Monday, October 22, 2007

O Tratado de Lisboa


Foi um fim-de-semana em cheio: rezam as crónicas, que a farra foi até às três da manhã, no Parque das Nações. Portugal, como bom aluno que é, reconheça-se, lá cumpriu o trabalho de casa alemão. Porreiro, pá! Para glória da pátria, de Sócrates e do Sr. Barroso. Parece, portanto, que vamos ter um novo tratado, que alguns apelidam de reformador, enquanto outros falam do tratado possível. Mas o que espanta é a forma como o dito é "vendido" aos portugueses, com a conivência da generalidade da comunicação social. Como se este tratado não tivesse nada a ver com a defunta constituição, rejeitada, em boa hora, pela França e Holanda. Como se este tratado não fosse prejudicial aos pequenos países e seus interesses, como é caso de Portugal. Referendos, nem vê-los, apesar das promessas eleitorais e programas de governo. Para os iluminados cá do burgo, basta a ratificação do Parlamento, à revelia do povo, que, argumentam, já está representado na câmara. Os críticos, esses "nacionalistas" sem vergonha, que se calem. Mas na prática, importa lembrá-lo, o que este tratado consagra, ou vai consagrar, é o seguinte:
- o reforço do Conselho de Ministros, em detrimento da Comissão Europeia, tradicionalmente vista como a "advogada" dos pequenos, ou seja, o reforço dos Estados mais populosos;
- a criação do novo cargo de presidente fixo do Conselho Europeu que vai substituir, a partir de 2009, as presidências semestrais rotativas entre todos os países, isto é, desaparece da vida comunitária o melhor símbolo da igualdade entre os Estados;
- a "dupla maioria" (55% de Estados representando 65% da população) no sistema de decisões do Conselho de Ministros da UE, que acaba com o velho método de votos ponderados atribuídos a cada país consoante a sua dimensão, "e que garantia a sobre-representação dos mais pequenos em nome do equilíbrio entre os princípios da igualdade entre os Estados e da representação democrática" (Portugal, que no sistema de votos ponderados pesava 3,47%, passa a "valer" apenas 2,14%, enquanto a Alemanha, que tinha 8,4%, passará a pesar o dobro, com 16,75% do total dos Vinte e Sete);

A substituição de uma regra implícita de unanimidade por regras de maioria qualificada significará a criação de uma Nova Europa (leia-se, dos mais fortes/ricos) dentro da Europa, com a formação das famosas "minorias de bloqueio". Com a aplicação do novo tratado, uma união, por exemplo, entre a Alemanha, o Reino Unido, a Holanda e a Suécia, será suficiente para bloquear qualquer decisão dos mais pequenos. Para os países fortemente dependentes das ajudas comunitárias, como Portugal, a maioria qualificada vai doer muito, pois vai. E assim se manda para as urtigas a Europa de Monnet e Schumann, uma Europa onde todos se deviam sentir iguais, como as regras que agora foram alteradas procuravam preservar. Isto, que devia ser dito e discutido, fica para as calendas gregas. Assim sendo, para quê um referendo? Que chatice...

3 comments:

joao said...

Só não compreendi a razão dos festejos, este Tratado, já que é assim que lhe chamam, na verdade outorgou o fim da EU, ou, se quisermos ser mais contidos, oficializou o princípio do fim. Na verdade, a Inglaterra, tantas foram as excepções que guardou para si, ora fica fora ou dentro conforme lhe dê na gana enquanto os povos, compulsivamente nem à porta ficaram. E eles sabem que se sabe que é exactamente isto que este Pacto consagra, o nascimento de outra coisa muito contrária da EU, razão do pavor ao referendo.
De qualquer modo é triste que governantes de países como Portugal (naturalmente que estão a salvaguardar os seus interesses ilegítimo) façam estas figuras de beija-mão e regozijem com a vassalagem agora diplomada.
Embora o sejam, não são do tipo daqueles a quem será o Reino dos Céus

Luís Aguiar Santos said...

A minha dúvida é se isto não é mesmo a Europa que Monnet e Schumann queriam...

Álvaro Costa de Matos said...

Caro João,

Julgo vislumbrar sobretudo o "princípio do fim" duma certa ideia de Europa, arrogante, federal, burocrática. Uma Europa construída à revelia dos povos muito dificilmente sobreviverá. Os sinais estão aí, e são conhecidos. Por outro lado, até 2017, muita coisa pode acontecer, para supresa dos "iluminados" de Bruxelas. Quanto à Inglaterra, salvaguardou, e bem, os seus interesses. O que Portugal não fez, como menino bem comportado que é, na babel europeia. E ainda estamos para conhecer as consequências políticas internas se Gordon Brown insistir na ideia de não fazer um refendo.