somos ao menos, um sistema gregário: rebanho, manada, récua”. Com direcção política de Artur Leitão e direcção artística de Francisco Valença, o semanário deu à estampa somente 11 números, não obstante a colaboração de humoristas conceituados, como Amarelhe, leal da Câmara, Alfredo Cândido, Stuart Carvalhaes, Eduardo Faria, Emmérico Nunes, Rocha Vieira, entre outros. Os textos eram da responsabilidade de João Bastos, André Brun, Carlos Simões e Ruy Vaz.
PS. Ilustra este "post" a primeira página do primeiro número d'O Moscardo, de 27 de Maio de 1918. Em plano de destaque, temos D. Manuel II, nesta altura exilado em Londres, num desenho de Francisco Valença.
Thursday, May 19, 2011
O desemprego: a tragédia nacional...
Ficámos ontem a saber que caminhamos, a passos largos, para a “catástrofe social”: segundo o INE no final do 1.º trimestre deste ano existiam em Portugal cerca de 700.000 desempregados oficiais, isto é, 12.4%!!! Mais 70.000 quando comparamos estes dados com os do período homólogo do ano passado. Mas o que é mais grave é que estes valores desactualizam por completo a previsão do governo de 13% de desemprego para 2013. Não, não será para 2013. O mais certo, e não é preciso ser analista, é atingirmos já este ano uma taxa de 13%, com uma tendência para piorar nos anos seguintes para níveis nunca vistos em Portugal. Lembro aqui que o FMI prevê, para o corrente ano e para 2012, uma recessão económica de 2%, como resultado do ajustamento orçamental que o país terá de fazer e das dificuldades de financiamento de toda a economia.
O desemprego é sobretudo notório entre os jovens, dos 15 aos 25 anos, apanhando cerca de 30.000 pessoas nos meses de Janeiro, Fevereiro e Março de 2011. No conjunto do desemprego nacional a taxa de desemprego jovem subiu de 15% para 18%. E é geograficamente transversal: não há região do país que consiga escapar à tragédia nacional do desemprego.
Para agravar as coisas, apenas 42% dos desempregados oficiais recebem subsídio, isto é, cerca de 294.000 pessoas, bem menos de metade dos 700.000 desempregados estimados pelo INE. A economia paralela garante, não tenhamos dúvidas, a sobrevivência da outra “mais de metade”, sem alternativas no país.
Se somarmos aos 700.000 desempregados oficiais o número de desempregados inactivos (aqueles que desistem de procurar trabalho), que ronda os 200.000, teremos aproximadamente 900.000 mil pessoas que não têm trabalho. Note-se que não estão aqui contabilizadas as pessoas que frequentam programas ocupacionais no Instituto do Emprego e Formação Profissional (cerca de 50 mil), que no novo método do INE passaram a ser contabilizados como empregados. E a situação só não é de ruptura social total, porque entretanto emigraram de Portugal, na última década, 700.000 mil pessoas, a segunda maior vaga de emigração de que há memória.
As causas são por demais evidentes: a deterioração progressiva da economia, que se traduz no encerramento diário de muitas empresas e negócios e, consequentemente, na degradação do mercado de trabalho. O Estado também ajudou à “festa” distribuindo, sem critério, dinheiro a quem não devia, em vez de “privilegiar” as empresas exportadoras, de modo a criarem novos postos de trabalho. Resultado: desemprego generalizado e um aumento brutal da dívida pública portuguesa (a dívida directa do estado), que ultrapassou, pela primeira vez, o produto interno bruto do país.
Como inverter esta verdadeira tragédia nacional? Como inverter a “praga” do desemprego? Aqui, como em muitas outras coisas, importa mudar de paradigma. Desde logo não perder tempo em discussões estéreis, como a ideia peregrina de criação de “contratos orais de trabalho para jovens” (mesmo que contemplada no Código de Trabalho, a referência à possibilidade de falta de forma escrita configura uma situação de precariedade que é insustentável para quem é objecto desse tipo de contrato, deixando naturalmente uma margem de incerteza que depende da boa ou má-fé do contratante). Depois, seria muito profícuo enterrar a veleidade, tão típica dos últimos governos, de construir programas ou planos de criação de emprego, como se se pudesse criar empregos por decreto. Finalmente, o que os políticos devem fazer, chegados ao governo do país, é criar condições e um quadro legal simplificado favorável à criação sustentável de emprego. Por outras palavras, criar um ambiente para que as empresas privadas possam desenvolver o melhor possível a sua actividade, investindo, criando riqueza, gerando lucros e postos de trabalho.
Exceptuando os serviços públicos que disponibiliza à comunidade, cujo bom funcionamento deve garantir, o Estado não tem por função criar postos de trabalho ou fixar metas de criação de emprego (pode ter essa função, se mudarmos de sociedade, de regime político, se mudarmos duma economia de mercado para uma economia planificada, estatizada). Numa economia de mercado, numa democracia liberal, como é a nossa, o Estado deve, antes, ser um facilitador e regulador da actividade empresarial e não procurar ser um actor dessa mesma realidade.
Por isso, o próximo governo deve focalizar-se nesta mudança de paradigma. Através das leis, eliminar, como dizem os economistas, os “custos de contexto” (por exemplo, uma justiça lenta, ineficiente), mas também os custos de trabalho das empresas, baixando a carga fiscal para as empresas que investem e exportam. É por isso que, não sendo possível desvalorizar a moeda, pois fazemos parte duma moeda única, o EURO, a ideia da “desvalorização fiscal” é uma boa ideia, embora mal defendida. Em última análise, e por estranho que possa parecer, a melhor forma de defender o “Estado Social”, pode passar precisamente por reduzir a Taxa Social Única que, todos os meses, as empresas portuguesas (e os trabalhadores) pagam à Segurança Social. Simultaneamente, os governos devem ainda flexibilizar a legislação laboral, sem criar constrangimentos para quem emprega, e para quem trabalha.
Estas devem ser as preocupações dos futuros governantes. Só assim se conseguirá acabar com estas taxas históricas de desemprego; só assim se criará um clima de confiança, atractivo, quer para o investimento nacional quer para o estrangeiro, criando-se novos postos de trabalho; só assim se conseguirá combater eficazmente o desemprego dos portugueses, nomeadamente dos jovens; só assim evitaremos ser um “não-país”…
O desemprego é sobretudo notório entre os jovens, dos 15 aos 25 anos, apanhando cerca de 30.000 pessoas nos meses de Janeiro, Fevereiro e Março de 2011. No conjunto do desemprego nacional a taxa de desemprego jovem subiu de 15% para 18%. E é geograficamente transversal: não há região do país que consiga escapar à tragédia nacional do desemprego.
Para agravar as coisas, apenas 42% dos desempregados oficiais recebem subsídio, isto é, cerca de 294.000 pessoas, bem menos de metade dos 700.000 desempregados estimados pelo INE. A economia paralela garante, não tenhamos dúvidas, a sobrevivência da outra “mais de metade”, sem alternativas no país.
Se somarmos aos 700.000 desempregados oficiais o número de desempregados inactivos (aqueles que desistem de procurar trabalho), que ronda os 200.000, teremos aproximadamente 900.000 mil pessoas que não têm trabalho. Note-se que não estão aqui contabilizadas as pessoas que frequentam programas ocupacionais no Instituto do Emprego e Formação Profissional (cerca de 50 mil), que no novo método do INE passaram a ser contabilizados como empregados. E a situação só não é de ruptura social total, porque entretanto emigraram de Portugal, na última década, 700.000 mil pessoas, a segunda maior vaga de emigração de que há memória.
As causas são por demais evidentes: a deterioração progressiva da economia, que se traduz no encerramento diário de muitas empresas e negócios e, consequentemente, na degradação do mercado de trabalho. O Estado também ajudou à “festa” distribuindo, sem critério, dinheiro a quem não devia, em vez de “privilegiar” as empresas exportadoras, de modo a criarem novos postos de trabalho. Resultado: desemprego generalizado e um aumento brutal da dívida pública portuguesa (a dívida directa do estado), que ultrapassou, pela primeira vez, o produto interno bruto do país.
Como inverter esta verdadeira tragédia nacional? Como inverter a “praga” do desemprego? Aqui, como em muitas outras coisas, importa mudar de paradigma. Desde logo não perder tempo em discussões estéreis, como a ideia peregrina de criação de “contratos orais de trabalho para jovens” (mesmo que contemplada no Código de Trabalho, a referência à possibilidade de falta de forma escrita configura uma situação de precariedade que é insustentável para quem é objecto desse tipo de contrato, deixando naturalmente uma margem de incerteza que depende da boa ou má-fé do contratante). Depois, seria muito profícuo enterrar a veleidade, tão típica dos últimos governos, de construir programas ou planos de criação de emprego, como se se pudesse criar empregos por decreto. Finalmente, o que os políticos devem fazer, chegados ao governo do país, é criar condições e um quadro legal simplificado favorável à criação sustentável de emprego. Por outras palavras, criar um ambiente para que as empresas privadas possam desenvolver o melhor possível a sua actividade, investindo, criando riqueza, gerando lucros e postos de trabalho.
Exceptuando os serviços públicos que disponibiliza à comunidade, cujo bom funcionamento deve garantir, o Estado não tem por função criar postos de trabalho ou fixar metas de criação de emprego (pode ter essa função, se mudarmos de sociedade, de regime político, se mudarmos duma economia de mercado para uma economia planificada, estatizada). Numa economia de mercado, numa democracia liberal, como é a nossa, o Estado deve, antes, ser um facilitador e regulador da actividade empresarial e não procurar ser um actor dessa mesma realidade.
Por isso, o próximo governo deve focalizar-se nesta mudança de paradigma. Através das leis, eliminar, como dizem os economistas, os “custos de contexto” (por exemplo, uma justiça lenta, ineficiente), mas também os custos de trabalho das empresas, baixando a carga fiscal para as empresas que investem e exportam. É por isso que, não sendo possível desvalorizar a moeda, pois fazemos parte duma moeda única, o EURO, a ideia da “desvalorização fiscal” é uma boa ideia, embora mal defendida. Em última análise, e por estranho que possa parecer, a melhor forma de defender o “Estado Social”, pode passar precisamente por reduzir a Taxa Social Única que, todos os meses, as empresas portuguesas (e os trabalhadores) pagam à Segurança Social. Simultaneamente, os governos devem ainda flexibilizar a legislação laboral, sem criar constrangimentos para quem emprega, e para quem trabalha.
Estas devem ser as preocupações dos futuros governantes. Só assim se conseguirá acabar com estas taxas históricas de desemprego; só assim se criará um clima de confiança, atractivo, quer para o investimento nacional quer para o estrangeiro, criando-se novos postos de trabalho; só assim se conseguirá combater eficazmente o desemprego dos portugueses, nomeadamente dos jovens; só assim evitaremos ser um “não-país”…
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Friday, May 13, 2011
NOVAS PÁGINAS DA REPÚBLICA (7) - A Imprensa Humorística Monárquica...
A I República traz consigo a explosão das práticas de humor político e social. O fenómeno verifica-se no teatro de revista, na comédia de costumes, nos jornais humorísticos e na caricatura. O permanente alvoroço político destes anos fornece a melhor matéria-prima para um humor simples e directo, por vezes um pouco grosseiro, que encontra o melhor dos ecos numa população cansada de tamanha confusão.
Na ridicularização da sociedade republicana, salta à vista o papel que a imprensa satírica teve, independentemente da sua orientação política ou ideológica. Este tipo de imprensa, que não poupara a monarquia apesar de alguns constrangimentos legais, cavalga agora a onda das promessas de liberdade de expressão proclamadas pela República para renovar a sua carteira de títulos, efémeros a maioria, duráveis, alguns. Aparece uma nova geração de desenhadores e caricaturistas que se revelam nos novos jornais humorísticos e satíricos surgidos no início do novo regime, não só em Lisboa como no Porto e noutras cidades. É também pelo seu traço que ocorrem as primeiras manifestações do modernismo artístico em Portugal. Os jornais satíricos desta época revelam ainda outra característica importante: enquanto no anterior regime toda a imprensa humorística era antimonárquica, agora a diversidade editorial é maior, havendo publicações pró-realistas, enquanto outras se afirmavam ferozmente antitalassas.
Os mais importantes jornais humorísticos talassas, isto é, monárquicos, foram sem dúvida o Papagaio Real, O Thalassa e Os Ridículos. Começando por estes: Os Ridículos tinham sido fundados ainda no tempo da Monarquia Constitucional, mais precisamente a 3 de Outubro de 1895, mantendo-se, por 3 séries, até 1963. Mas foi na I República que este bi-semanário humorístico alfacinha ganhou maior popularidade. Dirigido por Cruz Moreira, o “Caracoles”, contou com a colaboração de um extenso rol de desenhadores e caricaturistas, do qual se destacam Alonso, pseudónimo de Santos Silva, Leal da Câmara, Alberto de Sousa, Silva Monteiro, Hipólito Collomb, Jorge Colaço, José Pargana, Silva e Sousa, Stuart Carvalhais e Natalino Malquiades. Mercê da sua diversidade temática e estilística, Os Ridículos ofereciam sempre um comentário gráfico actualizado e apimentado quanto baste. A simpatia pela Monarquia Constitucional é incontornável, sobretudo depois do 5 de Outubro de 1910. Para combater este jornal, foi até criado um outro semanário humorístico, ferozmente republicano, O Moscardo, que durou apenas 4 números.
O Thalassa publicou-se em Lisboa, entre 1913 e 1915. Foi dinamizado semanalmente por Jorge Colaço, Alfredo Lamas e Severim de Azevedo. Assumidamente monárquico, protagonizou a crítica mais mordaz e demolidora aos políticos republicanos, que desfilaram pelas suas páginas desfigurados física e, sobretudo, moralmente. Nessa acção de desgaste, além dele próprio, Jorge Colaço contou, sobretudo, com a colaboração do desenhador Alonso (Santos Silva). Pontualmente, encontram-se n’O Thalassa as assinaturas de outros artistas, como por exemplo de João Valério.
O Papagaio Real publicou-se igualmente em Lisboa, em 1914. Durante 5 meses, este semanário monárquico não deu tréguas à República, que insistentemente anunciava falida, nem aos seus dirigentes, que tratou com irreverência – linha editorial que talvez explique a sua curta existência. O Papagaio Real contou com o lápis de Almada Negreiros (director artístico), Gastão de Lys, Stuart Carvalhais, Jorge Barradas, Silva Monteiro, entre outros. A colaboração literária era assegurada por Rocha Martins, Machado Correia, Arménio Monteiro e Alfredo Lamas, director do jornal. Custava 20 réis.
PS. O desenho que acompanha este texto, publicado na 1.ª página d'Os Ridículos, de 12 de Outubro de 1910, poucos dias depois da revolução republicana, é de Silva Monteiro (1881-1937), um dos principais caricaturistas deste bi-semanário humorístico. O que temos aqui ilustrado é o "casamento" do Zé Povinho com a República, que, deitada, espera pela companhia do novo marido. A união do povo com o novo regime está assim consumada. Mas o divórcio estaria para breve...
Na ridicularização da sociedade republicana, salta à vista o papel que a imprensa satírica teve, independentemente da sua orientação política ou ideológica. Este tipo de imprensa, que não poupara a monarquia apesar de alguns constrangimentos legais, cavalga agora a onda das promessas de liberdade de expressão proclamadas pela República para renovar a sua carteira de títulos, efémeros a maioria, duráveis, alguns. Aparece uma nova geração de desenhadores e caricaturistas que se revelam nos novos jornais humorísticos e satíricos surgidos no início do novo regime, não só em Lisboa como no Porto e noutras cidades. É também pelo seu traço que ocorrem as primeiras manifestações do modernismo artístico em Portugal. Os jornais satíricos desta época revelam ainda outra característica importante: enquanto no anterior regime toda a imprensa humorística era antimonárquica, agora a diversidade editorial é maior, havendo publicações pró-realistas, enquanto outras se afirmavam ferozmente antitalassas.
Os mais importantes jornais humorísticos talassas, isto é, monárquicos, foram sem dúvida o Papagaio Real, O Thalassa e Os Ridículos. Começando por estes: Os Ridículos tinham sido fundados ainda no tempo da Monarquia Constitucional, mais precisamente a 3 de Outubro de 1895, mantendo-se, por 3 séries, até 1963. Mas foi na I República que este bi-semanário humorístico alfacinha ganhou maior popularidade. Dirigido por Cruz Moreira, o “Caracoles”, contou com a colaboração de um extenso rol de desenhadores e caricaturistas, do qual se destacam Alonso, pseudónimo de Santos Silva, Leal da Câmara, Alberto de Sousa, Silva Monteiro, Hipólito Collomb, Jorge Colaço, José Pargana, Silva e Sousa, Stuart Carvalhais e Natalino Malquiades. Mercê da sua diversidade temática e estilística, Os Ridículos ofereciam sempre um comentário gráfico actualizado e apimentado quanto baste. A simpatia pela Monarquia Constitucional é incontornável, sobretudo depois do 5 de Outubro de 1910. Para combater este jornal, foi até criado um outro semanário humorístico, ferozmente republicano, O Moscardo, que durou apenas 4 números.
O Thalassa publicou-se em Lisboa, entre 1913 e 1915. Foi dinamizado semanalmente por Jorge Colaço, Alfredo Lamas e Severim de Azevedo. Assumidamente monárquico, protagonizou a crítica mais mordaz e demolidora aos políticos republicanos, que desfilaram pelas suas páginas desfigurados física e, sobretudo, moralmente. Nessa acção de desgaste, além dele próprio, Jorge Colaço contou, sobretudo, com a colaboração do desenhador Alonso (Santos Silva). Pontualmente, encontram-se n’O Thalassa as assinaturas de outros artistas, como por exemplo de João Valério.
O Papagaio Real publicou-se igualmente em Lisboa, em 1914. Durante 5 meses, este semanário monárquico não deu tréguas à República, que insistentemente anunciava falida, nem aos seus dirigentes, que tratou com irreverência – linha editorial que talvez explique a sua curta existência. O Papagaio Real contou com o lápis de Almada Negreiros (director artístico), Gastão de Lys, Stuart Carvalhais, Jorge Barradas, Silva Monteiro, entre outros. A colaboração literária era assegurada por Rocha Martins, Machado Correia, Arménio Monteiro e Alfredo Lamas, director do jornal. Custava 20 réis.
PS. O desenho que acompanha este texto, publicado na 1.ª página d'Os Ridículos, de 12 de Outubro de 1910, poucos dias depois da revolução republicana, é de Silva Monteiro (1881-1937), um dos principais caricaturistas deste bi-semanário humorístico. O que temos aqui ilustrado é o "casamento" do Zé Povinho com a República, que, deitada, espera pela companhia do novo marido. A união do povo com o novo regime está assim consumada. Mas o divórcio estaria para breve...
Tuesday, May 10, 2011
Um dia humilhante...
A falta de tempo impediu-me de escrever sobre o anúncio que a troika fez na passada quinta-feira (5 de Maio), no Centro Jean Monnet, em Lisboa. Não sobre as medidas draconianas que foram apresentadas para endireitar o país, mas sobre um pequeno aspecto que passou (quase) despercebido à generalidade dos portugueses – pelo menos a fazer fé no que a seguir a comunicação social disse sobre o assunto, na globalidade da opinião publicada e mesmo na atitude geral perante aquele anúncio.
Ora, esse pequeno aspecto tem a ver com o atestado público de incompetência que foi passado a Portugal e, naturalmente, a quem nos governou nos últimos anos. Mas esse atestado de incompetência acaba também por ser dirigido a todos, sem qualquer subtileza: aos outros partidos políticos, a economistas, a gestores, a sindicalistas, a funcionários públicos, a académicos, enfim, a todos os portugueses, pois não soubemos pôr em prática as reformas estruturais agora tão necessárias.
A imposição daquelas medidas é uma derrota para Portugal, em toda a linha. E é uma derrota humilhante, de que devíamos sentir uma profunda vergonha: alguns iluminados, do BCE, do FMI e da UE aterram aqui, recolhem uns dados, durante um mês, e depois, com a maior sobranceria, explicam como se deve governar um país, a troco da ajuda financeira. Se querem dinheiro, então é assim que a coisa deve ser feita…
Mas isto foi encarado com a maior naturalidade, não despertando qualquer sobressalto nacional. Fomos até sossegados, com a maior desfaçatez, de que se trata de um bom acordo, que não há que ter medo, que não nos vão cortar os subsídios de férias e de Natal, e que tudo vai correr bem. Como era de esperar ninguém assumiu responsabilidades, ninguém reflectiu sobre o significado daquele dia, procurando, antes, qualquer vitória eleitoral nas medidas que iam sendo lançadas.
Entretidos na espuma dos dias, anestesiados com as horas infindáveis de programas sobre futebol e novelas, embrutecidos com os “Perdidos na Tribo”, o “Último a sair”, o “Peso Pesado” e afins, com um debate político que vive de sound bites, inócuo, sem substância, não “inscrevemos” um dia que ficará para a história como um dos dias mais humilhantes que vivemos. Proponho, para remediar isto, que o dia 5 de Maio seja elevado à triste categoria de dia de luto nacional, para não esquecer.
A 11 de Janeiro de 1890, para lembrar outro dia de humilhação nacional, quando os nossos velhos aliados ingleses fizeram um Ultimato a Portugal, que colocou um ponto final no ambicionado mapa cor-de-rosa em África, a indignação foi geral e fez cair governos. O Ultimato foi mesmo o primeiro momento de um processo de mudança que se iniciou no final do século XIX. Nunca, como no polémico ano de 1890, houve tanta discussão acerca da necessidade de uma “ideia colectiva”, de organizar os portugueses à volta da comunhão com a pátria e as coisas portuguesas. Cento e vinte anos depois, o que temos? Um vazio, como que vegetando na indiferença geral.
É por isso que um texto como aquele que José Pacheco Pereira escreveu no Público de sábado, de 7 de Maio, “Um dia estranho”, devia ser lido por todos, relido as vezes que fossem necessárias, discutido até à exaustão, nos jornais, nas rádios, nas televisões, nas escolas e nas universidades, emoldurado nas nossas casas, para nunca mais ser esquecido. JPP foi dos poucos a pôr o dedo na ferida, com a lucidez do costume. Dos poucos a indignar-se contra a falta de forças para a mudança, contra o “conservadorismo da indiferença que impera” nesta pátria tão mal tratada.
Nada como citá-lo: “Este foi um dia estranho. Mais estranho ainda porque a sua estranheza passa despercebida a muita gente. Estamos como que anestesiados, passados, adormecidos, atordoados, escolham o termo. No dia em que escrevo, passaram 24 horas sobre saber-se quem governa Portugal nos próximos 3 anos. E não somos nós, nem quem escolhemos, nem quem vamos escolher. São “eles”, um deles de olhos azuis, como diz a comunicação social com o seu gosto pela trivialidade, direitinhos, capazes, sóbrios, eficazes, “eles”. Isto é natural? Não é. E também não é natural que achemos com tanta felicidade que o é.”
E continua: “Os nossos novos governantes, altos burocratas internacionais, (…) dedicaram um dia a fazer conferências de imprensa e a dar entrevistas. Ninguém acha mal, estranho, bizarro, que burocratas, funcionários, sem qualquer legitimidade democrática, apareçam a dizer o que devemos fazer e a comentar com displicência o que fizemos ou não fizemos. Os patrões deles nem sequer se dignaram aparecer. Tinha sido melhor. A senhora Merkel sempre foi eleita pelos alemães, aqueles ministros franceses, holandeses, finlandeses, sempre têm que ir a votos explicar o que fazem aos seus povos, e como estão a gastar o dinheiro dos seus impostos, e por isso podem dar-nos lições e ralhetes. Seria melhor, mas nem isso já merecemos, porque achamos bem que o funcionalismo europeu, os burocratas de Bruxelas, dêem conferências de imprensa muito para além do seu mandato e do seu poder. Ah!, o estado de necessidade faz engolir a vergonha!”
Mais do que um dia estranho foi, repito, um dia humilhante, que importa não esquecer, jamais; um dia que devia ser “inscrito” no nosso ADN, mas que o não foi, mergulhados que estamos no inconformismo geral, amorfos, pelo que pergunto: Estaremos condenados a indigência e ao fracasso como povo soberano? Teremos futuro como país? Seremos capazes de mudar de rumo e sentido?
PS. Para ler na íntegra o artigo de JPP, ver http://www.abrupto.blogspot.com/
Ora, esse pequeno aspecto tem a ver com o atestado público de incompetência que foi passado a Portugal e, naturalmente, a quem nos governou nos últimos anos. Mas esse atestado de incompetência acaba também por ser dirigido a todos, sem qualquer subtileza: aos outros partidos políticos, a economistas, a gestores, a sindicalistas, a funcionários públicos, a académicos, enfim, a todos os portugueses, pois não soubemos pôr em prática as reformas estruturais agora tão necessárias.
A imposição daquelas medidas é uma derrota para Portugal, em toda a linha. E é uma derrota humilhante, de que devíamos sentir uma profunda vergonha: alguns iluminados, do BCE, do FMI e da UE aterram aqui, recolhem uns dados, durante um mês, e depois, com a maior sobranceria, explicam como se deve governar um país, a troco da ajuda financeira. Se querem dinheiro, então é assim que a coisa deve ser feita…
Mas isto foi encarado com a maior naturalidade, não despertando qualquer sobressalto nacional. Fomos até sossegados, com a maior desfaçatez, de que se trata de um bom acordo, que não há que ter medo, que não nos vão cortar os subsídios de férias e de Natal, e que tudo vai correr bem. Como era de esperar ninguém assumiu responsabilidades, ninguém reflectiu sobre o significado daquele dia, procurando, antes, qualquer vitória eleitoral nas medidas que iam sendo lançadas.
Entretidos na espuma dos dias, anestesiados com as horas infindáveis de programas sobre futebol e novelas, embrutecidos com os “Perdidos na Tribo”, o “Último a sair”, o “Peso Pesado” e afins, com um debate político que vive de sound bites, inócuo, sem substância, não “inscrevemos” um dia que ficará para a história como um dos dias mais humilhantes que vivemos. Proponho, para remediar isto, que o dia 5 de Maio seja elevado à triste categoria de dia de luto nacional, para não esquecer.
A 11 de Janeiro de 1890, para lembrar outro dia de humilhação nacional, quando os nossos velhos aliados ingleses fizeram um Ultimato a Portugal, que colocou um ponto final no ambicionado mapa cor-de-rosa em África, a indignação foi geral e fez cair governos. O Ultimato foi mesmo o primeiro momento de um processo de mudança que se iniciou no final do século XIX. Nunca, como no polémico ano de 1890, houve tanta discussão acerca da necessidade de uma “ideia colectiva”, de organizar os portugueses à volta da comunhão com a pátria e as coisas portuguesas. Cento e vinte anos depois, o que temos? Um vazio, como que vegetando na indiferença geral.
É por isso que um texto como aquele que José Pacheco Pereira escreveu no Público de sábado, de 7 de Maio, “Um dia estranho”, devia ser lido por todos, relido as vezes que fossem necessárias, discutido até à exaustão, nos jornais, nas rádios, nas televisões, nas escolas e nas universidades, emoldurado nas nossas casas, para nunca mais ser esquecido. JPP foi dos poucos a pôr o dedo na ferida, com a lucidez do costume. Dos poucos a indignar-se contra a falta de forças para a mudança, contra o “conservadorismo da indiferença que impera” nesta pátria tão mal tratada.
Nada como citá-lo: “Este foi um dia estranho. Mais estranho ainda porque a sua estranheza passa despercebida a muita gente. Estamos como que anestesiados, passados, adormecidos, atordoados, escolham o termo. No dia em que escrevo, passaram 24 horas sobre saber-se quem governa Portugal nos próximos 3 anos. E não somos nós, nem quem escolhemos, nem quem vamos escolher. São “eles”, um deles de olhos azuis, como diz a comunicação social com o seu gosto pela trivialidade, direitinhos, capazes, sóbrios, eficazes, “eles”. Isto é natural? Não é. E também não é natural que achemos com tanta felicidade que o é.”
E continua: “Os nossos novos governantes, altos burocratas internacionais, (…) dedicaram um dia a fazer conferências de imprensa e a dar entrevistas. Ninguém acha mal, estranho, bizarro, que burocratas, funcionários, sem qualquer legitimidade democrática, apareçam a dizer o que devemos fazer e a comentar com displicência o que fizemos ou não fizemos. Os patrões deles nem sequer se dignaram aparecer. Tinha sido melhor. A senhora Merkel sempre foi eleita pelos alemães, aqueles ministros franceses, holandeses, finlandeses, sempre têm que ir a votos explicar o que fazem aos seus povos, e como estão a gastar o dinheiro dos seus impostos, e por isso podem dar-nos lições e ralhetes. Seria melhor, mas nem isso já merecemos, porque achamos bem que o funcionalismo europeu, os burocratas de Bruxelas, dêem conferências de imprensa muito para além do seu mandato e do seu poder. Ah!, o estado de necessidade faz engolir a vergonha!”
Mais do que um dia estranho foi, repito, um dia humilhante, que importa não esquecer, jamais; um dia que devia ser “inscrito” no nosso ADN, mas que o não foi, mergulhados que estamos no inconformismo geral, amorfos, pelo que pergunto: Estaremos condenados a indigência e ao fracasso como povo soberano? Teremos futuro como país? Seremos capazes de mudar de rumo e sentido?
PS. Para ler na íntegra o artigo de JPP, ver http://www.abrupto.blogspot.com/
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