No último post escrevi sobre as eleições municipais de 1908, em Lisboa, e do significado político da vitória do Partido Republicano Português (PRP). Esta traduziu-se na eleição, pela primeira vez na história da câmara alfacinha, duma vereação constituída apenas por candidatos republicanos. Mas quem eram estes candidatos republicanos?
A lista da vereação republicana espelhava bem a base social de apoio do PRP, assente no pequeno comércio, na pequena indústria, no operariado, nas profissões liberais e intelectuais e na burocracia estatal. Encabeçada por essa figura de aristocrata de grande prestígio intelectual e moral que era Anselmo Braamcamp Freire, futuro presidente da Assembleia Nacional Constituinte e do Senado da República, na lista avultavam nomes como o do comerciante Francisco Grandella, do arquitecto Ventura Terra, do advogado Cunha e Costa, dos professores Miranda do Vale e Veríssimo de Almeida e do engenheiro civil e capitão do Exército Tomás Cabreira. Destes, Anselmo Braamcamp Freire, Francisco Grandella, Ventura Terra e Tomás Cabreira foram os que mais se destacaram na vereação.
Anselmo Braamcamp Freire, filiado no partido republicano desde 1907, assume a vice-presidência da câmara de Lisboa a 30 de Novembro de 1908. Até 1910 teve como principal preocupação sanear as finanças do município, aspecto que, na sua opinião, colocava Lisboa numa “situação vergonhosa, deprimente e vexatória de se ver perseguida pelos seus credores, enxovalhada nos tribunais”. A partir da revolução de 5 de Outubro de 1910 Braamcamp Freire ocupa a presidência da câmara, cargo que terá sido fulcral para a sua rápida ascensão política: é eleito deputado no ano seguinte, e, a 20 de Junho, presidente da Assembleia Nacional Constituinte.
Francisco Grandella, eleito pelo 3.º círculo de Lisboa, manteve-se na câmara até 16 de Maio de 1912, data em que pediu a resignação do mandato. Durante este período, Grandella conseguiu ver aprovadas várias propostas suas para o espaço público, com especial destaque para as relativas à limpeza urbana e segurança pública, à mendicidade, ao combate ao vandalismo, ao tratamento dos animais pelos cocheiros, à toponímia e à remodelação da Praça do Comércio. Empenhou-se ainda na realização das comemorações do primeiro aniversário da República. Francisco Grandella possuía do exercício de vereador republicano uma ideia de out-sider face ao que apelidava de “vereação aristocrática” e inoperante pelo tempo desperdiçado em assuntos que seriam da competência dos funcionários municipais, o que relegaria para segundo plano os temas essenciais e estratégicos.
Miguel Ventura Terra, eleito pelo 2.º círculo, manteve uma prestação longa e regular na câmara até 30 de Janeiro de 1913. Foi um dos defensores da necessidade de haver um plano geral para a cidade, para que esta não fosse vista de uma forma fragmentada. A visão geral da cidade, compartilhada por parte significativa dos eleitos, é o suporte para alguns projectos concretos que são lançados por Ventura Terra, como a sua tentativa para desbloquear o impasse das obras do Parque Eduardo VII, bem como de um conjunto vasto de propostas em diferentes áreas do quotidiano, com base numa visão estética e higienista da cidade, de influência externa, que evoluía desde o século XX noutros países europeus, designadamente na Alemanha, em França e Inglaterra.
Tomás Cabreira, eleito pelo 1.º círculo, destacou-se sobretudo pelas propostas que fez para a construção de bairros operários, de balneários públicos, e de um Museu Municipal Histórico, à semelhança do que existia no estrangeiro.
A acção destes republicanos à frente da câmara de Lisboa tornou-se, assim, num dos mais importantes instrumentos de propaganda do seu partido, enquanto símbolo bem visível do que poderia ser a administração da República no país.
PS. 1) Para saber mais sobre estas eleições, os seus resultados e significado político, Ver À Urna pela Lista Republicana de Lisboa! Centenário da Vereação Republicana em Lisboa. Catálogo da exposição. Lisboa: CML/DMC/GT - CMCR, 2009, 304 p.
PS. 2) A "galeria" que acompanha este texto foi publicada na Ilustração Portuguesa, N.º 142 (9 Nov. 1908), p. 649.
Wednesday, August 3, 2011
Thursday, July 28, 2011
NOVAS PÁGINAS DA REPÚBLICA (11) - As eleições municipais de 1908 em Lisboa...
Tratarei hoje aqui das eleições municipais de 1908, na cidade de Lisboa. E vou falar destas eleições porque elas foram de enorme importância política para os republicanos, como iremos ver.
O ano de 1908 foi marcado por uma grande agitação política. No centro dessa tempestade encontrava-se João Franco, o “ditador”, como era apelidado pelos republicanos. Uma das suas decisões mais contestadas foi o adiamento, sem prazo definido, das eleições dos corpos administrativos (câmaras municipais e juntas paroquiais). No entanto, esta medida revelou-se infrutífera: no Conselho de Estado que se reuniu, logo após o Regicídio, sob a liderança do jovem rei D. Manuel, o vigor de João Franco foi substituído por um “ministério de acalmação”, chefiado pelo almirante Ferreira do Amaral – uma solução de compromisso, envolvendo ministros independentes e afectos aos partidos tradicionais, regenerador e progressista.
Além de anular as medidas mais repressivas do governo franquista, Ferreira do Amaral preocupou-se em restabelecer a normalidade constitucional, tomando 3 importantes decisões:
1.ª Chamou ao poder local os eleitos que João Franco afastara;
2.ª Dissolveu as cortes que o “ditador” encerrara no início do seu ministério, convocando eleições legislativas para o dia 5 de Abril (onde os republicanos obtiveram a sua melhor representação de sempre, com 7 deputados, mais 3 do que nas últimas eleições legislativas, realizadas em Agosto de 1906);
3.ª Comprometeu-se a realizar eleições locais em Novembro de 1908, efectivamente marcadas a 3 de Outubro: as eleições das câmaras municipais para o primeiro domingo de Novembro e as das juntas paroquiais para o último domingo do mesmo mês.
Os partidos monárquicos decidiram não apresentar listas de candidatos às eleições municipais em Lisboa, procurando, com isso, desvalorizar a provável vitória republicana, e também convictos da ilegalidade do acto eleitoral. Naturalmente, esta decisão marcou as eleições e toda a campanha que as antecedeu. Para o PRP a “greve” dos monárquicos constituía “uma flagrante violação do escrutínio” já que, grosso modo, inviabilizava o sentido secreto do voto.
Apesar do ambiente adverso e dos riscos, quer o PRP quer os socialistas (estes, por necessidade de afirmação política, embora sem expectativas de vitória), apresentaram as suas listas de candidatos a 16 de Outubro, e, a partir daqui, a campanha lá foi animando as páginas dos jornais e os bairros de Lisboa.
Os republicanos propunham aos lisboetas “um balanço exacto da situação financeira do município”, a organização dum “plano completo de administração municipal” e, por último, a “simplificação dos serviços, a brevidade do expediente, a eliminação de todas as formalidades inúteis, o asseio, o conforto, a beleza e sobretudo (…) a preparação da infância e da adolescência para as responsabilidades e os benefícios do futuro município democrático e republicano dentro do Estado republicano e democrático” (sublinhado nosso).
A 1 de Novembro de 1908 realizou-se o acto eleitoral, e, como era previsível, os republicanos obtiveram uma vitória esmagadora em Lisboa. Com uma participação de 9321 eleitores (cerca de 24% dos recenseados) o candidato republicano mais votado recebeu 9136 votos. Da votação resultou a eleição da primeira vereação inteiramente republicana na Câmara Municipal de Lisboa.
Simbolicamente, a vitória dos republicanos representava um valor acrescentado, pois tratava-se da conquista da capital. Politicamente, constituía uma oportunidade única para os republicanos mostrarem o que valiam no microcosmo autárquico, na administração da respublica, ensaiando, na capital, um projecto político de governo de âmbito claramente nacional – objectivo último da aposta política republicana na câmara de Lisboa.
PS. 1) Para saber mais sobre estas eleições, os seus resultados e significado político, Ver À Urna pela Lista Republicana de Lisboa! Centenário da Vereação Republicana em Lisboa. Catálogo da exposição. Lisboa: CML/DMC/GT - CMCR, 2009, 304 p.
PS. 2) A imagem que acompanha este texto é uma reprodução do óleo sobre tela "O Sufrágio" (1913), do pintor José Veloso Salgado, Col. Museu da Cidade - alegoria destas eleições municipais.
O ano de 1908 foi marcado por uma grande agitação política. No centro dessa tempestade encontrava-se João Franco, o “ditador”, como era apelidado pelos republicanos. Uma das suas decisões mais contestadas foi o adiamento, sem prazo definido, das eleições dos corpos administrativos (câmaras municipais e juntas paroquiais). No entanto, esta medida revelou-se infrutífera: no Conselho de Estado que se reuniu, logo após o Regicídio, sob a liderança do jovem rei D. Manuel, o vigor de João Franco foi substituído por um “ministério de acalmação”, chefiado pelo almirante Ferreira do Amaral – uma solução de compromisso, envolvendo ministros independentes e afectos aos partidos tradicionais, regenerador e progressista.
Além de anular as medidas mais repressivas do governo franquista, Ferreira do Amaral preocupou-se em restabelecer a normalidade constitucional, tomando 3 importantes decisões:
1.ª Chamou ao poder local os eleitos que João Franco afastara;
2.ª Dissolveu as cortes que o “ditador” encerrara no início do seu ministério, convocando eleições legislativas para o dia 5 de Abril (onde os republicanos obtiveram a sua melhor representação de sempre, com 7 deputados, mais 3 do que nas últimas eleições legislativas, realizadas em Agosto de 1906);
3.ª Comprometeu-se a realizar eleições locais em Novembro de 1908, efectivamente marcadas a 3 de Outubro: as eleições das câmaras municipais para o primeiro domingo de Novembro e as das juntas paroquiais para o último domingo do mesmo mês.
Os partidos monárquicos decidiram não apresentar listas de candidatos às eleições municipais em Lisboa, procurando, com isso, desvalorizar a provável vitória republicana, e também convictos da ilegalidade do acto eleitoral. Naturalmente, esta decisão marcou as eleições e toda a campanha que as antecedeu. Para o PRP a “greve” dos monárquicos constituía “uma flagrante violação do escrutínio” já que, grosso modo, inviabilizava o sentido secreto do voto.
Apesar do ambiente adverso e dos riscos, quer o PRP quer os socialistas (estes, por necessidade de afirmação política, embora sem expectativas de vitória), apresentaram as suas listas de candidatos a 16 de Outubro, e, a partir daqui, a campanha lá foi animando as páginas dos jornais e os bairros de Lisboa.
Os republicanos propunham aos lisboetas “um balanço exacto da situação financeira do município”, a organização dum “plano completo de administração municipal” e, por último, a “simplificação dos serviços, a brevidade do expediente, a eliminação de todas as formalidades inúteis, o asseio, o conforto, a beleza e sobretudo (…) a preparação da infância e da adolescência para as responsabilidades e os benefícios do futuro município democrático e republicano dentro do Estado republicano e democrático” (sublinhado nosso).
A 1 de Novembro de 1908 realizou-se o acto eleitoral, e, como era previsível, os republicanos obtiveram uma vitória esmagadora em Lisboa. Com uma participação de 9321 eleitores (cerca de 24% dos recenseados) o candidato republicano mais votado recebeu 9136 votos. Da votação resultou a eleição da primeira vereação inteiramente republicana na Câmara Municipal de Lisboa.
Simbolicamente, a vitória dos republicanos representava um valor acrescentado, pois tratava-se da conquista da capital. Politicamente, constituía uma oportunidade única para os republicanos mostrarem o que valiam no microcosmo autárquico, na administração da respublica, ensaiando, na capital, um projecto político de governo de âmbito claramente nacional – objectivo último da aposta política republicana na câmara de Lisboa.
PS. 1) Para saber mais sobre estas eleições, os seus resultados e significado político, Ver À Urna pela Lista Republicana de Lisboa! Centenário da Vereação Republicana em Lisboa. Catálogo da exposição. Lisboa: CML/DMC/GT - CMCR, 2009, 304 p.
Wednesday, July 6, 2011
NOVAS PÁGINAS DA REPÚBLICA (10) - O Modernismo Literário...
No último post desta série de “páginas” sobre a I República vimos como o modernismo rompeu com os padrões naturalistas que ainda predominavam nas artes plásticas após o 5 de Outubro de 1910. Mas a ruptura não foi apenas nas artes; ela dá-se igualmente nas letras, sobretudo com o futurismo. O seu mais consistente defensor foi Fernando Pessoa, então um obscuro poeta e escritor, agente comercial num escritório da baixa lisboeta, inventor nas horas livres de personalidades imaginárias, heterónimos a que dá a autoria de muitos dos seus trabalhos. Será ele a fazer durante a I República a apologia do futurismo na forma teórico-literária, nomeadamente com Álvaro de Campos.
Outro poeta que vai alinhar na defesa do futurismo é Mário de Sá Carneiro, que, ao contrário dos pintores, resolve suportar a guerra na mais cosmopolita das cidades, Paris. Com o dinheiro da família, financia em 1915 os dois únicos números da revista Opheu, a mais forte afirmação modernista nacional. Pessoa e Sá-Carneiro são os directores do número 2, onde se torna clara a opção futurista na glorificação de uma literatura inspirada no progresso tecnológico, na maquinaria, na velocidade ou mesmo nas perturbações psíquicas.
Não contam, porém, com a reacção conservadora nem com a indiferença nacional, contra as quais acabam por esbarrar. O principal protagonista dessa reacção será o escritor Júlio Dantas, que, na Ilustração Portuguesa, menosprezará a saída de Oprheu. A resposta aparece em 1916 na extrema violência verbal do Manifesto Anti-Dantas e por Extenso, de Almada Negreiros, a mais radical condenação do academismo estético-literário em Portugal.
Pouco depois, o mesmo Almada Negreiros e Santa-Rita anunciam a criação do Comité Futurista de Lisboa, e em 1917, Almada apresenta no Teatro República, na capital, com grande espalhafato, o seu Ultimatum Futurista às gerações portuguesas do século XX. Segue-se o número único de Portugal Futurista, glorificando Santa-Rita mas reproduzindo também obras de Amadeo de Souza Cardoso e um texto de Álvaro de Campos – Mandado de Despejo aos Mandarins da Europa – que constitui o sustentáculo literário do futurismo nacional.
Talvez mais por provocação que por convicção, as ideias políticas dos futuristas, que vão desde o ultramonaquismo e reaccionarismo ao integralismo lusitano, chocam com tudo o que a República defende. Talvez por isso, no fim do decénio, a vanguarda portuguesa encontra-se pulverizada, como se nunca existisse ou não passasse de um mero equívoco. Resta a voz solitária de Pessoa, ele que em 1918 dissera que toda esta geração modernista “nenhuma influência” teve na vida portuguesa – “porque não há vida portuguesa”.
PS. No cimo, capa da revista Orpheu, 1 (1915).
Outro poeta que vai alinhar na defesa do futurismo é Mário de Sá Carneiro, que, ao contrário dos pintores, resolve suportar a guerra na mais cosmopolita das cidades, Paris. Com o dinheiro da família, financia em 1915 os dois únicos números da revista Opheu, a mais forte afirmação modernista nacional. Pessoa e Sá-Carneiro são os directores do número 2, onde se torna clara a opção futurista na glorificação de uma literatura inspirada no progresso tecnológico, na maquinaria, na velocidade ou mesmo nas perturbações psíquicas.
Não contam, porém, com a reacção conservadora nem com a indiferença nacional, contra as quais acabam por esbarrar. O principal protagonista dessa reacção será o escritor Júlio Dantas, que, na Ilustração Portuguesa, menosprezará a saída de Oprheu. A resposta aparece em 1916 na extrema violência verbal do Manifesto Anti-Dantas e por Extenso, de Almada Negreiros, a mais radical condenação do academismo estético-literário em Portugal.
Pouco depois, o mesmo Almada Negreiros e Santa-Rita anunciam a criação do Comité Futurista de Lisboa, e em 1917, Almada apresenta no Teatro República, na capital, com grande espalhafato, o seu Ultimatum Futurista às gerações portuguesas do século XX. Segue-se o número único de Portugal Futurista, glorificando Santa-Rita mas reproduzindo também obras de Amadeo de Souza Cardoso e um texto de Álvaro de Campos – Mandado de Despejo aos Mandarins da Europa – que constitui o sustentáculo literário do futurismo nacional.
Talvez mais por provocação que por convicção, as ideias políticas dos futuristas, que vão desde o ultramonaquismo e reaccionarismo ao integralismo lusitano, chocam com tudo o que a República defende. Talvez por isso, no fim do decénio, a vanguarda portuguesa encontra-se pulverizada, como se nunca existisse ou não passasse de um mero equívoco. Resta a voz solitária de Pessoa, ele que em 1918 dissera que toda esta geração modernista “nenhuma influência” teve na vida portuguesa – “porque não há vida portuguesa”.
PS. No cimo, capa da revista Orpheu, 1 (1915).
Wednesday, June 15, 2011
NOVAS PÁGINAS DA REPÚBLICA (9) - O Modernismo Artístico...
É pelo humor, pela caricatura e pela ilustração que o modernismo penetra em Portugal. O palco dessa primeira ruptura com os padrões naturalistas que ainda predominam após o 5 de Outubro de 1910, estéticas que o novo regime não questiona, são as exposições de humoristas realizadas em Lisboa, em 1912 e 1913.
Os jovens artistas, como Cristiano Cruz, Almada Negreiros, Jorge Barradas, Stuart Carvalhais, Emérico Nunes, Alfredo Cândido, Francisco Valença, Amarelhe e Rocha Vieira, trazem consigo um novo traço, mais estilizado, que integra muitas inovações pós-art nouveau, revelando pela primeira vez em Portugal as influências do modernismo artístico; mas trazem também consigo novas temáticas, que não o político, optando muitas vezes pela crítica de costumes sociais e pela ridicularização dos hábitos das classes médias e dos novos-ricos.
A segunda ruptura modernista dá-se com o regresso dos “parisienses”, como Eduardo Viana, Amadeo de Souza-Cardoso ou Guilherme Santa-Rita, obrigados pela Grande Guerra a regressar a Portugal. Eduardo Viana, com uma exposição na Sociedade Nacional de Belas Artes, em 1914, evoca o abalo causado pela obra de Cézanne, de quem se mostra tributário, ao mesmo tempo que revela a influência da conversão cubista de Picasso e Braque, ainda a fazer estragos pela Europa.
Guilherme Santa-Rita, que se chama a si próprio Santa-Rita pintor, autoproclama-se ainda representante do futurismo para Portugal. Variante da renovação modernista, o futurismo glorifica uma arte inspirada no progresso tecnológico, na maquinaria, na velocidade e em tudo o que o senso estético até então condenava: as perturbações psíquicas, a perversão sexual ou a guerra, formas de atingir uma vivência que se crê total e superior.
Amadeo de Souza Cardoso é talvez o pintor que melhor incorpora o espírito do tempo, assimilando a explosão vanguardista em todo o seu ecletismo. Assumindo-se como “impressionista, cubista, futurista, abstraccionista, de tudo um pouco”, a sua obra atravessa todas essas escolas e outras não catalogadas. Sem disso ter consciência, o país acaba de receber o seu mais extraordinário criador plástico.
As ideias políticas dos modernistas e futuristas vão chocar com tudo o que a I República defende, o que dificulta a sua implantação e disseminação sólida. Mas é no meio das suas vicissitudes que o modernismo artístico português vai desaparecer, quase de forma tão fulminante como surgira. Primeiro, atingido pela tragédia: Santa-Rita e Amadeo morrem pela doença, em 1918; depois, bloqueado pela tradição: Cristiano Cruz, desiludido com o conservadorismo dominante, abandona a carreira artística e exila-se em África; Almada, decepcionado pelo imobilismo lusitano, parte para Paris; Viana, apesar do talento, confina o seu modernismo a limites figurativos.
No fim da década, a vanguarda portuguesa encontra-se pulverizada, como se nunca existisse ou não passasse de um mero equívoco.
PS. O retratado é Francisco Cardoso, num óleo sobre cartão de Amadeo de Souza Cardoso, c. 1912 (O original, de 35 x 27 cm, está no Museu Municipal Souza-Cardoso, em Amarante).
Os jovens artistas, como Cristiano Cruz, Almada Negreiros, Jorge Barradas, Stuart Carvalhais, Emérico Nunes, Alfredo Cândido, Francisco Valença, Amarelhe e Rocha Vieira, trazem consigo um novo traço, mais estilizado, que integra muitas inovações pós-art nouveau, revelando pela primeira vez em Portugal as influências do modernismo artístico; mas trazem também consigo novas temáticas, que não o político, optando muitas vezes pela crítica de costumes sociais e pela ridicularização dos hábitos das classes médias e dos novos-ricos.
A segunda ruptura modernista dá-se com o regresso dos “parisienses”, como Eduardo Viana, Amadeo de Souza-Cardoso ou Guilherme Santa-Rita, obrigados pela Grande Guerra a regressar a Portugal. Eduardo Viana, com uma exposição na Sociedade Nacional de Belas Artes, em 1914, evoca o abalo causado pela obra de Cézanne, de quem se mostra tributário, ao mesmo tempo que revela a influência da conversão cubista de Picasso e Braque, ainda a fazer estragos pela Europa.
Guilherme Santa-Rita, que se chama a si próprio Santa-Rita pintor, autoproclama-se ainda representante do futurismo para Portugal. Variante da renovação modernista, o futurismo glorifica uma arte inspirada no progresso tecnológico, na maquinaria, na velocidade e em tudo o que o senso estético até então condenava: as perturbações psíquicas, a perversão sexual ou a guerra, formas de atingir uma vivência que se crê total e superior.
Amadeo de Souza Cardoso é talvez o pintor que melhor incorpora o espírito do tempo, assimilando a explosão vanguardista em todo o seu ecletismo. Assumindo-se como “impressionista, cubista, futurista, abstraccionista, de tudo um pouco”, a sua obra atravessa todas essas escolas e outras não catalogadas. Sem disso ter consciência, o país acaba de receber o seu mais extraordinário criador plástico.
As ideias políticas dos modernistas e futuristas vão chocar com tudo o que a I República defende, o que dificulta a sua implantação e disseminação sólida. Mas é no meio das suas vicissitudes que o modernismo artístico português vai desaparecer, quase de forma tão fulminante como surgira. Primeiro, atingido pela tragédia: Santa-Rita e Amadeo morrem pela doença, em 1918; depois, bloqueado pela tradição: Cristiano Cruz, desiludido com o conservadorismo dominante, abandona a carreira artística e exila-se em África; Almada, decepcionado pelo imobilismo lusitano, parte para Paris; Viana, apesar do talento, confina o seu modernismo a limites figurativos.
No fim da década, a vanguarda portuguesa encontra-se pulverizada, como se nunca existisse ou não passasse de um mero equívoco.
PS. O retratado é Francisco Cardoso, num óleo sobre cartão de Amadeo de Souza Cardoso, c. 1912 (O original, de 35 x 27 cm, está no Museu Municipal Souza-Cardoso, em Amarante).
Thursday, June 9, 2011
Um Novo Ciclo na Política Portuguesa...
Com efeito, estas legislativas configuram um novo ciclo na vida política portuguesa. Portugal virou à direita, assim os jornais o estamparam nas suas primeiras páginas. Eu prefiro sustentar que Portugal se tornou menos “colectivista” e mais “individualista”, ideologicamente falando. Ou se preferirem, menos socialista e mais liberal. E é aqui que está a principal originalidade destas eleições, e do seu resultado, que foi a colocação no poder do partido político mais liberal desde o 25 de Abril de 1974. Para espanto de muito boa gente, o país dito sociologicamente de esquerda (um dos mitos que cai por terra nestas eleições) deu uma expressiva vitória ao papão “neo-liberal” Pedro Passos Coelho. Porquê?
Num cenário de crise económica e política, com o fantasma da bancarrota à porta, os portugueses que votaram recusaram a demagogia, as experiências políticas, os ziguezagues ideológicos e éticos, e escolheram o projecto de sociedade que lhes dá mais esperança, que combina austeridade, protecção social aos mais desfavorecidos e crescimento económico. Cansados de PEC’s sucessivos, confrontados com um desemprego histórico, com uma diminuição considerável do seu nível de vida, e também com um certo estilo de fazer política (marcado pela ficção, em detrimento da realidade), preferiram o realismo de PPC. Contra os teóricos do marketing político, os portugueses preferiram a verdade, nua a crua, e aqui PPC não os defraudou: foi transparente, não escamoteou as dificuldades e anunciou medidas antipáticas.
Concorde-se ou não com as soluções (e estou convencido que muitas das propostas mais liberais serão devidamente ajustadas à realidade nacional), o seu programa eleitoral era o único que oferecia um contrato sério com o eleitorado, um caminho sólido para a saída da crise que atravessamos: o cumprimento do memorando da “Troika”, na íntegra; a diminuição da despesa inútil do Estado, para sustentar a educação, a saúde e a protecção social públicas; a criação de condições para voltarmos a crescer economicamente, única forma de combater o desemprego e pagarmos as nossas dívidas. E por isso o seu programa foi tão discutido. Pelo contrário, o programa do CDS-PP era um manifesto, mais do que um programa eleitoral; o do PS um conjunto de generalidades que não se comprometiam com nada; o da CDU uma reciclagem do programa apresentado nas eleições de 2009, como se o mundo não tivesse mudado nestes dois últimos anos; o do bloco um projecto para uma outra sociedade, que não esta, assente numa democracia liberal, que liminarmente o rejeitou, em bloco. Comparem-se rigorosamente os programas eleitorais (pondo de lado as simpatias partidárias) e vejam se não chegam às mesmas conclusões.
Muitos quiseram ver na vitória de PPC um protesto a José Sócrates, mais do que uma vitória do próprio e do seu programa eleitoral. Objectivo: desvalorizar o resultado de PPC e o do PSD. Mas isto é subestimar a inteligência das pessoas. A desfaçatez é tanta que alguns iluminados, do alto do seu pedestal, invocaram o argumento da iliteracia para explicar a hecatombe da esquerda moderada e da esquerda radical. Como se os eleitores fossem incapazes de ajuizarem o estado do país pelas suas próprias cabeças. Não percebem, ou não querem perceber, a mensagem do eleitorado: desçam à terra, deixem-se de ilusões, e proponham soluções concretas para este mundo. Ora, foi isso que PPC fez, com mais ou menos gafe. E os portugueses, como contrapartida, deram-lhe uma vitória política que não mais esquecerá.
Num cenário de crise económica e política, com o fantasma da bancarrota à porta, os portugueses que votaram recusaram a demagogia, as experiências políticas, os ziguezagues ideológicos e éticos, e escolheram o projecto de sociedade que lhes dá mais esperança, que combina austeridade, protecção social aos mais desfavorecidos e crescimento económico. Cansados de PEC’s sucessivos, confrontados com um desemprego histórico, com uma diminuição considerável do seu nível de vida, e também com um certo estilo de fazer política (marcado pela ficção, em detrimento da realidade), preferiram o realismo de PPC. Contra os teóricos do marketing político, os portugueses preferiram a verdade, nua a crua, e aqui PPC não os defraudou: foi transparente, não escamoteou as dificuldades e anunciou medidas antipáticas.
Concorde-se ou não com as soluções (e estou convencido que muitas das propostas mais liberais serão devidamente ajustadas à realidade nacional), o seu programa eleitoral era o único que oferecia um contrato sério com o eleitorado, um caminho sólido para a saída da crise que atravessamos: o cumprimento do memorando da “Troika”, na íntegra; a diminuição da despesa inútil do Estado, para sustentar a educação, a saúde e a protecção social públicas; a criação de condições para voltarmos a crescer economicamente, única forma de combater o desemprego e pagarmos as nossas dívidas. E por isso o seu programa foi tão discutido. Pelo contrário, o programa do CDS-PP era um manifesto, mais do que um programa eleitoral; o do PS um conjunto de generalidades que não se comprometiam com nada; o da CDU uma reciclagem do programa apresentado nas eleições de 2009, como se o mundo não tivesse mudado nestes dois últimos anos; o do bloco um projecto para uma outra sociedade, que não esta, assente numa democracia liberal, que liminarmente o rejeitou, em bloco. Comparem-se rigorosamente os programas eleitorais (pondo de lado as simpatias partidárias) e vejam se não chegam às mesmas conclusões.
Muitos quiseram ver na vitória de PPC um protesto a José Sócrates, mais do que uma vitória do próprio e do seu programa eleitoral. Objectivo: desvalorizar o resultado de PPC e o do PSD. Mas isto é subestimar a inteligência das pessoas. A desfaçatez é tanta que alguns iluminados, do alto do seu pedestal, invocaram o argumento da iliteracia para explicar a hecatombe da esquerda moderada e da esquerda radical. Como se os eleitores fossem incapazes de ajuizarem o estado do país pelas suas próprias cabeças. Não percebem, ou não querem perceber, a mensagem do eleitorado: desçam à terra, deixem-se de ilusões, e proponham soluções concretas para este mundo. Ora, foi isso que PPC fez, com mais ou menos gafe. E os portugueses, como contrapartida, deram-lhe uma vitória política que não mais esquecerá.
Labels:
2011,
Eleições Legislativas,
Pedro Passos Coelho,
Portugal
Friday, June 3, 2011
Fazer a diferença também na Cultura (II)
No último post falei do anunciado fim do Ministério da Cultura (uma ideia do PSD) e do falso problema que alguns logo quiseram criar. Tentei explicar que, mais do que a forma, o que interesse é o conteúdo, ou seja, saber se a cultura será assumida como prioridade estratégica da acção política do próximo executivo. Esta questão remete para outra, que julgo mais importante, e que tem a ver com o papel do estado na cultura, por muitos considerado insubstituível, e do investimento público nesta área.
Sobre isto, contrapunha o seguinte, para reflexão: parece-me, à luz da globalização, que o desenvolvimento económico tem de assentar também, tal como no passado, na arte, na ciência e na cultura. Até porque a cultura contribui mais para a economia do que outros sectores considerados muito relevantes (KEA, 2006). Em Portugal, por exemplo, o sector da cultura (público e privado) é o terceiro principal contribuinte para o PIB.
Mas este contributo pode ser potenciado, melhorado, tornando-se inclusivamente motor de um desenvolvimento económico e social sustentável. Cidades como Glascow, Bilbao, Cleveland, Kitakyushu, entre outras, vivem um notável renascimento urbano porque mudaram de paradigma, assentando o seu florescimento no desenvolvimento de bens culturais, nomeadamente nas áreas enfraquecidas dessas mesmas cidades, captando populações criativas e inovadoras, recebendo investimento, nacional e estrangeiro, promovendo o turismo e a sua marca territorial, convencendo as empresas locais da rentabilidade da aposta na cultura.
O Estado tem uma função social que é indeclinável, designadamente nas áreas da educação, saúde e cultura, mas tal não invalida que não se aproveite o actual debate para repensar o papel do Estado na Cultura, por outras palavras, para repensar as políticas públicas direccionadas para as estruturas e actividades culturais, a partir de uma concepção mais alargada do fenómeno cultural.
Julgo ser mais ou menos consensual que o Estado deve:
i) cuidar do “seu” património material e imaterial;
ii) garantir aos cidadãos nacionais a usufruição plena dos serviços que tutela e gere, como as bibliotecas, arquivos e museus, entre outros equipamentos públicos;
iii) apoiar a criação artística, no cinema, no teatro, na dança, na música, no livro, como entidade facilitadora de apoios financeiros e de subsídios aos particulares ou outras instituições/associações culturais da sociedade civil - mas aqui com uma diferença relativamente ao modus operandi dos últimos anos, que é a deste apoio traduzir-se num estímulo, num incentivo, e não numa dependência “eterna” dos subsídios do Estado. Para isso será fundamental criar novas parcerias entre o Estado e os privados, tornando ainda mais atractiva a Lei do Mecenato Cultural, de forma a encontrar-se outras soluções de financiamento dos projectos artísticos e culturais.
As funções clássicas do Estado na área da Cultura deverão ser asseguradas com eficiência, duma forma desconcentrada e descentralizada, sem desperdício e burocracia. De acordo com os estudos de opinião, a generalidade dos cidadãos portugueses concorda com elas e está disposto a viabilizá-las com os seus impostos. Como tal, parte do Orçamento do Estado (1%?) deveria ser canalizado para a conservação e valorização do património cultural do Estado e para o apoio à criação e à difusão cultural, políticas que deveriam ser desenvolvidas de forma integrada com a educação, com a ciência e com o turismo e em estreita articulação com os municípios, reduzindo custos mas ao mesmo tempo assumindo-se como parte duma estratégia para enfrentar a crise económica e financeira.
Como traves-mestras da acção do Estado na Cultura propunha:
i) a valorização e promoção da Língua e Cultura Portuguesas;
ii) a conservação, estudo e reabilitação do património cultural;
iii) o estímulo à criação artística e à difusão cultural;
iv) a qualificação e modernização dos serviços e equipamentos públicos culturais;
v) a integração das políticas públicas culturais com a educação, a ciência e o turismo.
Definido o papel do Estado, importaria depois adequar a estrutura/organização existente à melhor execução das políticas públicas direccionadas para a Cultura, desde logo avaliando a eficácia e os resultados do PRACE, e, se necessário, introduzindo correcções com vista à racionalização dos recursos e à eliminação de redundâncias entre os serviços e equipamentos. É aqui que a discussão sobre a melhor orgânica para a cultura deve ter lugar, não antes.
Não sendo uma tarefa fácil, é exequível, e os portugueses não deixarão de agradecer…
Sobre isto, contrapunha o seguinte, para reflexão: parece-me, à luz da globalização, que o desenvolvimento económico tem de assentar também, tal como no passado, na arte, na ciência e na cultura. Até porque a cultura contribui mais para a economia do que outros sectores considerados muito relevantes (KEA, 2006). Em Portugal, por exemplo, o sector da cultura (público e privado) é o terceiro principal contribuinte para o PIB.
Mas este contributo pode ser potenciado, melhorado, tornando-se inclusivamente motor de um desenvolvimento económico e social sustentável. Cidades como Glascow, Bilbao, Cleveland, Kitakyushu, entre outras, vivem um notável renascimento urbano porque mudaram de paradigma, assentando o seu florescimento no desenvolvimento de bens culturais, nomeadamente nas áreas enfraquecidas dessas mesmas cidades, captando populações criativas e inovadoras, recebendo investimento, nacional e estrangeiro, promovendo o turismo e a sua marca territorial, convencendo as empresas locais da rentabilidade da aposta na cultura.
O Estado tem uma função social que é indeclinável, designadamente nas áreas da educação, saúde e cultura, mas tal não invalida que não se aproveite o actual debate para repensar o papel do Estado na Cultura, por outras palavras, para repensar as políticas públicas direccionadas para as estruturas e actividades culturais, a partir de uma concepção mais alargada do fenómeno cultural.
Julgo ser mais ou menos consensual que o Estado deve:
i) cuidar do “seu” património material e imaterial;
ii) garantir aos cidadãos nacionais a usufruição plena dos serviços que tutela e gere, como as bibliotecas, arquivos e museus, entre outros equipamentos públicos;
iii) apoiar a criação artística, no cinema, no teatro, na dança, na música, no livro, como entidade facilitadora de apoios financeiros e de subsídios aos particulares ou outras instituições/associações culturais da sociedade civil - mas aqui com uma diferença relativamente ao modus operandi dos últimos anos, que é a deste apoio traduzir-se num estímulo, num incentivo, e não numa dependência “eterna” dos subsídios do Estado. Para isso será fundamental criar novas parcerias entre o Estado e os privados, tornando ainda mais atractiva a Lei do Mecenato Cultural, de forma a encontrar-se outras soluções de financiamento dos projectos artísticos e culturais.
As funções clássicas do Estado na área da Cultura deverão ser asseguradas com eficiência, duma forma desconcentrada e descentralizada, sem desperdício e burocracia. De acordo com os estudos de opinião, a generalidade dos cidadãos portugueses concorda com elas e está disposto a viabilizá-las com os seus impostos. Como tal, parte do Orçamento do Estado (1%?) deveria ser canalizado para a conservação e valorização do património cultural do Estado e para o apoio à criação e à difusão cultural, políticas que deveriam ser desenvolvidas de forma integrada com a educação, com a ciência e com o turismo e em estreita articulação com os municípios, reduzindo custos mas ao mesmo tempo assumindo-se como parte duma estratégia para enfrentar a crise económica e financeira.
Como traves-mestras da acção do Estado na Cultura propunha:
i) a valorização e promoção da Língua e Cultura Portuguesas;
ii) a conservação, estudo e reabilitação do património cultural;
iii) o estímulo à criação artística e à difusão cultural;
iv) a qualificação e modernização dos serviços e equipamentos públicos culturais;
v) a integração das políticas públicas culturais com a educação, a ciência e o turismo.
Definido o papel do Estado, importaria depois adequar a estrutura/organização existente à melhor execução das políticas públicas direccionadas para a Cultura, desde logo avaliando a eficácia e os resultados do PRACE, e, se necessário, introduzindo correcções com vista à racionalização dos recursos e à eliminação de redundâncias entre os serviços e equipamentos. É aqui que a discussão sobre a melhor orgânica para a cultura deve ter lugar, não antes.
Não sendo uma tarefa fácil, é exequível, e os portugueses não deixarão de agradecer…
Tuesday, May 31, 2011
Fazer a diferença também na Cultura (I)
Uma das polémicas desta campanha eleitoral prende-se com o anunciado fim do Ministério da Cultura pelo PSD. Claro, se este partido ganhar as eleições… Previsivelmente, caiu logo o Carmo e a Trindade. Já corre, como é da praxe, uma petição electrónica contra a extinção do dito; multiplicam-se na imprensa escrita os artigos de opinião contra mais esta deriva “neo-liberal”; pululam nas redes-sociais os estados de alma a favor da manutenção do Ministério da Cultura. Nesta, como noutras matérias, a resistência à mudança é por demais evidente, protagonizada por interesses instalados e corporações diversas, que olham com desdém para qualquer alteração ao status quo.
É certo que a ideia, uma vez mais, foi mal explicada. Mas vamos supor o contrário, que sim, que a medida até tinha sido devidamente fundamentada. Podíamos então começar com as seguintes perguntas: de que vale um Ministério da Cultura se não for uma prioridade política? Se for uma espécie de “parente pobre” do executivo? Se estiver desprovido de meios financeiros e da necessária articulação com outras pastas, como a Economia, a Educação e o Turismo? E podíamos continuar por aí fora… Depois, prosseguíramos com a explicação, com princípio, meio e fim. Para toda a gente perceber a ideia, com a maior transparência, como deve ser.
Logo, parece-me que esta é uma falsa questão: mais do que a forma interessa o conteúdo. Mais do que saber se ela está num ministério, numa secretaria de Estado ou mesmo fundida com outras pastas, o que importa saber é se a Cultura é efectivamente uma prioridade política para o próximo governo e para Portugal. Para os agentes culturais o que interessa, não é tanto se a Cultura está na tutela dum ministério, duma secretaria de Estado, ou na dependência ou não do primeiro-ministro, mas se faz parte dum sistema leve, desburocratizado, operacional, que descentralize competências e meios pelas instituições e equipamentos culturais existentes no território nacional. Por outras palavras, que dote aquelas de autonomia e meios (humanos, técnicos e financeiros) para prosseguirem com eficiência a sua função. Para os destinatários das políticas culturais públicas e privadas, isto é, o público, é indiferente a orgânica da Cultura, importando antes os resultados dessas mesmas políticas e a sua adequação às expectativas criadas.
Se a Cultura for uma prioridade política no próximo executivo, como desejamos, a sua colocação na dependência directa do primeiro-ministro até pode ser uma boa solução, desde que assumida como área transversal na acção política do executivo e entregue à pessoa certa. Além de centralidade política, a Cultura pode ainda ganhar eficácia na sua actividade, enquanto a simplificação da sua orgânica contribuirá para a redução da despesa pública. Mas há outras soluções, experimentadas lá fora com sucesso, como a criação dum super-ministério que junte, por exemplo, Cultura, Educação, Ciência e Turismo, dada a proximidade de objectivos, estratégias e metodologias.
Logo, o argumento de que a Cultura perderia “a dignidade de uma acção autónoma”, defendido, por exemplo, por Inês Pedrosa (V. “A Cultura Dependente”, in O Sol, de 20 de Maio) é um argumento que não colhe. Aliás, julgo até que seria profícuo se, em vez de autonomia, a Cultura tivesse antes uma acção integradora, devidamente articulada com as restantes políticas do governo. Como é inusitada a afirmação de que “a Cultura passará a ser o passatempo das horas vagas do primeiro-ministro”. Há aqui algum preconceito cultural e precipitação na análise duma ideia que, repito, até pode ser uma boa ideia para a Cultura. A proximidade institucional pode ser uma grande vantagem, se bem explorada, na captação de atenção ao mais alto nível para as políticas culturais e para a rentabilidade económica destas mesmas políticas. Assim esteja lá a pessoa certa, no lugar certo, com peso político, conhecimento profundo e experiência acumulada na área. Que dê sentido prático à importância estratégia que a Cultura pode ter no desenvolvimento sustentável da sociedade portuguesa.
Logo, analisemos primeiro o teor da medida (que não pode ser desligada do ajustamento orçamental que vai cair em cima de todos os ministérios), vejamos depois os prós e os contras do anunciado fim do Ministério da Cultura, e, por fim, tome-se uma posição, tente-se influenciar a opinião pública e, com esta, o poder político. Agora, há um pormenor que não pode ser escamoteado: estando no programa de um determinado partido político, e sendo sufragado numas eleições legislativas pelo povo, o governo que sair daqui tem toda a legitimidade democrática para alterar o enquadramento orgânico da Cultura. Ou a legitimidade democrática só é convocada quando queremos defender os nossos pontos de vista?
É certo que a ideia, uma vez mais, foi mal explicada. Mas vamos supor o contrário, que sim, que a medida até tinha sido devidamente fundamentada. Podíamos então começar com as seguintes perguntas: de que vale um Ministério da Cultura se não for uma prioridade política? Se for uma espécie de “parente pobre” do executivo? Se estiver desprovido de meios financeiros e da necessária articulação com outras pastas, como a Economia, a Educação e o Turismo? E podíamos continuar por aí fora… Depois, prosseguíramos com a explicação, com princípio, meio e fim. Para toda a gente perceber a ideia, com a maior transparência, como deve ser.
Logo, parece-me que esta é uma falsa questão: mais do que a forma interessa o conteúdo. Mais do que saber se ela está num ministério, numa secretaria de Estado ou mesmo fundida com outras pastas, o que importa saber é se a Cultura é efectivamente uma prioridade política para o próximo governo e para Portugal. Para os agentes culturais o que interessa, não é tanto se a Cultura está na tutela dum ministério, duma secretaria de Estado, ou na dependência ou não do primeiro-ministro, mas se faz parte dum sistema leve, desburocratizado, operacional, que descentralize competências e meios pelas instituições e equipamentos culturais existentes no território nacional. Por outras palavras, que dote aquelas de autonomia e meios (humanos, técnicos e financeiros) para prosseguirem com eficiência a sua função. Para os destinatários das políticas culturais públicas e privadas, isto é, o público, é indiferente a orgânica da Cultura, importando antes os resultados dessas mesmas políticas e a sua adequação às expectativas criadas.
Se a Cultura for uma prioridade política no próximo executivo, como desejamos, a sua colocação na dependência directa do primeiro-ministro até pode ser uma boa solução, desde que assumida como área transversal na acção política do executivo e entregue à pessoa certa. Além de centralidade política, a Cultura pode ainda ganhar eficácia na sua actividade, enquanto a simplificação da sua orgânica contribuirá para a redução da despesa pública. Mas há outras soluções, experimentadas lá fora com sucesso, como a criação dum super-ministério que junte, por exemplo, Cultura, Educação, Ciência e Turismo, dada a proximidade de objectivos, estratégias e metodologias.
Logo, o argumento de que a Cultura perderia “a dignidade de uma acção autónoma”, defendido, por exemplo, por Inês Pedrosa (V. “A Cultura Dependente”, in O Sol, de 20 de Maio) é um argumento que não colhe. Aliás, julgo até que seria profícuo se, em vez de autonomia, a Cultura tivesse antes uma acção integradora, devidamente articulada com as restantes políticas do governo. Como é inusitada a afirmação de que “a Cultura passará a ser o passatempo das horas vagas do primeiro-ministro”. Há aqui algum preconceito cultural e precipitação na análise duma ideia que, repito, até pode ser uma boa ideia para a Cultura. A proximidade institucional pode ser uma grande vantagem, se bem explorada, na captação de atenção ao mais alto nível para as políticas culturais e para a rentabilidade económica destas mesmas políticas. Assim esteja lá a pessoa certa, no lugar certo, com peso político, conhecimento profundo e experiência acumulada na área. Que dê sentido prático à importância estratégia que a Cultura pode ter no desenvolvimento sustentável da sociedade portuguesa.
Logo, analisemos primeiro o teor da medida (que não pode ser desligada do ajustamento orçamental que vai cair em cima de todos os ministérios), vejamos depois os prós e os contras do anunciado fim do Ministério da Cultura, e, por fim, tome-se uma posição, tente-se influenciar a opinião pública e, com esta, o poder político. Agora, há um pormenor que não pode ser escamoteado: estando no programa de um determinado partido político, e sendo sufragado numas eleições legislativas pelo povo, o governo que sair daqui tem toda a legitimidade democrática para alterar o enquadramento orgânico da Cultura. Ou a legitimidade democrática só é convocada quando queremos defender os nossos pontos de vista?
Subscribe to:
Posts (Atom)